AMÍLCAR CABRAL
XXXVIII
A ESQUERDA PORTUGUESA E O COLONIALISMO
Bento Gonçalves
Quando
a pressão exterior obrigou a pôr fim ao tráfico de escravos, as possessões
ultramarinas portuguesas passaram a dar prejuízo. Houve quem, como Eça de
Queirós, advogasse a sua venda. No entanto, essa ideia estava longe de ser
consensual. Basta lembrar a onda de indignação que se seguiu ao Ultimato
britânico que veio pôr fim ao projeto megalómano do Mapa Cor-de-rosa.
Sem
um presente capaz de alimentar de forma confortável o amor-próprio, o
imaginário português ancorou-se perigosamente à memória dum passado glorioso.
As crianças aprendiam nos bancos da escola a sonhar com um império
pluricontinental. As colónias pertenciam-nos por direito de descoberta.
Este
modo de pensar modificou-se lentamente. Foi fora das nossas fronteiras que a
questão foi levantada a primeira vez por vozes portuguesas. Em 1935, durante o
VII Congresso da Internacional Comunista em Moscovo, Bento Gonçalves,
secretário-geral do PCP, falou na necessidade de ajudar os povos colonizados a
iniciarem o processo que haveria de conduzir à independência. Dentro de portas,
foi o Movimento Nacional Democrático quem primeiro levantou, no final da década
de 40, a questão da autonomia das nossas colónias.
As
ideias amadureceram devagar. O abandono do império agradava a
poucos. Até o PCP vacilou. As posições defendidas no seu III Congresso, em
1943, eram mais tímidas que as de Bento Gonçalves. A luta pela independência
dos territórios ultramarinos passou a estar ligada à queda do Estado Novo. A libertação dos povos oprimidos seria um corolário da democracia.
Apenas em 1957, durante o V Congresso
do PCP, foram defendidos com clareza o fim do império colonial e o direito dos
povos subjugados à autodeterminação, “independentemente
das modificações que se pudessem operar na situação política em Portugal”.
Era tempo. Dois a três anos mais tarde
nasceram os movimentos independentistas e, em fevereiro de 1961, começou a
guerra em Angola.
A
partir da segunda metade da década de 40, deu-se uma certa convergência de
interesses entre a Esquerda portuguesa e os nacionalistas africanos. Enquanto o
MUD e o PCP precisavam de aliados, os quadros africanos não tinham condições
para iniciarem processos separados de luta e sentiam necessidade de fazerem as
respetivas aprendizagens políticas.
Apesar
de coexistirem no mundo culturas diversas e até antagónicas, a “globalização” e
a troca quase instantânea de ideias são encaradas como naturais pelos nossos
jovens. Se lhes lembrarmos que uma inovação demorava dezenas de anos (senão meio
século) a progredir dos Pirenéus até ao vale do Tejo, olham-nos com estranheza. Sabem
pouco. A situação periférica de Portugal, no extremo Poente da Europa, afastou-nos
de todos os cruzamentos terrestres de comércio e de cultura durante milénios. Limitou
o nosso modo de pensar até à aventura das Descobertas. Depois da expulsão dos
mouros e durante muito tempo, as trocas culturais fizeram-se quase
exclusivamente com os vizinhos: Galiza, Leão e Castela. As ideias fluíam como
os rios: vinham de lá para cá.
Os
padrões civilizacionais ingleses impuseram-se a certa burguesia urbana do Porto
e de Lisboa. Há famílias que ainda hoje ostentam apelidos ingleses comuns com
um orgulho difícil de justificar. Fazem de títulos de nobreza, tão anacrónicos
como os outros. Aparentemente, os marinheiros que frequentavam os portos portugueses
e os comerciantes que se estabeleciam cá desconheciam a própria cultura. Poucas
marcas deixaram na nossa. O desenvolvimento das vias férreas, ao longo do século
XIX, pôs a França à nossa beira. Portugal tornou-se uma província cultural
francesa.
Esta
reflexão alongada servirá para justificar algum atraso (apetecia-me escrever “décalage”)
na divulgação de ideias entre Portugal e a Europa.
O Partido Comunista Português criou as suas primeiras células viradas para África por volta de 1948, cerca de dez anos mais tarde que o seu congénere francês. Nasceram a Comissão de Luta das Juventudes contra o Imperialismo Colonial em Angola, o Comité Federal Angolano do PCP e a Angola Negra.
A oposição democrática ao regime salazarista tardou a apoiar a independência das colónias. O programa de candidatura do general Humberto Delgado, em 1958, proclamava a defesa da integridade das possessões ultramarinas de Portugal. Nas eleições de 1965, o Manifesto à Nação dos oposicionistas advogava já, para as colónias, “uma solução política com base na autodeterminação, processada por métodos democráticos”. Nas eleições de 1969, a oposição estava dividida, mas tanto a CDE como o CEUD convergiam na necessidade de encontrar soluções políticas para as guerras coloniais. A rotura completa com as posições governamentais aconteceu apenas em abril de 1973, em Aveiro, durante o III Congresso da Oposição Democrática. Foi exigido “o fim imediato das guerras de agressão contra os povos de Angola, Guiné e Moçambique”.
O Partido Comunista Português criou as suas primeiras células viradas para África por volta de 1948, cerca de dez anos mais tarde que o seu congénere francês. Nasceram a Comissão de Luta das Juventudes contra o Imperialismo Colonial em Angola, o Comité Federal Angolano do PCP e a Angola Negra.
A oposição democrática ao regime salazarista tardou a apoiar a independência das colónias. O programa de candidatura do general Humberto Delgado, em 1958, proclamava a defesa da integridade das possessões ultramarinas de Portugal. Nas eleições de 1965, o Manifesto à Nação dos oposicionistas advogava já, para as colónias, “uma solução política com base na autodeterminação, processada por métodos democráticos”. Nas eleições de 1969, a oposição estava dividida, mas tanto a CDE como o CEUD convergiam na necessidade de encontrar soluções políticas para as guerras coloniais. A rotura completa com as posições governamentais aconteceu apenas em abril de 1973, em Aveiro, durante o III Congresso da Oposição Democrática. Foi exigido “o fim imediato das guerras de agressão contra os povos de Angola, Guiné e Moçambique”.
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