DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sábado, 12 de dezembro de 2020

 

 

      A MORTE DE ABRAHAM LINCOLN




Abraham Lincoln, 16º presidente dos Estados Unidos da América, foi assassinado em abril de 1865. Contava 56 anos.

Lincoln nasceu numa fazenda do estado do Kentucky, no seio de uma família que frequentava a Igreja Baptista. O seu pai chegou a ser relativamente abastado, mas perdeu as terras em processos judiciais ligados a incorreções nos registos de propriedade e mudou-se para o estado de Indiana. A mãe de Abraham faleceu quando o menino tinha nove anos de idade. O pai voltou a casar. 

Consta que o moço não era grande aficionado aos trabalhos rurais e terá ganho a reputação de preguiçoso. Mudou, ao crescer, e tornou-se lenhador. Media mais de um metro e noventa de altura e era um jovem forte e combativo. Participou em diversas competições amadoras de wrestling.

O jovem Lincoln teve um acesso limitado ao ensino escolar. Foi essencialmente um autodidata, lendo e relendo o número reduzido de publicações que estavam ao seu alcance.

Até à maioridade, viveu com o pai, sem nunca chegar a ter com ele um relacionamento muito próximo. Aos 22 anos, desceu, numa canoa, o rio Sangamon até à vila de New Salem (Nova Salem). Empregou-se no transporte fluvial de mercadorias entre Nova Salem e Nova Orleans, onde teve contacto com a prática do esclavagismo. 

No ano seguinte (1932) adquiriu, com um sócio, uma loja pequena em Nova Salem. Cedo vendeu a sua parte. Ainda nesse ano, integrou as milícias do Illinois e combateu, na guerra de Black Hawk, contra os índios que se opunham à ocupação das suas terras pelos colonos brancos.

Tornou-se conhecido como orador e contador de histórias. Tentou a sua sorte na política e candidatou-se à Assembleia Geral de Illinois. Ficou em oitavo lugar entre 13 candidatos. Só os quatro primeiros foram eleitos.

Empregou-se, então, no correio de Nova Salem. 

A dada altura, decidiu ser advogado. Comprou os livros de Direito que encontrou e empenhou-se, a estudar sozinho, durante alguns anos. 

Em 1834, candidatou-se de novo à Assembleia Estadual, integrando o Partido Whig. Foi eleito. 

O Partido Whig defendia os interesses comerciais. Advogava a modernização dos bancos e o estabelecimento de tarifas protecionistas que permitissem financiar o progresso das infraestruturas e das ferrovias. Opunha-se, de modo geral, aos democratas, que tinham raízes agrárias.

Aos 33 anos, Lincoln casou com Mary Todd, nascida numa rica família esclavagista do Kentucky. O casal teve quatro filhos, mas apenas Robert sobreviveu até à idade adulta. Não se pode dizer que, após a morte do pai, o herdeiro se tenha comportado para com a mãe como filho exemplar. Chegou a interná-la num asilo, por alegada demência. 

Em 1836, Lincoln obteve aprovação no exame de admissão à advocacia e mudou-se para Springfiel (Illinois), onde se associou a John Todd Stuard, primo de sua esposa.  Ganhou reputação como causídico, hábil nos interrogatórios e nas alegações finais. Foi reeleito para a Assembleia Estadual de Illinois e desempenhou quatro mandatos sucessivos.

A maneira de actuar dos advogados do interior dos E.U.A. na época afigura-se um pouco estranha para o nosso modo corrente de encarar a advocacia. O advogado percorria o seu estado, aceitando (ou não) os casos que lhe eram propostos. Visitava as sedes dos condados centrais, quando os tribunais estavam abertos. As deslocações repetiam-se duas vezes por ano. Cada uma demorava cerca de 10 semanas.

Os casos levados a julgado refletiam, em parte, a expansão para oeste do país. Eram inúmeros os conflitos originados pela deslocação das barcaças sob as novas pontes ferroviárias. As questões relacionadas com o registo de propriedades eram também comuns. As questões criminais eram menos frequentes, mas chamavam a atenção dos conterrâneos. A reputação de Lincoln como advogado foi crescendo.

O julgamento mais publicitado em que Abraham Lincoln esteve envolvido ocorreu em 1858. Tratava-se de um assassinato. Uma testemunha garantia que tinha observado o crime à luz do luar.  O advogado apresentou ao júri o Farmers Almanac (uma espécie de Borda d`Água) que mostrava que, nessa data, a posição da lua à hora apontada reduzia notavelmente a visibilidade nocturna. O réu foi absolvido. 

Mesmo depois de ser conhecido, Lincoln continuou a cobrar honorários baixos. Em regra, os seus clientes tinham rendimentos limitados.

Em 1846, Lincoln foi eleito para Câmara dos Representantes dos Estados Unidos e cumpriu um mandato de dois anos. Ajudou a elaborar um projeto de lei destinado a abolir a escravatura no Distrito de Columbia. O projeto não foi avante, por falta de apoio suficiente no interior do seu próprio partido.

Abraham Lincoln opôs-se à guerra Mexicano-Americana promovida pelo presidente James K. Polk, questionando (sem grande êxito) a localização em território americano do conflito inicial.

Em 1848, apoiou a candidatura do general Zachary Taylor, do Partido Whig, à eleição presidencial. Taylor ganhou, mas foi pouco generoso para com o seu apoiante. Lincoln mostrou-se insatisfeito e regressou ao exercício da advocacia.

Antes da guerra civil, apenas o terço leste dos Estados Unidos tinha sido ocupado pela população branca. Havia 34 estados. Existiam diferenças consideráveis entre o norte e o sul, na prática da atividade económica e na organização social.

Nos estados do norte, predominava o minifúndio e começavam a desenvolver-se pequenas indústrias. Os trabalhadores eram assalariados livres.

No sul, prevalecia o latifúndio, com monoculturas (essencialmente de algodão). A economia dependia do trabalho escravo.

Na década de 50, a escravatura tinha sido proibida ma maioria dos Estados do Norte, mas continuava a constituir prática legal no sul. A discussão assentava na política a seguir nos novos territórios que iam sendo ocupados. Enquanto o Sul  defendia o alargamento do modelo esclavagista, o Norte propunha a sua extinção. 

Em 1858, Lincoln participou numa série de debates sobre a escravatura, com repercussão nacional.

Quando foi nomeado candidato ao Senado pelo Partido Republicano, proferiu o seu famoso Discurso da Casa Dividida, inspirada no Evangelho de Marcos: este governo não pode suportar permanentemente ser metade escravo e metade livre; eu não espero ver a casa cair, mas espero que deixe de ser dividida; terá de se tornar inteiramente algo uno.

Naquele tempo, os debates atraíam multidões. No entanto, Lincoln acabou por ser vencido por Stephen Douglas.

Decorreram dois anos. Em 1860, Lincoln conseguiu ser nomeado candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano. Não dispondo de apoios no Sul, fez apenas campanha no Norte do país. Conseguiu fazer-se eleger, com o apoio do Norte e do Oeste.

Os estados escravocratas do sul negaram-lhe os seus votos. Lincoln conseguiu a maioria apenas em dois dos 996 condados sulistas. No colégio eleitoral, Abraham Lincoln obteve 180 votos, contra 123 da soma dos seus opositores. Tratou-se da eleição mais fraturante da História da grande nação americana.

A vitória de Lincoln teve consequências dramáticas. Mesmo antes da sua tomada de posse, um grupo de estados do Sul manifestou a intenção de se separar da União. A Carolina do Sul anunciou a sua decisão a 20 de dezembro de 1860. A 1 de fevereiro, passou a estar acompanhada pela Flórida, pelo Mississipi, pelo Alabama, pela Geórgia, pela Luisiana e pelo Texas. Foram proclamados os Estados Confederados da América.

Lincoln reconheceu a gravidade da situação e deu o seu apoio oficioso à proposta de Emenda que fora apresentada por Corwin à Constituição e que aguardava a ratificação pelos estados. A Emenda permitiria manter a escravatura nos estados onde ele já existia. O congresso abstinha-se de intervir na questão esclavagista sem o consentimento dos estados do sul. Se a proposta de emenda fosse aprovada, a escravidão iria subsistir por mais alguns anos no sul do país, mas seriam poupadas cerca de 700 mil vidas de americanos jovens. 

Tanto o presidente cessante, James Buchanan, como o presidente eleito, Abraham Lincoln, se recusaram a reconhecer a secessão, considerando-a ilegal. No entanto, em fevereiro de 1861, os confederados escolheram Jefferson Davis para presidente provisório. 

Lincoln tornara-se um homem odiado por milhões de americanos. Quando viajava de comboio para a cerimónia de posse, a sua segurança conseguiu detetar, em Baltimore, uma tentativa de assassinato. O presidente entrou disfarçado em Washington e foi colocado sob guarda militar.

O seu discurso de posse foi dirigido aos estados do sul. Declarou que não tinha a intenção de abolir a escravatura nesses estados. Não foi ouvido ou, pelo menos, não foi acreditado. A guerra afigurava-se inevitável.

Os orgulhosos sulistas avaliavam mal as próprias forças. Em abril de 1861, uma coluna de confederados atacou Fort Sumter, dando início ao conflito.

Lincoln apelou, de imediato, a todos os estados, para que enviassem forças militares para combater a rebelião. O apelo obrigou os estados hesitantes a escolher um dos lados. A Virgínia, o Arkansas, a Carolina do Norte e o Tennessee juntaram-se aos confederados. Delaware, Maryland e o Missouri não se pronunciaram, enquanto o Kentucky se esforçava por manter a neutralidade no conflito.

A União juntou 75 mil homens para enfrentar os separatistas. Lincoln chegou a adiantar-se aos militares na definição da estratégia de luta. Procurou assegurar a defesa de Washington, a capital federal, e promoveu campanhas agressivas, capazes de proporcionarem uma vitória rápida.

No entanto, as guerras já não eram como dantes. O desenvolvimento das metralhadoras, que varriam as forças desamparadas de infantaria, obrigara à invenção do sistema de trincheiras. Os combates arrastaram-se, com intensidade variável. Quatro anos depois, quando se fez a paz, contavam-se cerca de 700 mil mortos em ambas as partes.

Abraham Lincoln geriu com sucesso o conflito civil americano. A vitória era fácil de prever. O Norte contava com uma população quatro vezes superior e com a quase totalidade das fábricas de canhões do país.

Em 1961, o presidente evidenciou o seu talento diplomático, evitando que a Inglaterra reconhecesse a Confederação dos Estados do Sul como país independente.

Lincoln acompanhou de perto o esforço de guerra. Substituiu os líderes militares que não tinham sucesso. Ajudou a organizar um bloqueio naval que impedia o comércio com o sul e, logo no começo da guerra, assumiu o controlo dos estados escravocratas da fronteira. 

Em junho de 1862, o Congresso aprovou a lei que proibia a escravatura em todos os estados da União. No mesmo ano, Lincoln assinou o projeto de colonização do Oeste, oferecendo a posse de 65 hectares de terra a quem a cultivasse durante cinco anos. A emigração para o novo continente recebeu assim um impulso considerável. 

A Proclamação de Emancipação, em 1863, iria incitar esses estados a ilegalizar a escravatura.

Lincoln mostrou-se um político invulgarmente hábil. Os Republicanos dividiam-se em moderados e radicais. Estes últimos consideravam que o sul deveria ser severamente punido. O Partido Democrata evidenciava uma fissura profunda, com a fação pró-beligerante a ser combatida pela facção pacifista. Quanto aos secessionistas, desejavam a morte do presidente.

Lincoln procurou lançar os seus adversários uns contra os outros. Os seus dotes oratórios permitiam-lhe dirigir-se diretamente ao povo americano. No seu famoso discurso de Gettysburg, proclamou a defesa da igualdade, da liberdade e da democracia, a par do seu comprometimento com o nacionalismo e o republicanismo.

Num dos dias seguintes à rendição do Exército Confederado, um dos generais da União quis saber do Presidente como seriam tratados os rebeldes vencidos. A resposta foi curta: deixe-os em paz.

Era necessário planear a reunificação do país. Lincoln dirigiu a fação moderada do seu Partido, criando condições para a inclusão do Sul. Em dezembro de 1863, proclamou uma amnistia alargada para os sulistas que não tivessem ocupado cargos políticos nem maltratado soldados da União aprisionados, desde que assinassem um juramento de lealdade.

Em 1864, Abraham Lincoln foi reeleito. Curiosamente, no seu discurso de posse para o segundo mandato, considerou que o grande número de baixas nos dois lados do conflito era resultante da vontade de Deus.

Em 1865, a Décima Terceira Emenda à Constituição, aprovada pelo Congresso, tornou a escravidão ilegal.

À medida que os exércitos da União avançavam para sul, crescia o número de escravos libertados. Alcançaram os três milhões, sem que ninguém soubesse como lhes dar emprego.

A incorporação de um número significativo de negros no exército da União foi levada a cabo, tendo sido constituídos vários regimentos de ex-escravos.

Pensou-se em expandir o território para oeste, criando novas colónias. Foi criada uma agência federal que permitia aos ex-escravos arrendar terras por três anos, com posterior possibilidade de compra. Os recém-libertos não tinham tido antes oportunidade de exercitar o espírito empresarial e a tentativa falhou.

O presidente apoiou Henry Clay e o seu programa “American Colonization Society” que pretendia fixar na Libéria os escravos americanos libertados.

Abraham Lincoln não teria oportunidade de pôr em prática as suas ideias sobre a reconstrução do país. Seis dias após a rendição do comandante das forças confederadas, general Robert Lee, Lincoln foi assassinado. O crime ocorreu num camarote do Teatro Ford, durante a exibição da peça Our American Cousin. O assassino foi o ator John Wilkes Boot, partidário dos confederados e espião. A esposa de Lincoln, Mary Todd Lincoln, estava sentada a seu lado. O major Henry Rathbone e sua noiva, Clara Harris, acompanhavam-nos.

Boot era natural de Maryland. Planeara inicialmente sequestrar Lincoln, para o trocar por prisioneiros confederados. Quando, a 11 de abril de 1865, ouviu o discurso em que Lincoln defendeu o direito de voto para os negros, encheu-se de raiva e resolveu matá-lo.

Não se tratou de um atentado isolado. Existia uma conspiração para assassinar também o general Ulisses S. Grant, que deveria acompanhar o presidente ao teatro Ford, e para matar, noutros locais, o vice-presidente Andrew Johson e o secretário de estado William Seward.

Grant escapou à morte por ter resolvido, à última hora, viajar para a Pensivânia, em lugar de assistir à peça.

Ao intervalo do espectáculo, o guarda-costas do presidente abandonou, por minutos, o camarote, para tomar uma bebida. O assassino estava atento e aproveitou a oportunidade. Entrou e disparou um tiro de revólver contra a nuca do presidente. Abraham Lincoln não viu o seu matador.

O major Rathbone atirou-se ao criminoso, mas foi esfaqueado.

Um cirurgião do Exército, sentado próximo, acudiu de imediato ao presidente. Pouco havia a fazer. Lincoln entrou em coma e faleceu nove horas depois.

O assassino fugiu.

Foi desencadeada uma caça ao homem. Dez dias após a morte de Abraham Lincoln, John Wilkes Boot foi encontrado numa fazenda da Virgínia. Tentou resistir à captura e foi abatido.

Não sabemos se a Guerra de Secessão podia ter sido evitada. Certo é que devastou a nova nação e colheu as vidas de milhares de americanos. Lembre-se que, apenas na batalha de Gettysburg, em três dias de lutas, morreram, foram feridos ou desapareceram cerca de 50.000 americanos, quase todos jovens. Por outro lado, a escravatura tinha os dias contados e ia desaparecendo, em quase todo o mundo. Os métodos de produção assentes no trabalho escravo tinham deixado de ser rentáveis. 

 



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