A MORTE DE ABRAHAM LINCOLN
Abraham
Lincoln, 16º presidente dos Estados Unidos da América, foi assassinado em abril
de 1865. Contava 56 anos.
Lincoln nasceu numa fazenda do
estado do Kentucky, no seio de uma família que frequentava a Igreja Baptista. O
seu pai chegou a ser relativamente abastado, mas perdeu as terras em processos
judiciais ligados a incorreções nos registos de propriedade e mudou-se para o
estado de Indiana. A mãe de Abraham faleceu quando o menino tinha nove anos de
idade. O pai voltou a casar.
Consta que o moço não era grande aficionado aos trabalhos rurais e terá ganho a reputação de preguiçoso.
Mudou, ao crescer, e tornou-se lenhador. Media mais de um metro e noventa de
altura e era um jovem forte e combativo. Participou em diversas competições
amadoras de wrestling.
O jovem Lincoln teve um acesso
limitado ao ensino escolar. Foi essencialmente um autodidata, lendo e relendo o
número reduzido de publicações que estavam ao seu alcance.
Até à maioridade, viveu com o pai,
sem nunca chegar a ter com ele um relacionamento muito próximo. Aos 22 anos,
desceu, numa canoa, o rio Sangamon até à vila de New Salem (Nova Salem). Empregou-se no transporte fluvial de mercadorias entre Nova Salem e Nova Orleans, onde teve
contacto com a prática do esclavagismo.
No ano seguinte (1932) adquiriu,
com um sócio, uma loja pequena em Nova Salem. Cedo vendeu a sua parte. Ainda
nesse ano, integrou as milícias do Illinois e combateu, na guerra de Black Hawk,
contra os índios que se opunham à ocupação das suas terras pelos colonos
brancos.
Tornou-se conhecido como orador e
contador de histórias. Tentou a sua sorte na política e candidatou-se à
Assembleia Geral de Illinois. Ficou em oitavo lugar entre 13 candidatos. Só os
quatro primeiros foram eleitos.
Empregou-se, então, no correio de Nova Salem.
A dada altura, decidiu ser advogado. Comprou os livros de Direito que encontrou e empenhou-se, a estudar sozinho, durante alguns anos.
Em 1834, candidatou-se de novo à Assembleia Estadual, integrando o Partido Whig. Foi eleito.
O Partido Whig defendia os
interesses comerciais. Advogava a modernização dos bancos e o estabelecimento
de tarifas protecionistas que permitissem financiar o progresso das infraestruturas
e das ferrovias. Opunha-se, de modo geral, aos democratas, que tinham raízes
agrárias.
Aos 33 anos, Lincoln casou com
Mary Todd, nascida numa rica família esclavagista do Kentucky. O casal teve
quatro filhos, mas apenas Robert sobreviveu até à idade adulta. Não se pode
dizer que, após a morte do pai, o herdeiro se tenha comportado para com a mãe
como filho exemplar. Chegou a interná-la num asilo, por alegada demência.
Em 1836, Lincoln obteve aprovação
no exame de admissão à advocacia e mudou-se para Springfiel (Illinois), onde se
associou a John Todd Stuard, primo de sua esposa. Ganhou reputação como causídico, hábil nos
interrogatórios e nas alegações finais. Foi reeleito para a Assembleia Estadual
de Illinois e desempenhou quatro mandatos sucessivos.
A maneira de actuar dos advogados do
interior dos E.U.A. na época afigura-se um pouco estranha para o nosso modo corrente de
encarar a advocacia. O advogado percorria o seu estado, aceitando (ou não) os
casos que lhe eram propostos. Visitava as sedes dos condados centrais, quando
os tribunais estavam abertos. As deslocações repetiam-se duas vezes por ano.
Cada uma demorava cerca de 10 semanas.
Os casos levados a julgado
refletiam, em parte, a expansão para oeste do país. Eram inúmeros os conflitos
originados pela deslocação das barcaças sob as novas pontes ferroviárias. As
questões relacionadas com o registo de propriedades eram também comuns. As
questões criminais eram menos frequentes, mas chamavam a atenção dos
conterrâneos. A reputação de Lincoln como advogado foi crescendo.
O julgamento mais publicitado em
que Abraham Lincoln esteve envolvido ocorreu em 1858. Tratava-se de um
assassinato. Uma testemunha garantia que tinha observado o crime à luz do
luar. O advogado apresentou ao júri o Farmers Almanac (uma espécie de Borda d`Água) que mostrava que, nessa
data, a posição da lua à hora apontada reduzia notavelmente a visibilidade
nocturna. O réu foi absolvido.
Mesmo depois de ser conhecido,
Lincoln continuou a cobrar honorários baixos. Em regra, os seus clientes tinham
rendimentos limitados.
Em 1846, Lincoln foi eleito para
Câmara dos Representantes dos Estados Unidos e cumpriu um mandato de dois anos.
Ajudou a elaborar um projeto de lei destinado a abolir a escravatura no
Distrito de Columbia. O projeto não foi avante, por falta de apoio suficiente
no interior do seu próprio partido.
Abraham Lincoln opôs-se à guerra
Mexicano-Americana promovida pelo presidente James K. Polk, questionando (sem
grande êxito) a localização em território americano do conflito inicial.
Em 1848, apoiou a candidatura do
general Zachary Taylor, do Partido Whig, à eleição presidencial. Taylor ganhou,
mas foi pouco generoso para com o seu apoiante. Lincoln mostrou-se insatisfeito e
regressou ao exercício da advocacia.
Antes da guerra civil, apenas o
terço leste dos Estados Unidos tinha sido ocupado pela população branca. Havia
34 estados. Existiam diferenças consideráveis entre o norte e o sul, na prática
da atividade económica e na organização social.
Nos estados do norte, predominava
o minifúndio e começavam a desenvolver-se pequenas indústrias. Os trabalhadores
eram assalariados livres.
No sul, prevalecia o latifúndio,
com monoculturas (essencialmente de algodão). A economia dependia do trabalho
escravo.
Na década de 50, a escravatura tinha sido proibida ma maioria dos Estados do Norte, mas continuava a constituir prática legal no sul. A discussão assentava na política a seguir nos novos territórios que iam sendo ocupados. Enquanto o Sul defendia o alargamento do modelo esclavagista, o Norte propunha a sua extinção.
Em 1858, Lincoln participou numa
série de debates sobre a escravatura, com repercussão nacional.
Quando foi nomeado candidato ao Senado
pelo Partido Republicano, proferiu o seu famoso Discurso da Casa Dividida,
inspirada no Evangelho de Marcos: este
governo não pode suportar permanentemente ser metade escravo e metade livre; eu
não espero ver a casa cair, mas espero que deixe de ser dividida; terá de se
tornar inteiramente algo uno.
Naquele tempo, os debates atraíam
multidões. No entanto, Lincoln acabou por ser vencido por Stephen Douglas.
Decorreram dois anos. Em 1860, Lincoln
conseguiu ser nomeado candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido
Republicano. Não dispondo de apoios no Sul, fez apenas campanha no Norte do país.
Conseguiu fazer-se eleger, com o apoio do Norte e do Oeste.
Os estados escravocratas do sul
negaram-lhe os seus votos. Lincoln conseguiu a maioria apenas em dois dos 996
condados sulistas. No colégio eleitoral, Abraham Lincoln obteve 180 votos,
contra 123 da soma dos seus opositores. Tratou-se da eleição mais fraturante da
História da grande nação americana.
A vitória de Lincoln teve consequências
dramáticas. Mesmo antes da sua tomada de posse, um grupo de estados do Sul
manifestou a intenção de se separar da União. A Carolina do Sul anunciou a sua
decisão a 20 de dezembro de 1860. A 1 de fevereiro, passou a estar acompanhada
pela Flórida, pelo Mississipi, pelo Alabama, pela Geórgia, pela Luisiana e pelo
Texas. Foram proclamados os Estados Confederados da América.
Lincoln reconheceu a gravidade da situação e deu o seu apoio oficioso à proposta de Emenda que fora apresentada por Corwin à Constituição e que aguardava a ratificação pelos estados. A Emenda permitiria manter a escravatura nos estados onde ele já existia. O congresso abstinha-se de intervir na questão esclavagista sem o consentimento dos estados do sul. Se a proposta de emenda fosse aprovada, a escravidão iria subsistir por mais alguns anos no sul do país, mas seriam poupadas cerca de 700 mil vidas de americanos jovens.
Tanto o presidente cessante, James Buchanan, como o presidente eleito, Abraham Lincoln, se recusaram a reconhecer a secessão, considerando-a ilegal. No entanto, em fevereiro de 1861, os confederados escolheram Jefferson Davis para presidente provisório.
Lincoln tornara-se um homem odiado
por milhões de americanos. Quando viajava de comboio para a cerimónia de posse,
a sua segurança conseguiu detetar, em Baltimore, uma tentativa de assassinato. O
presidente entrou disfarçado em Washington e foi colocado sob guarda militar.
O seu discurso de posse foi
dirigido aos estados do sul. Declarou que não tinha a intenção de abolir a
escravatura nesses estados. Não foi ouvido ou, pelo menos, não foi acreditado.
A guerra afigurava-se inevitável.
Os orgulhosos sulistas avaliavam mal as próprias forças. Em abril de 1861, uma coluna de confederados atacou Fort Sumter, dando início ao conflito.
Lincoln apelou, de imediato, a todos os estados, para que enviassem forças militares para combater a rebelião. O apelo obrigou os estados hesitantes a escolher um dos lados. A Virgínia, o Arkansas, a Carolina do Norte e o Tennessee juntaram-se aos confederados. Delaware, Maryland e o Missouri não se pronunciaram, enquanto o Kentucky se esforçava por manter a neutralidade no conflito.
A União juntou 75 mil homens para enfrentar os separatistas. Lincoln chegou a adiantar-se aos militares na definição da estratégia de luta. Procurou assegurar a defesa de Washington, a capital federal, e promoveu campanhas agressivas, capazes de proporcionarem uma vitória rápida.
No entanto, as guerras já não eram como dantes. O desenvolvimento das metralhadoras, que varriam as forças desamparadas de infantaria, obrigara à invenção do sistema de trincheiras. Os combates arrastaram-se, com intensidade variável. Quatro anos depois, quando se fez a paz, contavam-se cerca de 700 mil mortos em ambas as partes.
Abraham Lincoln geriu com sucesso o conflito civil americano. A vitória era fácil de prever. O Norte contava com
uma população quatro vezes superior e com a quase totalidade das fábricas de
canhões do país.
Em 1961, o presidente evidenciou o
seu talento diplomático, evitando que a Inglaterra reconhecesse a Confederação
dos Estados do Sul como país independente.
Lincoln acompanhou de perto o esforço de guerra. Substituiu os líderes militares que não tinham sucesso. Ajudou a organizar um bloqueio naval que impedia o comércio com o sul e, logo no começo da guerra, assumiu o controlo dos estados escravocratas da fronteira.
Em junho de 1862, o Congresso
aprovou a lei que proibia a escravatura em todos os estados da União. No mesmo
ano, Lincoln assinou o projeto de colonização do Oeste, oferecendo a posse de
65 hectares de terra a quem a cultivasse durante cinco anos. A emigração para o
novo continente recebeu assim um impulso considerável.
A Proclamação de Emancipação, em 1863, iria incitar esses estados a ilegalizar a escravatura.
Lincoln mostrou-se um político
invulgarmente hábil. Os Republicanos dividiam-se em moderados e radicais. Estes
últimos consideravam que o sul deveria ser severamente punido. O Partido Democrata
evidenciava uma fissura profunda, com a fação pró-beligerante a ser combatida
pela facção pacifista. Quanto aos secessionistas, desejavam a morte do
presidente.
Lincoln procurou lançar os seus
adversários uns contra os outros. Os seus dotes oratórios permitiam-lhe
dirigir-se diretamente ao povo americano. No seu famoso discurso de Gettysburg,
proclamou a defesa da igualdade, da liberdade e da democracia, a par do seu
comprometimento com o nacionalismo e o republicanismo.
Num dos dias seguintes à rendição do Exército Confederado, um dos generais da União quis saber do Presidente como seriam tratados os rebeldes vencidos. A resposta foi curta: deixe-os em paz.
Era necessário planear a reunificação do país. Lincoln dirigiu a fação moderada do seu Partido, criando condições para a inclusão do Sul. Em dezembro de 1863, proclamou uma amnistia alargada para os sulistas que não tivessem ocupado cargos políticos nem maltratado soldados da União aprisionados, desde que assinassem um juramento de lealdade.
Em 1864, Abraham Lincoln foi reeleito. Curiosamente, no
seu discurso de posse para o segundo mandato, considerou que o grande número de
baixas nos dois lados do conflito era resultante da vontade de Deus.
Em 1865, a Décima Terceira Emenda à Constituição,
aprovada pelo Congresso, tornou a escravidão ilegal.
À medida que os exércitos da União avançavam para sul,
crescia o número de escravos libertados. Alcançaram os três milhões, sem que
ninguém soubesse como lhes dar emprego.
A incorporação de um número significativo de negros no
exército da União foi levada a cabo, tendo sido constituídos vários regimentos
de ex-escravos.
Pensou-se em expandir o território para oeste, criando
novas colónias. Foi criada uma agência federal que permitia aos ex-escravos
arrendar terras por três anos, com posterior possibilidade de compra. Os
recém-libertos não tinham tido antes oportunidade de exercitar o espírito
empresarial e a tentativa falhou.
O presidente apoiou Henry Clay e o seu programa
“American Colonization Society” que pretendia fixar na Libéria os escravos
americanos libertados.
Abraham Lincoln não teria oportunidade de pôr em
prática as suas ideias sobre a reconstrução do país. Seis dias após a rendição
do comandante das forças confederadas, general Robert Lee, Lincoln foi
assassinado. O crime ocorreu num camarote do Teatro Ford, durante a exibição da
peça Our American Cousin. O assassino foi o ator John Wilkes Boot, partidário
dos confederados e espião. A esposa de Lincoln, Mary Todd Lincoln, estava
sentada a seu lado. O major Henry Rathbone e sua noiva, Clara Harris,
acompanhavam-nos.
Boot era natural de Maryland. Planeara inicialmente
sequestrar Lincoln, para o trocar por prisioneiros confederados. Quando, a 11
de abril de 1865, ouviu o discurso em que Lincoln defendeu o direito de voto
para os negros, encheu-se de raiva e resolveu matá-lo.
Não se tratou de um atentado isolado. Existia uma
conspiração para assassinar também o general Ulisses S. Grant, que deveria
acompanhar o presidente ao teatro Ford, e para matar, noutros locais, o
vice-presidente Andrew Johson e o secretário de estado William Seward.
Grant escapou à morte por ter resolvido, à última hora,
viajar para a Pensivânia, em lugar de assistir à peça.
Ao intervalo do espectáculo, o guarda-costas do
presidente abandonou, por minutos, o camarote, para tomar uma bebida. O
assassino estava atento e aproveitou a oportunidade. Entrou e disparou um tiro
de revólver contra a nuca do presidente. Abraham Lincoln não viu o seu matador.
O major Rathbone atirou-se ao criminoso, mas foi
esfaqueado.
Um cirurgião do Exército, sentado próximo, acudiu de
imediato ao presidente. Pouco havia a fazer. Lincoln entrou em coma e faleceu
nove horas depois.
O assassino fugiu.
Foi desencadeada uma caça ao homem. Dez dias após a
morte de Abraham Lincoln, John Wilkes Boot foi encontrado numa fazenda da
Virgínia. Tentou resistir à captura e foi abatido.
Não sabemos se a Guerra de Secessão podia ter sido evitada. Certo é que devastou a nova nação e colheu as vidas de milhares de americanos. Lembre-se que, apenas na batalha de Gettysburg, em três dias de lutas, morreram, foram feridos ou desapareceram cerca de 50.000 americanos, quase todos jovens. Por outro lado, a escravatura tinha os dias contados e ia desaparecendo, em quase todo o mundo. Os métodos de produção assentes no trabalho escravo tinham deixado de ser rentáveis.
Sem comentários:
Enviar um comentário