A MORTE DE MARTIN LUTHER KING
Martin Luther King Jr. recebeu inicialmente
o nome de Michael King Jr. Nasceu em Atlanta, na Geórgia, a 15 de janeiro de
1929. Era filho e neto de pastores protestantes.
Ele e os irmãos cresceram a ler a Bíblia. O
pai era um homem duro e recorria ao chicote para disciplinar as crianças.
Em agosto de 1934, no regresso duma viagem
pela Europa, o pai de Michael mudou, duma assentada, o próprio nome e o do
filho. Passaram a chamar-se Martin Luther King, respetivamente sénior e júnior.
A certidão de nascimento do filho seria modificada anos mais tarde.
O miúdo King tinha um amigo branco. Aos
seis anos, o puto ingressou numa escola para negros, enquanto o seu amigo era
admitida numa escola exclusiva de brancos. Por essa altura, os pais do outro
menino proibiram-no de brincar com ele. “Nós somos brancos e tu negro!” –
proclamaram. King encheu-se de ódio. Seus pais procuraram convencê-lo de que
ele, como cristão, devia amar todos os seus semelhantes, independentemente das
suas raças. Seria preciso ser santo para aceitar essas ideias.
Enquanto crescia, King ia dando mais conta da
discriminação a que estavam sujeitos os negros americanos. Habituou-se a
lidar com ela.
Começou muito cedo a frequentar a igreja,
acompanhando sua mãe. Mostrou jeito para cantar hinos e aprendeu a tocar piano.
Interessava-se por alargar o vocabulário, mas não dava grande importância à gramática.
Ocasionalmente batia-se com miúdos do seu bairro, mas parece ter aprendido cedo
a usar o poder de persuasão para evitar conflitos.
Quando o menino ia nos sete anos,
acompanhou o pai, Reverendo Martin Luther King Sr., que liderou uma marcha
civil até à prefeitura de Atlanta, para protestar contra a discriminação no
acesso ao direito de voto.
Poucos anos mais tarde, King escapou-se
das obrigações escolares para assistir a um desfile. De volta a casa, soube que
a avó materna, por quem tinha grande estima, sofrera um ataque do coração e
morrera a caminho do hospital. O moço sentiu-se culpado por aquela morte e
atirou-se do segundo andar da sua casa, com a intenção de morrer. Deus pôs-lhe
a mão por baixo, como faz tantas vezes às crianças e aos borrachos e o jovem
escapou com danos físicos limitados. Era a segunda vez que tentava o suicídio.
Na adolescência, foi sujeito, como os
amigos e vizinhos da sua cor, às humilhações raciais que faziam parte da
cultura branca dos estados do sul. Ganhou dinheiro para as suas pequenas
despesas a entregar o Atlanta Journal.
Durante esse período, confrontou-se com
dúvidas sobre muitos relatos bíblicos e pôs em causa o seu relacionamento com a
religião.
Entrou cedo para a Booker T. Washington
High School, um dos poucos colégios para negros existentes na cidade. Fora
fundado por pressão de líderes negros locais, entre os quais se incluía o seu
avô Williams King. Michael deu nas vistas de colegas e professores pela sua
eloquência e venceu um concurso de oratória.
Quando ainda frequentava o primeiro ano da Booker
T. Washington, teve conhecimento de que a Morehouse College, uma universidade
negra prestigiada, aceitava qualquer estudante que passasse no exame de
admissão. Era o tempo da II Grande Guerra e muitos jovens tinham abandonado os
estudos para se alistarem no exército. Com quinze anos, King Jr. passou no
teste e entrou para a faculdade. Estudou lá durante três anos.
Aos dezoito anos, quando lhe faltava um ano
para completar o curso, resolveu fazer-se pastor, à semelhança de seu pai e de
um dos seus avós. Prosseguiu os estudos e graduou-se em Sociologia, no ano
seguinte.
Entrou depois para o Crozer Theological
Seminary em Chester, na Pensilvânia.
No terceiro ano do seminário, teve um
relacionamento sério com uma moça branca e pensou em casar com ela. Os amigos e a
família manifestaram-se contra essa união. Um casamento inter-racial poderia
levantar problemas com brancos e negros e impediria que se tornasse pastor numa
das igrejas do sul do país. Martin Luther King pôs fim ao namoro alguns meses
mais tarde. Parece nunca ter esquecido de todo essa mulher.
Em
1951, graduou-se em “Divindade” e começou a preparar o doutoramento em Teologia
Sistemática na Universidade de Boston. Durante esse tempo, trabalhou como
pastor auxiliar na Twelfth Baptist Church de Boston.
Antes
de completar o doutoramento, casou-se com Coretta Scott. O casal teria 4
filhos. O marido procurou manter a esposa afastada da luta pelos direitos
cívicos.
Em
1954, King Jr. tinha 25 anos e foi nomeado pastor em Montgmomery, Alabama. Prosseguiu os estudos e conseguiu o doutoramento com a tese “Uma comparação dos conceitos de Deus nos
pensamentos de Paul Tillich e Henry Nelson Wieman”.
No melhor pano cai a nódoa: verificou-se que parte do seu trabalho fora plagiado. A Universidade concluiu que, ainda assim,
a dissertação tinha valor e não lhe retirou o doutoramento.
A luta contra a segregação racial apoiou-se algumas vezes em pequenos
incidentes que os ativistas aproveitavam para mobilizar as massas. Em março de
1955, a estudante negra Claudette Colvin recusou ceder o lugar no autocarro a
um homem branco, violando as leis estaduais. A comissão da comunidade
afro-americana de Birmingham, de que Luther King Jr. fazia parte, analisou o
caso e resolveu não o valorizar por estar envolvida uma menor no incidente.
Ainda nesse ano, a negra Rosa Parks foi presa por recusar levantar-se do banco
do autocarro para que um branco se sentasse.
King
liderou o boicote aos autocarros de Montgomery. O protesto cívico arrastou-se
por um ano inteiro e fez de Martin Luther King uma figura nacional. O boicote
terminou com uma decisão judicial que proibiu a segregação racial nos
autocarros da cidade. Teve custos para King: viu a sua casa atacada à bomba e
chegou a estar preso.
O
sucesso obtido contribuiu para que se tornasse, dois anos mais tarde, o primeiro
presidente da SCLC (Conferência da Liderança Cristã do Sul). A organização inspirou-se
nas iniciativas do evangelista Billy Graham e foi criada para coordenar os
esforços das igrejas negras na condução de protestos não violentos contra o
racismo e na defesa dos direitos cívicos. King iria liderar a SCLC até morrer.
Em setembro de 1958, MLKing foi objeto de
uma tentativa de assassinato, enquanto autografava exemplares de um livro seu, num estabelecimento comercial. Uma mulher esfaqueou-o e King teve de ser operado
de urgência. A agressora era uma negra louca que sofria de ideias delirantes.
No ano seguinte, Martin Luther King
publicou um pequeno livro a que deu o nome “The measure of a man”. Integrava
sermões seus que refletiam sobre a falta que Deus fazia ao homem e criticavam as
injustiças da sociedade ocidental.
O FBI fez o que pôde para desacreditar os
ativistas dos direitos cívicos e o próprio King, acusando-os de contactos com
organizações comunistas. Na altura, quem superintendia ao F.B.I. era o irmão de
John Kennedy, Robert, o procurador-geral dos E.U.A.
Martin Luther King e os seus companheiros
programaram uma série de protestos não violentos contra a segregação racial nos
estados do sul dos Estados Unidos, baseada na famigerada lei de Jim Crow.
Contavam com a cobertura dos jornais e das televisões e obtiveram-na.
Pretendiam, para os negros, a igualdade e o direito ao voto.
Os media envolveram-se no processo de procura
de justiça social, denunciando as arbitrariedades e injustiças a que eram
diariamente sujeitos os cidadãos negros do sul do país e transformaram a
questão dos direitos cívicos no problema mais importante da nação, no começo da
década de 60.
King e a SCLC adotaram as normas da chamada
“esquerda cristã” e organizaram uma série de manifestações não violentas contra
a segregação racial e a favor do direito a voto e dos direitos de trabalho.
Bons estrategas, escolheram criteriosamente os locais para as suas ações de
massa. Ocasionalmente, as reações dos segregacionistas mostraram-se violentas.
Em 1961 foi organizada em Albany, na
Geórgia, uma coligação a que se associou a SCLC. O movimento propunha-se
combater de forma não violenta a segregação racial na cidade e mobilizou
milhares de cidadãos. Os protestos atingiram visibilidade nacional e terminaram
com um acordo que as autoridades mais tarde desrespeitaram.
King voltou a Albany no ano seguinte e foi
preso. Não era situação a que estivesse pouco habituado. Entre pagar uma fiança
modesta e ficar atrás das grades, escolheu a prisão. Três dias depois foi
libertado discretamente. Os seus amigos pagaram a fiança.
Sem grandes resultados práticos, o
movimento de Albany acabou por esmorecer. Martin Luther King foi parcialmente
responsabilizado pelo fracasso e procurou aprender com a lição.
Em 1962, ML King e a Gandhi Society
dirigiram ao presidente Kennedy uma mensagem que o exortava a seguir as pegadas
de Abraham Lincoln e a assinar uma “Segunda Proclamação de Emancipação” que
garantisse direitos civis para todos os americanos. JF Kennedy não deu
seguimento ao pedido.
Na primavera de 1963, a Conferência da
Liderança Cristã do Sul promoveu uma campanha contra a segregação racial e as
más condições económicas dos negros de Birmingham, no Alabama. Os protestos foram organizados de forma um tanto mais agressiva. Os manifestantes negros
ocuparam espaços públicos e resistiram sentados às intervenções policiais. A
iniciativa teve apenas um sucesso parcial, sem alcançar a almejada projeção nos
media. O recurso à mobilização de crianças e adolescentes foi utilizado para
dinamizar o movimento reivindicativo. Numa ou noutra ocasião, o processo deixou
de ser pacífico e houve grupos de manifestantes que atacaram as forças
policiais.
O Departamento de Polícia da cidade recorreu
a jatos de água de grande pressão para dispersar os manifestantes e lançou cães
contra os que protestavam, sem excluir crianças. A mal calculada resposta
policial serviu os interesses dos organizadores da manifestação, pois o uso
exagerado de força foi testemunhado pelos canais nacionais de televisão, que
despertaram a atenção de muitos cidadãos brancos para os problemas dos
afro-americanos.
King fora preso no começo da campanha. Era
a sua décima terceira detenção. Alcançaria um recorde de 29. Nos calabouços,
redigiu a Carta da Cadeia de Birmingham, que se tornaria famosa. Tratava-se de
uma resposta a outra carta assinada por oito pastores brancos locais que
sugeriam que a luta pelas mudanças sociais deveria privilegiar meios legais. King argumentou com a urgência da situação e a
esclerose do sistema. Nós sabemos através de experiências dolorosas que a
liberdade nunca é voluntariamente oferecida pelo opressor; precisa ser exigida
pelo oprimido.
A SCLC, chefiada por King, colaborou com
outras organizações que lutavam pelos direitos cívicos na preparação da Marcha
sobre Washington por Trabalho e Liberdade que teve lugar a 28 de agosto de
1963. O principal estratega da marcha foi Bayard Rustin, homossexual assumido,
apoiante do socialismo democrático e com um passado de ligação ao Partido
Comunista Americano. Diversos aliados e seguidores de MLKing sugeriram-lhe que
se distanciasse de Rustin. King acedeu parcialmente, sem deixar de participar
na Marcha.
Os meandros da política são muitas vezes
complexos. Os organizadores da Marcha pretendiam chamar a atenção dos americanos
para a situação dramática dos negros no sul dos E.U.A., apresentando as suas
razões de queixa no Memorial de Lincoln, na capital da nação. Era intenção dos
líderes negros associados criticar o governo federal por estar a ser incapaz de
assegurar os direitos cívicos de uma parte considerável dos cidadãos
americanos. Kennedy mandou contactar os organizadores, no sentido de moderar o
conteúdo e a forma das manifestações. O grupo escutou o apelo do presidente, o
que levou alguns ativistas mais radicais, como Malcolm X, a apelidar o evento de
“Farsa de Washington” e a proibir os membros da sua organização de participarem
nela.
O sucesso da Marcha passara a ser do
interesse do governo americano. Algumas instituições ligadas ao Partido
Democrático apelaram aos seus membros para se associarem à manifestação.
Os organizadores acordaram em propostas bem
definidas que incluíam uma legislação que impedisse a discriminação racial nos
empregos, o controlo da violência policial, e um salário mínimo de dois dólares
por hora.
A Marcha teve um sucesso memorável. Com o
desfile de um quarto de milhão de pessoas de cores diferentes, constituiu a
maior manifestação registada em Washington até àquela data.
O discurso proferido por Martin Luther King
ficou para a história. O autor chamou-lhe “Eu tenho um sonho”. King falou durante pouco mais de um quarto
de hora.
Embora enfrentemos dificuldades, eu tenho
um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu tenho um sonho. Um dia, nas colinas
vermelhas da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos
descendentes dos donos dos escravos poderão sentar-se juntos à mesa da
fraternidade.
Um dia, até mesmo o estado do Mississipi,
que transpira com o calor da injustiça e da opressão, será transformado num
oásis de liberdade e de justiça.
Eu tenho um sonho. Nele, os meus pequenos
filhos irão viver um dia numa nação em que não serão julgadas pela cor da pele,
mas pelo seu caráter.
Eu tenho um sonho hoje!
Uma parte da sociedade americana ia-se
mostrando sensível à necessidade de mudanças numa nação em que coexistiam
claramente cidadãos de primeira e de segunda classe. A consequência foi a
promulgação de diplomas legislativos importantes, como a Lei dos Direitos Civis
de 1964 e a Lei dos Direitos de Voto de 1965.
Os movimentos que defendiam a causa dos
negros americanos nunca foram homogéneos e adotaram táticas diferentes.
Martin Luther King não escapou a críticas.
Foi acusado de se opor, ou pelo menos de não apoiar, organizações negras mais
radicais como a “Nação do Islão” e o seu líder Malcolm X. Houve quem
considerasse que King perdera de vista as raízes do movimento de emancipação
dos negros.
J. Edgar Hoover, diretor do FBI,
considerava King um radical e fez o que pôde para o desacreditar. Os seus
agentes acusaram-no de ligações comunistas e ameaçaram divulgar as suas
alegadas infidelidades conjugais. Chegaram ao ponto de lhe enviar cartas
anónimas ameaçadoras.
Hoover obteve autorização do procurador
geral Robert Kennedy para colocar sob escuta os telefones de King. O pretexto
foi o seu relacionamento com Stanley Levison, um advogado de Nova Iorque com
alegadas ligações ao Partido Comunista dos Estados Unidos.
Numa palestra proferida em Nova Iorque em
1964, King referiu uma conversa tida com Jawaharlal Nehru, em que o dirigente
indiano comparava a situação de muitos afro-americanos à dos intocáveis, a
casta mais despojada de direitos na Índia.
Em outubro de 1964, o movimento dos
direitos cívicos recebeu um alento especial com a atribuição do Prémio Nobel da
Paz a Martin Luther King, por combater o racismo nos E.U.A. por meios
não-violentos.
No ano seguinte, King apoiou as marchas de
Selma a Montgomery. O objetivo era caminhar durante 85 quilómetros, por
estrada, desde Selma até à capital do estado do Alabama.
A primeira tentativa ocorreu a 7 de março e
foi interrompida pelas autoridades. Os manifestantes foram atacados com
cassetetes e gás lacrimogéneo. As imagens da brutalidade policial foram
transmitidas pelas televisões, despertando uma indignação generalizada.
A segunda marcha teve lugar dias depois. Os
polícias deixaram passar os manifestantes, liderados por MLKing, que pediu aos
seus apoiantes para dispersarem, para não desrespeitarem as ordens do tribunal. A atitude de King deixou muita gente irritada.
A 16 de março, os manifestantes insistiram.
Cerca de dois mil soldados do Exército Americano e outros tantos membros da
Guarda Nacional do Alabama escoltaram os manifestantes, que chegaram ao
Capitólio do Estado do Alabama nove dias depois. MLKing fez ali um discurso, a
que chamou How long, not long. A
atribuição de direitos iguais para os afro-americanos não poderia estar
distante.
Ainda nesse ano (1965), foi aprovada a Lei dos
Direitos ao Voto, um marco histórico na luta dos negros americanos
contra a discriminação.
Em 1966, King e alguns dos seus
colaboradores tentaram exportar para o norte o movimento dos direitos cívicos e
instalaram-se em Chicago. A reação popular às marchas organizadas foi negativa.
Os manifestantes foram recebidos com apupos e lançamento de garrafas. King
chegou a ser atingido superficialmente por um tijolo.
MLKing e outros responsáveis pelas
manifestações consideraram não estarem reunidas as condições para a continuação
dos protestos e acordaram com o Mayor de Chicago a retirada. A representá-los
ficou o jovem seminarista Jesse Jackson, que acabaria por se tornar bem
conhecido.
Martin Luther King opunha-se, há muito, à
guerra do Vietname. Durante algum tempo, evitou abordar o assunto, para não
prejudicar a sua luta pelos direitos cívicos, nem despertar mais antipatia por
parte do presidente Jonhson. A evolução dos factos obrigou-o a assumir uma
posição pública.
Em abril de 1967, na Igreja de Riverside,
em Nova Iorque, proferiu um discurso a que chamou Beyond Vietnam: a time to
break silence. Criticou duramente o papel dos E.U.A. no conflito, chamando-lhes
o maior agente de violência no mundo de então. Acusou o seu país de ocupar um
território estrangeiro como se fosse uma colónia e aliou à guerra a injustiça
económica. Por outro lado, os recursos despendidos na guerra poderiam ajudar a
resolver as dificuldades de muitos americanos. Uma nação que, ano após ano,
continua a gastar mais dinheiro no setor militar que em programas de mudanças
sociais aproxima-se da morte espiritual.
A declaração de King implicou a perda de
diversos apoios para a sua causa, sobretudo entre os setores brancos da
sociedade. A Agência de Segurança Nacional passou a vigiá-lo de perto.
O jornal The Washington Post informou que
King tinha sido convidado a visitar a União Soviética.
Martin Luther King negou sempre qualquer
ligação ao comunismo. Em 1965, afirmou a uma revista que os comunistas no seu
movimento de direitos cívicos eram tantos como os esquimós na Flórida. Hoover
nunca acreditou nele. Após o seu discurso “Eu tenho um sonho”, de agosto de
1963, o FBI passou a considerá-lo “o mais perigoso líder negro do país”.
Em privado, King criticava o capitalismo e
aproximava-se do socialismo democrático. Deve existir uma forma melhor de
distribuição das riquezas. Rejeitava, contudo, o comunismo pela sua
interpretação materialista da história, pouco compatível com a religião.
Um grupo de democratas que se opunha à
guerra do Vietname chegou a propor a MLKing que se candidatasse contra Johnson
na eleição presidencial de 1968. King agradeceu, mas recusou. As probabilidades de sucesso seriam reduzidas. Por outro lado, sentia-se mais
confortável na sua posição de ativista político.
King empenhou-se depois numa campanha
contra a pobreza. Com altos e baixos, com apoios e abandonos, essa foi a
bandeira que ergueu até as balas lhe colherem a vida. Elevara a fasquia e
deixara de se dirigir apenas aos negros, manifestando a sua solidariedade e o
seu empenho para com todos os cidadãos desfavorecidos nos E.U.A.
Com essa finalidade, viajou pelo país e
escreveu mais livros. Pouco tempo antes de morrer, estava empenhado numa nova
manifestação em Washington que seria chamada “Campanha dos Pobres”.
Em meados de março de 1968, funcionários
negros das obras públicas iniciaram uma greve em Memphis, no Tenessee. Para o
mesmo trabalho, negros e brancos eram tratados de forma claramente desigual.
Martin Luther King viajou para Memphis, no
final do mês, com a intenção de apoiar os grevistas em situação difícil. O seu
voo foi adiado por ter ocorrido um alerta de bomba no avião que o iria
transportar.
No dia três de abril, MLKing dirigiu um
comício e falou aos manifestantes. Talvez lhe tivesse passado pela cabeça que
estava a fazer o seu último discurso. Falou das ameaças à sua vida. Que
poderia acontecer, se estivesse a ser perseguido por alguns brancos com a saúde
mental abalada?
Bem, eu não sei o que acontecerá agora. Nós
tivemos de enfrentar alguns dias difíceis. Como qualquer um, eu gostaria de
viver uma vida longa, mas não estou preocupado com isso agora. Eu quero apenas
cumprir o desejo de Deus. Ele permitiu-me ir ao topo da montanha e olhar em
redor. E avistei a terra prometida. Não temo nenhum homem. Meus olhos viram a
glória da vinda do Senhor.
Martin Luther King foi assassinado em
Memphis no dia 4 de abril de 1968. Tinha-se hospedado num motel.
Encontrava-se, de pé, numa varanda, por
volta das seis da tarde, quando foi atingido a tiro. Bastou uma bala par pôr fim
à vida do ativista laureado com o Prémio Nobel da Paz. Os seus companheiros correram à varanda e
pediram socorro. King ainda foi operado, mas morreu pouco depois.
O assassino foi James Earl Ray, um
cadastrado que se evadira em 1967 da Penitenciária do Estado do Missouri, onde
cumpria uma pena de 20 anos de prisão por crimes diversos. Já tinha cometido
atos racistas e acreditava que King era um traidor à pátria e que os movimentos
dos direitos cívicos tinham por fim debilitar politica e economicamente a
América.
Ray alugara um quarto numa pensão que
ficava do outro lado da rua, frente ao hotel e atirou da janela da casa de
banho. Desfechou um único tiro com uma espingarda Remington que abandonou no
local. A arma tinha as suas impressões digitais. Deixou também uma luneta
telescópica. Houve testemunhas que o viram escapar-se da pensão.
Ray dirigiu-se para Altanta, conduzindo
durante onze horas o seu Ford Mustang. Tinha-se instalado naquela cidade algum tempo
antes. A polícia viria a encontrar no seu quarto um mapa em que a
igreja e a residência de Luther King estava rodeados por círculos a lápis colorido.
James Ray recolheu os seus pertences e
viajou para o Canadá. Chegou a Toronto três dias depois e escondeu-se durante
mais de um mês. Entretanto, conseguiu obter um passaporte canadiano com um nome
falso. De Toronto, viajou de avião para Inglaterra, de onde seguiria para
Lisboa, onde se demorou alguns dias, antes de regressar a Londres.
Foi preso a 8 de junho no aeroporto de
Heathrow. Tinham passado dois meses sobre o crime. Ray tencionava dirigir-se a
Bruxelas, antes de seguir para África. Planeava viver em Angola, na Rodésia ou
na África do Sul. No check-in, os funcionários do aeroporto verificaram que o
nome titular do passaporte integrava uma lista sob vigilância da Polícia
Montada canadiana. Quando o revistaram, encontraram-lhe outro passaporte, com
um nome diferente.
As autoridades britânicas extraditaram-no
para os E.U.A.
James Earl Ray foi levado para o Tenessee,
onde foi acusado do assassinato de Martin Luther King. Confessou o crime, para
escapar à possível pena de morte e foi condenado a 99 anos de prisão. Viria a
morrer na cadeia, depois de cumprir 29 anos de pena.
A morte de Martin Luther King causou
consternação nos E.U.A e um pouco em todo o mundo. Ocorreram manifestações e
tumultos em dezenas de cidades americanas. Os grevistas de Memphis viram
satisfeitas as suas reivindicações.
O presidente Lyndon B. Johnson, que chegara
a apelidar King de “pastor hipócrita” declarou 7 de abril como dia de luto
nacional. Não compareceu ao funeral por receio de que a sua presença pudesse
desencadear reações hostis, mas fez-se representar pelo vice-presidente Hubert
Humphrey.
Como é hábito em circunstâncias semelhantes,
fervilharam as teorias da conspiração. James Earl Ray contribuiu para essa
fogueira, ao negar ser culpado, três dias após a confissão.
Os seus advogados alegaram que Ray assumira
a culpa por ter sido ameaçado com a pena de morte, o que parece certo. Até morrer, aos 70 anos, James Earl Ray
procurou fazer anular a sua sentença, de modo a conseguir um novo julgamento.
Os seus defensores proclamaram que ele não
passava de um falso responsável, uma espécie de bode expiatório utilizado para
encobrir os verdadeiros criminosos. No entanto, as suas impressões digitais
estavam na arma do crime e o seu passado, com diversas prisões por assaltos à mão
armada, reforçava pouco as alegações de inocência.
A tese de que Ray não agira sozinho
perdurou por muitos anos e nunca foi totalmente abandonada. Os teóricos da
conspiração apontam o dedo aos agentes secretos do governo americano.
Como no caso do assassinato de JFKennedy,
foi sugerido que haveria mais do que um atirador. Os testes balísticos não
terão sido concludentes. Houve quem garantisse que o tiro não viera da janela
da pensão, mas de arbustos próximos.
Mais de trinta anos após a morte de King, a
sua viúva e os seus filhos processaram Loyd Jowers “e outros co-conspiradores”
e o júri deu-lhes razão. Jowers teria participado numa conspiração contra
Martin Luther King, com o conluio do governo americano. O Departamento de
Justiça dos E.U.A. investigou o assunto e concluiu não haver base para aquela
teoria de conspiração. Uma irmã de Jowers acabou por admitir que ele inventara
a história para a vender a um jornal e que ela participara na farsa para obter
algum dinheiro.
Já em 2002, o pastor
Ronald Denton Wilson declarou que fora o seu pai. Ronald Denton Wilson o matador
do líder negro. A motivação teria sido o suposto comunismo de King. Wilson não
apresentou provas da sua teoria e não foi levado a sério.
Martin Luther King ficou mundialmente
conhecido pela luta pelos direitos políticos dos negros americanos, conduzida por
métodos não violentos e recorrendo à desobediência civil. Ter-se-á inspirado em
Mahatma Gandi e nos Evangelhos.
Colecionou uma série memorável de prémios e
condecorações, alguns deles a título póstumo. Avultou, sobre todos o Prémio
Nobel da Paz, atribuído em 1964 por ter liderado a resistência não violenta
contra o racismo no seu país. Foi, na altura, o mais jovem vencedor daquele
galardão. Recebeu mais de meia centena de graus honorários de universidades e
colégios. Os homenageadores ressaltaram a sua contribuição para os princípios la
liberdade humana, a sua coragem na resistência ao ódio e a sua persistente
dedicação ao progresso da justiça social e da dignidade humana.
O presidente Jimmy Carter atribuiu-lhe, em
1977, a título póstumo, a Medalha Presidencial da Liberdade. Aqui fica a
transcrição de parte do discurso de Carter:
Martin Luther King Jr. foi o porta-voz da
sua geração. Encontrou-se face ao grande muro da segregação e entendeu que o
poder do amor poderia conduzir à sua queda. Ele tornou a nossa nação mais
forte porque a tornou melhor. O seu sonho ainda nos sustenta.