AMÍLCAR CABRAL
XL
ENGENHEIRO NA GUINÉ
Amílcar e Maria Helena em Pessubé
Amílcar
Cabral terminou o curso em 1950. Para obter a licenciatura, estagiou em Cuba, no
Alentejo, em 1951 e princípio de 1952. O relatório final daquele estágio tratava
da erosão dos solos e obteve uma classificação elevada. Depois, Amílcar
escolheu a Guiné para trabalhar.
Não
são conhecidas as razões que o chamaram para lá. Certo é que foi contratado
pelo Ministério do Ultramar como diretor-adjunto dos Serviços Agrícolas e
Florestais e diretor da Granja Experimental de Pessubé. O facto de um
recém-licenciado se estrear logo como diretor faz presumir que não abundavam os
engenheiros agrónomos na Guiné portuguesa.
Pessubé situava-se nos arredores de Bissau. A
capital da Guiné era uma pequena cidade dividida em duas zonas. No centro, estava Bissau Velho, a cidade colonial, a terra dos brancos, onde ficava o
Forte da Amura, o porto de Pindjiguiti e a Avenida da República, que
agora tem o nome de Avenida Amílcar Cabral. Localizava-se ali a maioria das
casas comerciais portuguesas, como a Casa Gouveia, sucursal da CUF, o estabelecimento
Álvaro Camacho e a Sociedade Comercial
Ultramarina. Abundavam os pequenos comércios pertencentes a
libaneses. Este centro urbano era
envolvido pela cidade indígena, habitada maioritariamente por negros da etnia papel.
Amílcar Cabral chegou a Bissau em
setembro de 1952. A esposa juntou-se-lhe dois meses depois. O casal ocupou a
moradia existente dentro do espaço da Granja Experimental e destinado ao
diretor de serviço.
A
granja de Pessubé fornecia vegetais às autoridades administrativas e era utilizada
como zona de piqueniques. Cabral procurou transformá-la numa unidade de
investigação agrária suscetível de ajudar os agricultores guineenses a melhorar
os seus métodos de produção.
Enquanto
estudava em Lisboa, Amílcar auxiliara pontualmente a família, à medida das suas
escassas possibilidades. Ajudou, a dada altura, a irmã Arminda a vir para a
metrópole estudar enfermagem e corte e costura. Com a situação profissional
estabilizada, foi chamando os familiares para a Guiné. Veio primeiro Luís
Cabral, a quem arranjou emprego na Casa Gouveia. Chegou depois António, o irmão
mais novo, e a seguir a mãe, acompanhada pelas filhas gémeas.
O
primeiro recenseamento agrícola da Guiné proporcionou ao jovem engenheiro
agrónomo a oportunidade de conhecer de perto o interior da sua terra natal e o
mosaico étnico que a habitava. O recenseamento resultava de um acordo
estabelecido em 1947 entre o governo português e a Food and Agriculture Organization (FAO). Tinha ficado no papel
por falta de um técnico capaz de o encabeçar.
Ao longo de cinco meses (de agosto a dezembro) Cabral e a sua equipa percorreram a quase totalidade do território guineense,
visitando mais de 2.200 agricultores. No final do trabalho de campo, Amílcar
Cabral fez o tratamento da informação recolhida e elaborou o relatório a ser
apresentado à FAO.
Diz
António Tomás que foi graças a este trabalho que Amílcar Cabral encontrou a
linguagem certa para se entender com os camponeses. Resumida, a mensagem era
clara: a pobreza dos agricultores era culpa dos colonos.
A Guiné
nunca foi uma colónia de povoamento intensivo. Enquanto em Angola e Moçambique
os portugueses tomaram conta de parte das melhores terras, os indígenas guineenses
continuaram a ser senhores dos seus terrenos de cultivo, sujeitando-se apenas
aos preços tabelados.
A
Guiné produzia essencialmente arroz, amendoim (mancarra) e milho. Todas as
etnias semeavam arroz, mas os balantas pouco mais cultivavam. Os fulas
preferiam a mancarra, destinada à exportação. A Casa Gouveia era a única
entidade compradora e estabelecia os preços que lhe convinham. Segundo alguns
agrónomos, o percurso das culturas de mancarra era fácil de seguir pela devastação
que produziam no solo. Tornava-se necessário modificar profundamente a
estrutura agrária do país, o que pedia mais política do que agronomia.
Amílcar
Cabral aprendeu outras coisas úteis para a futura guerra de independência. Qualquer
empreendimento na Guiné estaria subordinado à sucessão das estações climáticas.
No chão balanta, a sul, os caminhos tornavam-se rapidamente intransitáveis
depois do começo da chuva enquanto nas zonas menos húmidas do norte ainda se
circulava relativamente bem. Por outro
lado, a navegação por rios e braços de mar era obrigada a seguir o ritmo das
marés.
Bissau era um meio pequeno e os
raros intelectuais da cidade conheciam-se uns aos outros. Sofia Pombo era farmacêutica e
militante do PCP. Em sua casa, falava-se abertamente de política e escutavam-se
as emissões da Rádio Moscovo. Cabral passou a frequentar a residência da farmacêutica.
Amílcar
Cabral foi travando conhecimento com vários cabo-verdianos que trabalhavam como
funcionários públicos na administração colonial. Foi nessa altura que se
reaproximou de Aristides Pereira, seu antigo colega do Liceu de Cabo Verde. Fez uso da sua experiência de subversão e foi divulgando a ideia da necessidade da interligação das independências de todas as
colónias portuguesas. À maneira de
Lisboa, foi reunindo um pequeno grupo em que se discutiam temas
africanos. À medida que conhecia melhor os intervenientes e se tornava
possível confiar em alguns, passava à abordagem das questões políticas. Muitos
desses encontros tinham lugar na sua residência na Granja.
As
dificuldades subiram de nível quando entraram para o grupo os primeiros guineenses.
Os cabo-verdianos e os naturais da Guiné pertenciam a grupos socioeconómicos
diferentes. O
direito português enquadrava-os mesmo em duas categorias distintas. Enquanto os de
Cabo Verde eram “civilizados”, os da Guiné eram quase todos “indígenas”. Muitos cabo-verdianos habitavam na zona “branca” de Bissau. Amílcar Cabral entendeu cedo que não poderia seguir a mesma tática na abordagem de uns e de outros.
Nasceu-lhe então a ideia de criar um clube desportivo e cultural.
Ofereceu-se como treinador de futebol. Era uma maneira de se aproximar da
juventude de Bissau e de desenvolver o seu trabalho político sob uma cobertura
legal.
Decorreram
várias reuniões para a preparação dos estatutos do clube. Ao serem apresentados
às autoridades competentes, foram recusados.
Foi provavelmente na Guiné que Amílcar Cabral amadureceu intelectualmente e optou definitivamente
pelo nacionalismo africano. Durante essa estadia de dois anos e meio começou a
esboçar-se o que haveria de ser mais tarde o PAIGC. Cabral aprendeu também que
nem todos os que falavam de independência a pretendiam de facto. Foi conhecendo
as primeiras traições. Anos depois, falaria com pouco entusiasmo do grupo
antifascista de Bissau.
As
circunstâncias que puseram fim à estadia de Amílcar Cabral na Guiné não são bem
conhecidas. Sabe-se que tanto ele como Maria Helena adoeceram com paludismo. Luís
Cabral garante que o seu irmão foi vítima duma denúncia. Um alfaiate de Bissau
terá informado as autoridades militares das atividades anti-portuguesas do engenheiro
agrónomo e o governador tê-lo-á “convidado” a abandonar a colónia.
Certo é que foi um Cabral diferente o que desembarcou em Lisboa. Partira um engenheiro agrónomo. Regressava um político
decidido a dedicar a vida à independência da Guiné e de Cabo Verde.
Terá sido autorizado a voltar a Bissau
para visitar a família. Aproveitou bem as deslocações. Na primeira, em 1956, formou
o o PAI (Partido
Africano para a Independência), que se transformaria mais tarde em PAIGC. Na segunda, em 1959, começou a
preparar a luta armada.
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