DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011


                                             ÁFRICA A PÉ

                SERPA PINTO


Alexandre de Serpa Pinto foi um dos últimos heróis portugueses do século XIX. Como Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, colaborou nos tardios esforços desenvolvidos pelo governo português para reconhecer e cartografar o interior do sul do continente africano, tentando preparar a «ocupação efectiva» dos territórios, no âmbito do projecto de reclamar para Portugal as vastas regiões situadas entre Angola e Moçambique, no sonho do chamado «mapa cor-de-rosa», megalómano pela desproporção entre as ambições nacionais e os meios disponíveis para as concretizar.
Nasceu em Tendais (Cinfães) na primavera de 1846 e viria a morrer nos últimos dias do século.
Fidalgo, filho de um médico miguelista, herdou o nome do avô, um conhecido político liberal. Estudou no Colégio Militar e, em 1969, com 23 anos, integrou uma coluna irregular que viajou até à África Oriental para combater na região do rio Zambeze, os rebeldes do Bonga.


Oito anos volvidos, acompanhou a fase inicial da expedição conjunta com Capelo e Ivens, projectada para estudar as relações hidrográficas entre as bacias dos rios Zaire e Zambeze, as terras do Iácca, situadas entre Angola e Moçambique. De feitio voluntarioso, desentendeu-se com os seus companheiros e tomou a iniciativa de romper com o plano inicial. Passou o Zambeze, saiu das fronteiras actuais de Angola, percorreu regiões da Zâmbia, Zimbabwe e África do Sul, até atingir Durban, em 1879. Relatou a sua travessia no livro «Como eu atravessei África».


Foi nomeado governador-geral de Moçambique e procurou alargar a área efectiva de implantação da soberania portuguesa. A sua atitude quixotesca de mandar arriar as bandeiras inglesas num espaço disputado entre as duas soberanias, perto do Lago Niassa, teve um eco profundo e duradouro no imaginário português abalado pelo ultimato britânico de 1890. Por essa altura, Serpa Pinto seria a personagem mais popular de todo o Portugal.
Três vezes deputado pelo Partido Regenerador, foi ainda cônsul-geral para o Zanzibar e governador-geral de Cabo Verde. O seu nome foi dado à vila de Menongue, término do caminho-de-ferro do Namibe, no sudeste de Angola, durante o período colonial. 

Fontes: 
De Angola à Contra-costa, Capello e Ivens,  Imprensa Nacional, Lisboa, 1886.
Internet
Fotografias e gravura: Internet

quarta-feira, 30 de novembro de 2011


ÁFRICA A PÉ:
   
CAPELO E IVENS EM MOÇÂMEDES


Viajando a pé desde Porto Pinda, depois de terem sido abandonados pelos carregadores da expedição, receosos dos perigos que espreitavam nas margens do Coroca, e fatigados pelas 54 milhas percorridas, Hermenegildo Capello e Roberto Ivens foram calorosamente recebidos pelo governador de Moçâmedes. Seria daqui que partiriam para a travessia de África. Ouçamos os exploradores falar da cidade:

Em 1840 decidiu-se construir o forte de Ponta Negra, assim como se assentaram os fundamentos de uma vila, estabelecendo-se aí uma feitoria dirigida por dois negociantes, Jacomo Filipe Torres e Joaquim Guimarães, e pouco depois foi esta terra colonizada por gente vinda da Madeira e do Brasil, que a 4 de Agosto do ano de 1845 nela se instalou definitivamente.


Daí para cá, Mossâmedes tem progredido por maneira que é hoje um dos lugares mais pitorescos e importantes da costa do oeste.


O seu clima é suave e temperado; as brisas que a refrigeram, devidas à influência da corrente oceânica que, vinda do cabo da Boa Esperança, paralelamente à costa sob elas passa; as viçosas hortas que a circundam, contrastando com a aspereza das encostas e planícies em redor, atraem ali quantos indivíduos pretendem restabelecer a saúde deteriorada pelos calores do norte, e mostra bem quanto tem podido a vontade desse punhado de homens que, ao entrarem em tal terreno, o encontraram quase deserto e percorrido de quando em quando por salteadores.


Aclimam-se todos os vegetais da Europa, como hoje é sabido, e desde a oliveira até à videira tudo ali progride.


Raras são as febres de grave caráter, apenas as intermitentes, quando inunda o Bero, atacam a um ou a outro, e ainda as cefalalgias e as conjuntivites são frequentes, como as oftalmias, derivadas do reverbero da luz nas areias. 


Referências:
De Angola à Contra-Costa. H. Capello e R. Ivens. Imprensa Nacional, Lisboa, 1886.
Fotos: Cunha Moraes, cerca de 1890.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011


                     ÁFRICA A PÉ
            
                             FALSA LARGADA

Era preciso desenhar um atlas geral das colónias portuguesas. Manuel Pinheiro Chagas, ministro da Marinha e do Ultramar, criou em 1883 uma Comissão de Cartografia, para a qual nomeou como vogais os conhecidos exploradores Hermenegildo Capello e Roberto Ivens. Pouco depois, pretendendo criar uma rota comercial por terra entre Angola e Moçambique, encarregou esses dois oficiais da Armada de efetuarem, no terreno, os reconhecimentos necessários.
A razão da escolha era lógica: os oficiais de marinha estavam familiarizados com as técnicas de orientação marítima, parte das quais se adaptava à terra firme, e ambos tinham viajado pelo interior de África. Isto foi antes do G.P.S...
Capello e Ivens optaram começar a viagem em Pinda, junto a Porto Alexandre. Era um dos últimos locais povoados do sul da costa angolana. Entre outras razões para a escolha, contou a curiosidade de reconhecer o curso do rio Coroca e de saber se ele tinha alguma relação com o grande Cunene.
Sobre Porto do Pinda, ouçamos o relato de António Norberto Kudzki, datado de 1855:

A baía ocupa o espaço de nove léguas, sendo fechada, do lado do norte, pela ponta do Cabo Negro e do lado sul, pelas areias que cercam a pequena enseada denominada Porto Alexandre. Do mar, o aspeto do território é árido; nem uma árvore, nem um sinal de vegetação se oferece à vista; apenas uma cordilheira de rochedos do Cabo Negro se estende para sueste; só as dunas de areia se divisam, e algumas lagoas na foz do rio Coroca, formadas pelas enchentes do mesmo e pelo mar. 


Todo o território em geral e mais de três léguas do mar para o interior, são areias finas, soltas e movediças formando dunas, montes, vales de diferentes aspetos que os violentíssimos ventos do sudoeste continuamente removem, dando-lhes a aparência de incessante ondulação.


Capello e Ivens partiram, deserto fora, em direção à fazenda de S. Bento do Sul onde chegaram, fatigados, depois de caminharem durante 17 horas pelo leito do Coroca, onde não se via gota de água.
Pediram ao soba local que lhes cedesse carregadores para transportarem alimento até ao Cunene. O soba recusou. Não sabia de ninguém que tivesse chegado lá e voltasse. Iriam todos morrer.


Mesmo sem os reforços pretendidos, Capello e Ivens seguiram rio acima.
No dia seguinte, os carregadores fugiram, depois de saquearem a bagagem que transportavam. Os exploradores percorreram em 25 horas as 54 milhas que iam do último acampamento até Moçâmedes, onde foram hospitaleiramente acolhidos pelo governador.
No dia seguinte, apareceu o primeiro grupo de fugitivos. Naquelas paragens inóspitas, não havia muito para onde ir. Os oficiais da Armada acabaram por recuperar metade dos carregadores da expedição.
Regressaram a S. Bento e seguiram o curso do Coroca durante seis dias. Trata-se de um rio torrencial, que só existe de facto quando chove nas vertentes da serra da Chela. Não podia ter ligação com o Cunene, que fica mais para sul.
A exploração foi interrompida por uma cheia repentina do rio. Lá voltaram a S. Bento e depois a Moçâmedes. Reuniram os elementos dispersos da expedição e prepararam nova partida.


Referências:
De Angola à Conta-Costa, de Capello e Ivens.
Annaes do Conselho Ultramarino: baía e Porto de Pinda, Mossãmedes, por Marcelino Kudzki. Retirado do blogue Mossâmedes do antigamente.
Fotografias: 
Blogue Mossâmedes do antigamente
  

quarta-feira, 16 de novembro de 2011


 LUANDA EM 1884

Vista por Hermenegildo Capello e Roberto Ivens

É ao fundo de formosa baía que está edificada a cidade de Luanda; dividida em dois bairros distintos, respetivamente denominados alto e baixo; sendo o primeiro o bairro mais elegante e onde se acham os edifícios mais importantes, e o segundo aquele propriamente comercial.


Defendem-na ao presente quatro fortalezas, que se denominam S. Miguel, S. Francisco do Penedo, S. Pedro do Morro de Cassandama e Nossa Senhora da Conceição. A primeira, construída pelo sistema Vauban, com a forma de um polígono irregular, adaptada à configuração do morro de S. Miguel, é de todas a mais importante.


Luanda é uma cidade ampla, limpa e pitoresca. Graciosamente reclinada na encosta das terras que miram ao noroeste, ostenta, quando vista do lado do mar, o aspeto de uma cidade europeia, com os seus renques de asseadas e bem dispostas casarias, que, sobrepondo-se garridas uma à outras, se ligam por extensas calçadas.


Possui muitos edifícios e seria longo aqui enumerar todos. Citaremos, entre os principais, o hospital perto da Ponta Negra, verdadeiro sanatorium, que não tem igual em África; o palácio do governador, obra importante; o palácio do bispo, a escola de artes e ofícios, o tribunal da relação, a casa da Câmara, a alfândega, oficinas de fundição, sem contar muitos templos e grande número de edifícios particulares.


Existem vários jardins públicos entre os quais figura o da Ponta da Isabel, com quinhentas árvores de fruto, dividido em cinco avenidas. Ali perto estão a casa de recreio do governador e a igreja da Nazaré.


Nas terras altas, que pelo nordeste a dominam, são numerosas as casas de campo denominadas muceques onde os abastados de Luanda passam em ócio os seus dias de férias.
A cidade alta é indubitavelmente considerada a mais saudável e onde reside uma grande parte da população branca.
A vegetação é constituída por eufórbias, embondeiros e aloés.
Completamente livre de pântanos, que tanto concorrem, como é sabido, para a insalubridade de qualquer região, Luanda sofre um pouco de falta de água, problemas que não seria difícil de resolver, e está mesmo em via de solução, fazendo-se o seu abastecimento de água no rio Bengo.
As ruas são bem calçadas, mas depois de terminarem as chuvas é necessário desobstruí-las das areias que se acumulam em consequência da desagregação nas encostas das terras altas. Dá este facto lugar a que o recém-chegado naquela época suponha não calçada a cidade baixa, sendo este um defeito irremediável até agora.
Fronteira à cidade está a ilha, espécie de quebra-mar de areia que, estirando-se do sul ao norte, abriga dos movimentos do oceano o porto interior, que se pode considerar um verdadeiro tanque.
A capital da província de Angola tem hoje uma polução de dezasseis mil almas, um movimento de importação e de exportação de vulto e um rendimento para o tesouro assaz considerável.

Referências:
Texto adaptado de "De Angola à Contra-costa", de Capello e Ivens.
Imagens: 
"Os Portugueses em Angola", de Gastão Sousa Dias. A gravura com a vista geral da cidade foi recolhida na Internet.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011


         

 INTELIGENTE É QUEM CONCORDA CONNOSCO…


 O nosso egocentrismo leva-nos a valorizar opiniões concordantes com a nossa e a considerar estúpidos os que pensam de maneira diferente.
   Como eu não fujo à regra, transcrevo com agrado um artigo do jornal Público de ontem. Transpõe para Espanha o essencial das posições que defendi neste blogue a 1 de Outubro passado.













terça-feira, 8 de novembro de 2011


                        ÁFRICA A PÉ
       
         DE ANGOLA À CONTRACOSTA  

                        OS ANTECEDENTES

Foi Domingos Abreu de Brito quem, em 1592, primeiro traçou um plano bem delineado para ligar as duas costas, sugerindo a construção de uma série de postos militares a partir de Angola.


As tentativas de ir por terra de Angola e Moçambique foram-se sucedendo durante os séculos XVII, XVIII e XIX. Vou mencionar apenas algumas.
Em 1606, D. Manuel Pereira Forjaz, governador de Angola, encarregou Baltazar Rebelo de Aragão de encontrar um caminho para a contracosta. Aragão terá penetrado no interior 80 léguas a contar da fronteira de Angola e alcançou um grande lago, que devia ser o Niassa. Tendo-lhe chegado a notícia de que o rei de Angola atacara a fortaleza de Cambambe, Baltazar Rebelo de Aragão voltou para trás para socorrer os portugueses sitiados. Não se sabe quanto demorou a informação a alcançá-lo nem se entende como foi capaz de regressar em tempo útil.



Por volta de 1765, o governador geral Sousa Coutinho interessou-se pela ligação por terra entre Angola e Moçambique. Alguns escravos trazidos do interior diziam que a travessia não só era possível como até relativamente fácil
Em 1808, Honorato da Costa, tenente-coronel estabelecido em Cassange, organizou uma expedição bem apetrechada e encarregou dois dos seus pombeiros mais hábeis, Pedro Baptista e Amaro José de alcançarem Tete. Os exploradores saíram de Cassange em Novembro de 1802. Estiveram retidos durante três anos nas terras de de Mussico e depois mais quatro nos domínios de Cazembe. Os pombeiros não desistiram e chegaram ao seu destino a 2 de Fevereiro de 1811. A expedição gastou 9 anos no caminho. No dizer de Capello e Ivens, os exploradores “tinham partido novos, chegavam ali já encanecidos”. Tomaram o caminho de regresso em Maio de 1811 e chegaram a Luanda em 1815. Tinham completado a primeira travessia do continente africano de costa a costa, com ida e regresso. A falta de instrução dos pombeiros não permitiu que à dimensão humana do empreendimento se aliassem os resultados científicos.



Em 1831, Correia Monteiro e António Pedroso Gamito viajaram do Zambeze à Lunda de Cazembe e regressaram a Tete.



Em 1852, Silva Porto, comerciante estabelecido no Bié, organizou uma importante expedição que se dirigiu para o Genji e depois para o Alto Zambeze. O sertanejo deteve-se aí, mas enviou um grupo de gente sua com a missão de levar a Moçambique dois ofícios do governo geral de Angola. Os pombeiros atingiram Ibo com sucesso, depois de darem muitas voltas. Silva Porto descreveu a proeza em “Uma viagem à contracosta”.



Referências:
De Angola à Contra-Costa, H.Capello e R. Ivens, Imprensa Nacional, Lisboa, 1886.
Do Cabo de Stª Catarina à Serra Parda, Carlos Alberto Garcia, Edições CITA, 1971.
Os portugueses em Angola. Gastão Sousa Dias, Agência Geral do Ultramar, 1959.

Imagens: Internet.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011



                         GREGÓRIO DA QUADRA

O Congo era considerado a porta de entrada para a Etiópia, reino do Preste João, eventual aliado da cristandade na luta contra o Islão.



Por volta de 1520, D. Manuel I incumbiu Gregório da Quadra da missão de ligar, por terra, os reinos do Congo e da Abissínia. Parece tolice a quem olhar, nos dias de hoje, um mapa de África, mas o conhecimento da geografia mundial foi um processo lento e progressivo.



Gregório tinha um curriculum invulgar. Antigo capitão de caravelas, viajante pela Pérsia e pelas margens do Mar Vermelho, foi aprisionado e feito escravo em Aden. Escapou-se e, por sorte e intrepidez, pôde alcançar Ormuz. Aprendeu a língua árabe nas caravanas de camelos e aperfeiçoou-a nos calabouços de Aden. Converteu-se ao Islão: em Roma, sê romano! Era um muçulmano-novo.  A crença no Corão, perdeu-a ao retomar a liberdade.



Foi enviado para Pinda. Esse nome é comum em África. Existem Pindas em Angola, junto a Porto Alexandre, na África do Sul, no Gana e em Moçambique. Julgo que a Pinda de Gregório da Quadra é uma povoação situada um pouco a sul da foz do rio Zaire, perto de Conde, Soyo e Porto Rico.
O rei do Congo, D. Afonso, não se mostrou colaborante e Gregório da Quadra acabou por regressar a Portugal.  «… enfadado dos trabalhos do mundo, se meteo frade na Ordem de S. Francisco dos Capuchos descalços, õde acabou sua vida…»


Referências:
Do Cabo de Stª Catarina à Serra Parda. Carlos Alberto Garcia. Edições CITA, 1971.
De Angola à Contra Costa, Capello e Ivens, Imprensa Nacional, Lisboa, 1886.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011


                                          ÁFRICA A PÉ

                                    PÊRO DA COVILHÃ

Pêro da Covilhã desempenhou um papel importante na preparação da viagem de Vasco da Gama à Índia. Conhecia diversas línguas e era fluente em árabe. 
      Em 1487, juntamente com Afonso de Paiva, viajou por terra de Santarém a Barcelona. Ali, os dois aventureiros embarcaram para Nápoles e depois para Rodes. Deixaram então terras cristãs e seguiram para Alexandria.
Chegaram ao Cairo e juntaram-se a uma caravana que percorreu o deserto da costa Leste do Mar Vermelho. Visitaram Meca, onde rezaram, como bons muçulmanos que deviam parecer. Chegaram a Aden no começo de 1488 e separaram-se. Nenhum deles regressaria a Portugal.


Afonso de Paiva dirigiu-se à Etiópia. 
Pêro da Covilhã fez um percurso notável. Atravessou o Oceano Índico e chegou a Calecute, um pequeno reino da Índia, em Novembro de 1488. Empenhou-se em conhecer o percurso das especiarias e visitou Cananor e Goa. Navegou dali até Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico.
Em Dezembro de 1489, Pêro embarcou para Sul. Passou por Melinde, cidade do Quénia atual, Ilha de Moçambique e Sofala. Ficou a saber que, depois de dobrar o extremo Sul da África e atingida Sofala ou Melinde, seria fácil navegar até Calecute.
No final de Janeiro de 1491, Pêro da Covilhã chega às portas da cidadela do Cairo, onde combinara encontrar-se com Afonso de Paiva. O companheiro faltou. Julga-se que terá alcançado a Etiópia. Morreu de peste e não pôde dar notícias da viagem.
Pêro encontrou no Cairo judeus portugueses e enviou um relatório para o rei. Vasco da Gama pôde então atravessar o Oceano Índico, de Melinde para Calecute.
O aventureiro da Covilhã regressou a Aden. Dali embarcou para Zeila, na costa da Etiópia. Terminou ali um sonho português. O mítico Preste João era senhor de um reino pobre que resistia com dificuldade aos muçulmanos que o rodeavam. De pouco serviria na empresa conta os turcos.
Pero da Covilhã terá sido impedido de sair do reino. Não é certo que assim tenha sucedido. Deu-se bem na Abissínia. Foi acarinhado pela família real. Casou mais do que uma vez. Morreu velho e deixou numerosa descendência.
Para além de judeus e navegadores, havia também frades portugueses aventureiros. Dois alcançaram a corte da Etiópia. No regresso a Lisboa, acompanharam o embaixador Mateus, enviado por sugestão de Pêro da Covilhã, já conselheiro régio da rainha Helena.
Em 1521, Pêro da Covilhã foi visitado pelo embaixador D. Rodrigo de Lima. Tinha mais de setenta anos, o que parecia muito para a época e para a agitação da sua vida. Não se sabe quando morreu.
O relato das suas viagens chegou a Lisboa, enviado pelo autor. O livro As Verdadeiras informações das Terras do Preste João das Índias foi publicado em Lisboa, no ano de 1540.

terça-feira, 18 de outubro de 2011



                                             A ÁFRICA A PÉ

Há livros que nos chamam. Tinha esquecido na estante um volume bastante maltratado que o meu amigo Carlos Nunes Pinto, da Bibala, me emprestara há quase um ano. Ontem, saltou para as minhas mãos. Já o não devolvo tão cedo. Data de 1886 e foi editado pela Imprensa Nacional, em Lisboa. Chama-se “De Angola à Contra Costa” e foi escrito a meias por Hermenegildo Capello e Roberto Ivens, “Officiaes da Armada Real Portuguesa” que, nos finais do século XIX, atravessaram a pé o continente africano, de Angola a Moçambique. A edição apoia-se em mapas bem desenhados e é ilustrada com dezenas de gravuras.
Por essa altura, boa parte do continente africano era mal conhecida. Entre 1870 e 1890, alguns países europeus deitaram olhares cobiçosos ao continente negro. Queriam garantir o fornecimento de matérias-primas e conseguir mercados para a produção industrial. Estas ambições contrariavam os direitos que Portugal julgava seus, por prioridade nas descobertas. Em 1885, a Conferência de Berlim instituiu o princípio da ocupação efectiva dos territórios como fonte de soberania. A instâncias da Sociedade de Geografia, o governo português, pela mão do notável ministro Manuel Pinheiro Chagas, poeta prometedor na sua juventude, promoveu nova expedição ao interior do continente africano.


Hermenegildo Capello e Roberto Ivens foram escolhidos para desempenar esta árdua tarefa devido à experiência que Já detinham em viagens semelhantes. Em 1877, tinham partido de Benguela, juntamente com o major Alexandre Serpa Pinto. Tinham por missão estudar as relações hidrográficas entre as bacias dos rios Zaire e Zambeze e as regiões entre Angola e Moçambique. Desentenderam-se, o que não admira, pois a dureza do percurso punha à prova os nervos melhor temperados. Separaram-se no Bié. O major Serpa Pinto dirigiu-se para Leste, atingiu o curso do Zambeze e atravessou o continente africano até Durban, onde chegou em 1879. No regresso, escreveu o livro “Como eu atravessei África”. 


Os dois oficiais da Armada obedeceram ao plano original e dirigiram-se para o Quióco, à procura da nascente do Cuango. Seguiram o curso deste rio até Iacca, antes de regressarem a Luanda. Deram fé da sua viagem na publicação intitula-a “De Benguela à terra de Iacca”.
A leitura do livro” De Angola à Contra Costa” serviu de pretexto para uma série de pequenos artigos que irei publicando neste blogue ao longo das próximas semanas. Irá chamar-se A ÁFRICA A PÉ. É que os portugueses não foram pioneiros apenas no descobrimento de rotas marítimas. O primeiro explorador europeu do continente africano foi João Fernandes, em 1445. Mais de 300 anos antes de Livingstone e de Stanley, já Pêro da Covilhã se instalara na Etiópia e D. Manuel I encarregara Gregório da Quadra de explorar o curso do rio Zaire e o Reino do Congo, buscando o caminho que haveria de levar ao centro do continente africano.


quarta-feira, 12 de outubro de 2011



                                                MÁSCARAS  (III)

    Apenas uma das minhas máscaras tem registada a origem e a data da aquisição. É uma máscara mukishi KATOYO, com barrete de pele de macaco. Foi recolhida em 1970 na aldeia Samucambo, próximo do rio Luele, na Lunda pelo tio do meu amigo António Machado que teve a gentileza de ma oferecer.


    Todas as outras foram identificadas (com alguma margem de erro) por aproximação a fotografias de livros de arte africana. Mostro aqui alguns exemplares. Julgo que, na maioria dos casos, se trata de cópias.
     Uma das minhas máscaras Dan poderá ser autêntica e talvez tenha sido “dançada”. A beleza da face de mulher, os olhos em fenda, os malares proeminentes e a ausência de orelhas são características das máscaras da tribo Dan, que vive em regiões contíguas da Libéria, da Guiné e da Costa do Marfim.


     Máscara MUKINKA. 
     As máscaras Asalampasu, do Kasai, são caracterizadas pela fonte bombeada e pelo revestimento da madeira com lamelas de cobre. 


     Máscara feminina KIFWEBE, Songye, República Democrática do Congo.


     Os escudos SONGYE, com traços semelhantes, decoram a a cubata onde são conservadas as máscaras da sociedade KIFWEBE.


     Máscara-elmo em Janus. Fang. Gabão/ Giné Equatorial/ Camarões  


     Máscara de dança NGIL, Fang, Gabão, Camarões do Sul, Guiné Equatorial.
     As máscaras Ngil caracterizam-se pelos rostos alongados, com o branco a preponderar na pintura.


     Máscara BAMILEKE, Grassland, Camarões.


     Máscara AUÉ – rosto feminino, cornos a sugerir um búfalo, bico de ave a tocar a testa. Yauré, Benu, Costa do Marfim. 
      Usada pelos membros masculinos da sociedade DIÉ.


     Máscara BAKWELE, Gabão. 
     Olhos oblíquos, ausência de boca, rosto em forma de coração, duplicação de formas.


    Máscara de circuncisão MBAGANI. República Democrática do Congo.
    Caracteriza-se pelas grandes órbitas e pelo queixo pontiagudo, prognático.


     Tenho mais algumas dezenas de máscaras sobre as quais desconheço quase tudo. Aos poucos, lá vou conseguindo uma ou outra informação.



quinta-feira, 6 de outubro de 2011


                                 
                            REGRESSO AO LUBANGO


Já falei aqui do meu regresso a Angola. Após uma ausência de 47 anos, voltei ao Lubango.
Ao passar pelo Picadeiro, domingo de manhã, um negro bem vestido achou-me com ar de turista e proclamou:
Angola é bela!
Não respondi. Sabia disso quatro dezenas de anos antes de ele ter nascido.
A minha mulher é de Benguela e aproveitou a nossa deslocação para tratar da dupla nacionalidade. A cidadania angolana tem pouco interesse prático para nós e para as nossas filhas, mas poderá ser útil para os netos. Ninguém sabe como vai ser o amanhã e é sempre bom ter portas abertas. O processo burocrático, embora agilizado pela gentileza do Conservador do Registo Civil de Benguela, consumiu algum tempo. Acabei por passar apenas um dia na cidade angolana que me interessa mais.


Fiquei, assim, à porta do meu Liceu, que agora é Universidade. Não sei se me deixariam entrar, se fosse dia útil. Tinha pensado oferecer à Biblioteca exemplares dos dez livros que já publiquei. Os meus amigos dissuadiram-me. Títulos como “Retornados” ou “Colonos”, ainda despertam muitos anticorpos na sociedade angolana.
Vi de fora a Escola Primária nº 60, que frequentei da primeira à quarta classe. As instalações não são as do meu tempo. Quando estive em Sá da Bandeira, em 1964, já existia o edifício novo. Lembro-me de ter ficado triste com o progresso. Vivi, pela primeira vez, a frustração de não poder sobrepor as recordações à realidade.  
Tão pouco entrei no Parque Infantil. Quando eu era miúdo, havia lá um campo de terra batida onde jogávamos à bola, com balizas improvisadas. Lembro-me do Rio, um mulato baixinho que varria o lado direito da defesa com vigorosos pontapés para diante. Finda a instrução primária, não o voltei a ver. Anos mais tarde, soube que uma prostituta que frequentava o nosso bairro era irmã dele. Julgo que foi a primeira vez que me confrontei dolorosamente com a noção de extremas desigualdades sociais entre colegas da mesma escola.
Acima do campo de futebol, ficava uma bela mata onde abundavam os tchiriquatas. Dediquei centenas das horas verdes da minha vida a persegui-los, de tchifuta (fisga) na mão. Raras vezes acertava. Terá sido por essa altura que comecei a aprender a perder. É um saber que dá jeito a toda a gente, e mais a um adepto do Vitória de Setúbal.
Não entrei nas casas onde, em tempos, morei. Não fui ao cemitério da Mitcha procurar a campa de meu pai, nem fui à Maxiqueira. Não fui ver o Colégio Paula Frassinetti, onde íamos fazer serenatas às miúdas das madres.  Não visitei a Humpata, a Huíla, o Tchivinguiro, nem a Chibia. Não fui espreitar a Leba, o Bimbe nem a Hunguéria.
Foram mais as coisas que não vi do que as que pude visitar.
Hei de voltar!