AMÍLCAR CABRAL
XXI
XXI
O
CONSULADO DE SPÍNOLA
As características geográficas do território e a unidade e organização da guerrilha obrigaram os comandos militares portugueses a colocar na Guiné um número de soldados em clara desproporção com a superfície da colónia e o número dos seus habitantes. De
um total de 79.823 efetivos militares metropolitanos que se encontravam em 1968
nos três Teatros de Operações, 37.547 estavam colocados em Angola, 22.717 em
Moçambique e 19.559 na Guiné. Os números totais de soldados mortos nas três
frentes, entre 1961 e 1974 foram de 3.258 em Angola, 2.962 em Moçambique e
2.070 na Guiné.
Em
Maio de 1968, Schultz foi substituído. Teve início o consulado de
Spínola.
António
de Spínola encarava de maneira diferente a guerra de guerrilha. Tinha lido o Livro
Vermelho de Mao Tsé Tung e outras obras populares entre os nacionalistas e os
estudantes universitários europeus de
esquerda.
Procurou
combinar os aspetos militares e sociais. Não seria preciso inovar, mas apenas
adaptar os conhecimentos e experiências de outras guerras de guerrilha à
realidade geográfica e social da Guiné.
O
objetivo era criar uma ligação de simpatia e mesmo de gratidão entre o exército
e a população. Spínola contava com um grupo de oficiais preparados para a
guerra antissubversão em Lisboa e em estágios efetuados nos Estados Unidos e em
vários países europeus da NATO. Tratava-se de militares corajosos, empenhados e
ambiciosos: Carlos Fabião, Otelo Saraiva de Carvalho, Manuel Monge de Lima,
Nunes Barata, José Blanco, Jorge Moreira da Costa, Carlos Azeredo e outros.
Ficaram conhecidos como os rapazes de
Spínola. Foi com eles que o general elaborou a sua estratégia de combate.
As
forças armadas deixaram de ter um papel exclusivamente militar. Deviam também
colaborar com as populações nas áreas da assistência sanitária e do ensino. A
guerra da Guiné era essencialmente psicológica. Passava pela conquista das
almas, a qual não poderia ser feita pela força mas sim pela persuasão. A ação
de contra subversão visava afastar as populações dos movimentos de libertação,
de modo que deixassem de apoiá-los.
Tal
como tinha feito Amílcar Cabral, Spínola estudou a composição étnica dos povos
da Guiné. Acabou por ser traçado um mapa colorido do território. As zonas azuis
indicavam a presença de populações favoráveis aos portugueses. Eram sobretudo
fulas e viviam a leste. As áreas vermelhas estavam controladas pelo inimigo,
enquanto as amarelas eram áreas de transição e de equilíbrio instável entre as
forças em luta. Para fins de bombardeamento, não havia distinção entre civis e
militares nas regiões vermelhas.
Nas
áreas azuis eram construídos os aldeamentos estratégicos semelhantes aos que ficaram famosos na
guerra do Vietname. Eram para lá conduzidas as populações que o exército
pretendia cativar. Esta estratégia desertificava territórios amplos,
facilitando as operações de busca e destruição, geralmente efetuadas por tropas
especiais helitransportadas.
No
campo político, o general português procurou explorar as fraquezas e as
contradições inerentes à formação do PAIGC. Estimulou o ódio aos cabo-verdianos
e procurou obter a simpatia de alguns setores da população, como os muçulmanos
(em especial os fulas) que constituíam a maioria religiosa do país e nunca
tinham apoiado decididamente Amílcar Cabral. Lançou um projeto ambicioso,
designado “Por uma Guiné melhor”. Destinava-se a compensar, em parte, o
abandono a que os sucessivos governos de Lisboa tinham votado a sua colónia na
África Equatorial.
A
fatia que o Orçamento do Estado Português dedicava à Guiné engordou
substancialmente. Foi possível abrir estradas novas. Alcatroaram-se 500 quilómetros das já existentes. Levantaram-se pontes e
melhoraram-se as condições de funcionamento de alguns portos. Construíram-se 8.000 habitações e melhoraram-se seis dezenas de tabancas (aldeias). A rede escolar e as
estruturas sanitárias que serviam a população foram objeto de uma atenção
desconhecida até à data. Como aconteceu simultaneamente e em escala maior em
Angola e Moçambique, a guerra tornou-se um fator de desenvolvimento do
território.
António
de Spínola estava atento ao que se passava no mundo. Aprendeu também com os
teóricos ingleses e franceses da fase tardia da descolonização.
A
melhor maneira de conter os nacionalismos africanos nascentes não consistia em
europeizar as populações, integrando-as nas legislações nacionais e
atribuindo-lhes direitos e deveres semelhantes. Era preferível enquadrá-las nas
estruturas tribais reabilitadas.
Spínola
procurou dignificar a autoridade tribal e inventou o Congresso dos Povos da
Guiné. Em 1970, o primeiro Congresso reuniu representantes de fulas e
mandingas. Reconhecendo a justeza das reivindicações mandingas, foi-lhes
permitido eleger os próprios régulos, em lugar dos chefes fulas impostos pela
administração colonial. Era a primeira vez que tal acontecia no chão mandinga
de Farim – Oio. No ano seguinte, o Congresso abriu as portas a todas as
etnias.
Spínola
implementou na Guiné um conceito quase global de guerra. Aos componentes civil
e militar eram atribuídas importâncias quase iguais.
No começo da sua governação, o PAIGC
sofreu alguns reveses. Foram retiradas populações à guerrilha. Os combatentes
nacionalistas viram o seu escudo humano reduzido.
Os bombardeamentos tornaram-se mais
fáceis e boa parte das estruturas trabalhosamente construídas pelos
guerrilheiros nas zonas libertadas foram destruídas. O Exército Português
abandonou posições isoladas e difíceis de abastecer, como Madina do Boé, e
concentrou os seus efetivos nas aldeias fortificadas e nas grandes povoações. Durante
algum tempo, a situação militar esteve equilibrada.
A pressão diminuída sobre as forças
armadas portugueses assentava, em parte, em fissuras sociais que se projetavam
na guerrilha. Começou a questionar-se a continuação do esforço de guerra e
aumentou consideravelmente o número de deserções.
Estavam abertas as portas para a
negociação política.
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