DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 3 de março de 2010

DESCALÇA VAI PARA A FONTE...


Apetitosa, ia Chissola a caminho da água.

Bamboleava-se em direcção à lagoa. Caminhava, mas parecia dançar. Movia os lábios sem libertar a voz: habituara-se a guardar as melodias na boca. Sobrava-lhe música no corpo e na alma.

Chissola era a primeira esposa do curandeiro Hende. Ia pelos trinta anos e nunca engravidara. Conservava o ventre liso e o peito rijo, como se tivesse cumprido na véspera os rituais da puberdade.

A noite fora de festa e as estrelas tinham cintilado ao ritmo dos tambores. Pena fora que o marido tivesse optado pela esteira de Nhama.

Enfim... Começava um novo dia.

A manhã estava bonita. Mais tarde, faria calor demais mas, por enquanto, o sol era filtrado pelas copas das árvores e uma aragem fresca confortava as gentes, os pássaros e a folhagem.

A dada altura, sentiu que lhe apalpavam as nádegas. Voltou-se e não viu ninguém. Continuou a andar. Instantes depois, dedos suaves insinuaram-se debaixo dos panos e acariciaram-lhe as coxas.

Olhou em redor. Avistou apenas o carreiro de chão batido, as árvores dispersas, a cerca de espinheiros das cubatas e, lá ao longe, uma dúzia de bois vigiados por um pequeno pastor. Compreendeu então o que se estava a passar.

- Dumba, seu grande malandro! Se não te portas bem, vou fazer queixa ao Hende!

Quis mostrar-se zangada, mas não foi capaz. O brilho dos dentes alvos pôs-lhe a alma a descoberto.

O diabo era fino. Percebeu que a tinha na mão.

Dumba-ia-munto era o pequeno diabo doméstico do quimbanda Hende. Fora criado para lhe aumentar o poder.

Não se considerava um servo desleal, mas conhecia poucas regras. Não admirava. A sua nova existência contava-se por meses.

Semanas depois, Chissola, ao regressar da lavra, viu deslocar-se pausadamente, ao lado do carreiro por onde seguia, um pénis enorme que quase roçava o chão. De início sobressaltou-se, mas logo desatou a rir. Era Dumba, com certeza... Agora, até havia porras andantes... e de que tamanho...

Não resistiu a meter-se com ele. Indagou:

- A viagem é para longe, companheiro?

- Pode ser bem curta, se quiseres... É para o sítio que sabes...

- Vê lá se tropeças no capim...

- Só se me distrair a olhar para ti...

- Olha que o meu homem é bem capaz de to cortar bem rente...

- Era preciso que lhe contasses, porque eu não lho mostro... e uma rapariga bonita como tu não ia fazer uma maldade dessas...


Modificado de O Dia em que Deus começou a desmontar o Mundo ( a publicar em breve).

1 comentário:

  1. belo trecho, espero que o livro seja um sucesso.
    a rapariga terá feito ou não, a maldade?
    :)

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