DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 27 de dezembro de 2020

 

   O ASSASSINATO DE JOHN LENNON



Confesso que, sendo mais ou menos ao menos da idade dos Beatles, passei a distância deles. O meu universo musical estava preenchido pelo génio e pela ternura de Zeca Afonso e, logo a seguir, pelas baladas magníficas de Adriano Correia de Oliveira. Fosse outra a língua, e a canção portuguesa da época teria conhecido divulgação universal.

Aproximei-me dos Beatles numa sessão de cinema ocorrida na praia de Mira, por volta de 1967. Passou, num cinema abarracado, o “Yellow submarine”. Não me apaixonei pela banda, mas ganhei-lhe respeito.

Vou tentar abordar a personalidade de John Lennon, excelente cantor, extraordinário compositor, e grande ativista da paz. Tornou-se famoso por integrar o conjunto britânico dos Beatles, nascido nos bares de Liverpool na década de 60 e fadado para alcançar fama mundial.

Dos Beatles falarei menos. A maioria dos leitores conhece-os melhor do que eu. O próprio Lennon declarou que eles eram mais populares que Jesus. Entendo, contudo, que não é possível passar ao lado dos “Quatro de Liverpool”. A parceria Lennon/McCartney assinou muitos dos grandes sucessos dos Beatles.

Nunca entendi o conjunto de fatores que cimentam um conjunto musical, durante um período limitado de tempo e, depois, o fazem desagregar. Mais do que as relações pessoais, gostaria de perceber o que determina a criatividade musical e alimenta uma fogueira coletiva, umas vezes mais fulgurante e outras menos, que acaba quase sempre por se extinguir. Entre a miríade de conjuntos que fazem música popular, são raros os que veem os seus membros envelhecer juntos.

Lennon começou por ser o líder não assumido do grupo. No entanto, o comando foi escorregando dos ombros de John para os de Paul.

Os Beatles consumaram a separação em abril de 1970. Por essa altura, tanto John Lennon como Paul McCartney tinham enveredado por carreiras a solo.

Entre 1968 e 1972, Lennon e a sua segunda esposa, a japonesa Yoko Ono, publicaram um conjunto importante de discos. Nesse período, John Lennon liderou uma série de protestos contra a guerra do Vietname. O governo de Richard Nixon chegou mesmo a tentar deportá-lo.

John Lennon nasceu em Liverpool, em 1940, numa família disfuncional. Era filho de Julia Stanley e Alfred Lennon.

Alfred era tripulante da marinha mercante e passava temporadas fora de casa. Raramente via o filho, mas enviava regularmente dinheiro para a família.

 Decorria a II Grande Guerra. Durante as suas longas ausências, Júlia ficou grávida de outro homem.

O marinheiro Alfred tocava banjo e gostava de imitar Louis Armstrong. Nunca conseguiu fazer uma carreira musical.

As coisas correram mal e Mimi, irmã de Júlia, pediu aos Serviços Sociais de Liverpool a custódia do pequeno John. Acabou por ser atendida.

O menino foi disputado. O pai pretendia levá-lo para a Nova Zelândia. O puto teve de escolher entre a mãe e o pai. Optou por ficar com o pai, mas correu logo a seguir para os braços da mãe. Estava-se em 1946. John voltaria ver o pai apenas 20 anos mais tarde.

John acabou por ser criado pela sua tia Mimi e pelo marido, que não tinham filhos. Foi o tio-padrasto quem lhe deu o primeiro instrumento musical, uma gaita-de-beiços. A mãe visitava-o com regularidade e ensinava-lhe banjo. Em 1956 ofereceu-lhe a primeira guitarra.  

Conta-se que John ia a tocar harmónica durante uma longa viagem de autocarro. Ia visitar um primo seu, que morava na Escócia. O motorista terá sido um dos seus primeiros fãs. Falou-lhe de uma gaita-de-foles que tinha sido abandonada numa camioneta e que estava guardada no depósito da companhia, em Edimburgo. Poderia recolhê-la. Os acordes da gaita tocada por Lennon iriam tornar-se no som emblemático das primeiras gravações dos Beatles. 

O miúdo mostrava talento e a mãe achava que a música o iria algum dia tornar famoso. Tia Mimi não se opunha à aprendizagem, mas considerava que ele nunca iria ganhar a vida daquele modo.

A mãe morreu atropelada em 1958. Regressava de uma visita à irmã e ao filho.

Lennon foi crescendo. À segunda tentativa, entrou para a Universidade. Era o Liverpool College of Art. Seria expulso antes de terminar o curso.

John Lennon organizou uma banda musical e depois outra. Paul McCartney aconselhou, para guitarrista do grupo, George Harrison, que contava apenas 14 anos. John Lennon achou-o novo demais, mas acabou por o aceitar. Stuart Sutcliffe, antigo colega de Lennon na escola de arte, juntou-se a eles como guitarra baixo. Eram os Beatles. Faltava-lhes um baterista e convidaram Pete Best.

Eram todos excelentes executantes, mas pouco entendiam das técnicas de gestão duma banda musical.

Atuavam no Cavern Club de Liverpool, em novembro de 1961, quando conheceram Brian Esptein. Era homossexual e, segundo as más-línguas da época, gostaria de Lennon. Os dois passaram uns tantos dias juntos em Espanha, após o nascimento de Julian. Lennon confessaria mais tarde: tratou-se de um relacionamento intenso; foi quase um caso de amor, mas nunca foi consumado.

Brian Epstein foi agente da banda desde 1962 até à sua morte, em 1967.

Foi no College of Art que John conheceu Cynthia Powel. Casaram-se, quando Cynthia engravidou. Por essa altura, começava a beatlemania. Epstein foi convidado para padrinho do pequeno Julian.

 Lennon mostrou-se um marido inseguro e possessivo. Reconheceria, mais tarde, que tinha sido cruel e, até, espancador.

Epstein receava que a imagem dum Beatle casado afugentasse as fãs e fez o possível para que o casamento permanecesse em segredo.

A cantiga “Hey Jules” terá sido composta por Paul McCartney para confortar Julian, quando os pais se divorciaram. Acabaria por se transformar em “Hey Jude”. Há quem diga que Paul se dava melhor com o miúdo do que o pai.

Durante uma turnê de quase dois meses na Alemanha, Lennon habituou-se a tomar Preludin, uma droga estimulante.

Mais tarde, Sutcliffe deixou-se ficar na Alemanha e McCartney mudou-se para o baixo. Best saiu da bateria, tomando o seu lugar Ringo Starr. A banda continuaria assim até se dissolver.

Numa entrevista concedida dúzia e meia de anos após o fim da banda, Paul McCartney reconheceu o respeito que os outros Beatles tinham por John Lennon: era o mais velho de nós e o mais inteligente.

Os Beatles tornaram-se populares na Inglaterra no começo de 1963. O filho mais velho de Lennon, Julian, nasceu em abril desse ano. Ao sucesso nos palcos ingleses seguiu-se o reconhecimento internacional, que começou em 1964. Entretanto, John Lennon e George Harrison aficionaram-se à LSD.

Nunca entendi o papel – se é que existe algum – das drogas, incluindo o álcool, na criatividade artística. No entanto, os membros dos conjuntos musicais de sucesso na minha época consumiram diversas substâncias psicoativas. Se tal lhes aumentou a glória, ou lhes abreviou as carreiras, está por saber. Certo é que muitos as tomavam regularmente.

Numa entrevista à revista Playboy, Lennon confessou que, durante as filmagens de “Help!” o conjunto fumava marijuana logo ao pequeno-almoço. Mais tarde, já na companhia de Yoko Ono, Lennon consumiu heroína durante anos.

As drogas terão apressado o fim da banda. Lennon, o antigo líder, foi-se afastando aos poucos, empurrando Paul McCartney para o comando do grupo. Paul achava que John estava a mergulhar na paranoia.

Quando Epstein morreu, a banda conheceu uma crise. Sabiam apenas fazer música. Gerir carreiras não era coisa que estivessem habituados a fazer.

Lennon conheceu Yoko Ono em Londres, no ano de 1966. Yoko preparava uma exposição de arte dita conceitual. A entrada de Yoko Ono na vida de John Lennon constituiu outro fator de desagregação. Havia um consenso na banda que conservava as mulheres longe do estúdio. Lennon teimou em ter Yoko a seu lado. O casal formalizou a sua união em março de 1969. John e a esposa lançaram, em conjunto, uma série de álbuns musicais.

No mesmo ano, Lennon abandonou os Beatles.

Por essa altura, John e Yoko conheceram a sino-americana May Pang que se tornou secretária e, depois, “assistente pessoal” de ambos. Ajudou-os nos projetos de filmes de vanguarda. 

Depois de publicar alguns discos com sucesso variável, Lennon lançou “Imagine”, em 1971. A faixa principal do disco iria tornar-se um hino para os movimentos pacifistas.

Ainda nesse ano, Lennon e Ono mudaram-se para Nova Iorque e aliaram-se a movimentos esquerdistas americanos. O governo Nixon, enfurecido com a propaganda contra a guerra do Vietname, fez o que pôde para tentar deportar o casal dos E.U.A.

No final de agosto de 1972, Lennon e Ono realizaram os seus últimos espetáculos públicos. Depois de alguns incidentes amargos, o casal resolveu separar-se.

May Pang trabalhava com o casal havia três anos quando Yoko Ono lhe confidenciou que John Lennon a apreciava. Para além do fascínio do músico por mulheres orientais, fica a ideia que nessa altura da vida ele abdicara de boa parte da sua personalidade.

John Lennon juntou-se a May Pang e viveu com ela durante ano e meio, repartindo o tempo entre Los Angeles e Nova Iorque. Foram tempos atribulados, com Lennon a beber demasiado e a provocar uma série de pequenos incidentes.

Durante esse período, contudo, reatou o contacto regular com o seu filho Julian, reaproximou-se de Starr e de McCartney, e continuou a produzir álbuns musicais, uns melhores do que outros. Fez parcerias com David Bowie e Elton Jones.

Quando o casal voltou para Nova Iorque, Yoko Ono procurou contactar o antigo companheiro mas, durante algum tempo, Lennon não lhe atendia os telefonemas. Quando finalmente se encontraram, John não foi capaz de a largar e não regressou a casa. Estaria drogado. Foi outra vez Yoko quem tomou a iniciativa de telefonar a May. Vivam-se tempos estranhos. A japonesa comunicou à chinesa que voltara a viver com John Lennon, mas que May poderia continuar a ser sua amante.

Ono engravidou e, depois de hesitar, concordou em levar a gravidez avante.  

Em 1975, nasceu o único filho do casal. Chamaram-lhe Sean. Aos 35 anos de idade, Lennon assumiu o papel de ama-seca do filho. Pretenderia dar-lhe o que lhe fora negado na infância. Durante vários anos, quase não escreveu música. Desperdiçava o único talento que tinha.

A partir de outubro de 1980, John Lennon apresentou outros três discos, um deles a meias com Ono. A crítica recebeu as canções novas com pouco entusiasmo.

Por volta das 17 horas do dia 8 de dezembro do mesmo ano, Lennon autografou um exemplar do seu novo disco Double Fantasy para um fã chamado Mark David Chapman. A seguir, dirigiu-se, com Ono, a um estúdio, para fazer uma sessão de gravação. No regresso ao apartamento, eram aguardados por Chapman. O homem esperou que o casal saísse do veículo, aproximou-se por trás e atingiu cinco vezes nas costas, a tiro de revólver, o antigo Beatle. John Lennon chegou morto ao hospital. Lançara o seu último álbum três semanas antes.

Chapman não fugiu. Deixou-se estar no local. Estava a ler um livro quando a polícia chegou e o prendeu.

As cerimónias fúnebres foram limitadas. O corpo do músico foi cremado e as suas cinzas espalhadas no Central Park de Nova Iorque.

As vendas dos seus discos dispararam. A morte trágica de um autor constitui, quase sempre, uma excelente publicidade.  

Chapman declarou-se culpado e foi condenado a prisão perpétua.

Tentemos entender o assassino. Mark Chapman nasceu no Texas e teve uma infância atribulada. Na juventude, fez uma tentativa de suicídio. Vivia no Havai. Três meses antes do homicídio, comprou um revólver, disse à mulher que precisava de um tempo para se encontrar e mudou-se para Nova Iorque.

Resolvera matar alguém famoso. Terá pensado no apresentador de televisão Johnny Carson e na atriz Elisabeth Taylor. Lennon morreu porque estava mais à mão.

Mark deslocava-se frequentemente até perto do prédio onde Lennon morava e gastava-se a olhar o apartamento do músico.

O assassino desculpou-se, dizendo que ouvia vozes que o mandavam matar. As alucinações auditivas são comuns na esquizofrenia e ocorrem noutras doenças psiquiátricas. A organização do delírio em torno de motivações religiosas é igualmente bem conhecida. Mark Chaman considerava que Lennon blasfemara ao considerar-se mais popular que Jesus. No entanto, os peritos que o examinaram consideraram que Mark tinha plena consciência do que fazia. Foi condenado.

O assassino confessou, trinta anos mais tarde, que matara John Lennon para se tornar conhecido.  

Os sete ou oito últimos anos da vida de John Lennon parecem difíceis de entender. No final da vida, esse artista extraordinário, nem odiado era. O homem que o matou não lhe queria mal. Tanto lhe dava atirar numa celebridade como noutra.

É fácil imaginar que o consumo excessivo de drogas variadas terá limitado severamente as capacidades cognitivas do fundador dos Beatles. Ao morrer, já não era John Lennon. Pelo menos, não o seria com letras grandes.

Ao longo da sua carreira, John Lennon recebeu medalhas e várias outras homenagens. Uma das mais curiosas aconteceu mais de vinte anos após a sua morte. A União Astronómica Internacional deu o nome de Lennon a uma das crateras do planeta Mercúrio. 


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

 

A MORTE DE MARTIN LUTHER KING




Martin Luther King Jr. recebeu inicialmente o nome de Michael King Jr. Nasceu em Atlanta, na Geórgia, a 15 de janeiro de 1929. Era filho e neto de pastores protestantes.

Ele e os irmãos cresceram a ler a Bíblia. O pai era um homem duro e recorria ao chicote para disciplinar as crianças.

Em agosto de 1934, no regresso duma viagem pela Europa, o pai de Michael mudou, duma assentada, o próprio nome e o do filho. Passaram a chamar-se Martin Luther King, respetivamente sénior e júnior. A certidão de nascimento do filho seria modificada anos mais tarde.

O miúdo King tinha um amigo branco. Aos seis anos, o puto ingressou numa escola para negros, enquanto o seu amigo era admitida numa escola exclusiva de brancos. Por essa altura, os pais do outro menino proibiram-no de brincar com ele. “Nós somos brancos e tu negro!” – proclamaram. King encheu-se de ódio. Seus pais procuraram convencê-lo de que ele, como cristão, devia amar todos os seus semelhantes, independentemente das suas raças. Seria preciso ser santo para aceitar essas ideias. 

Enquanto crescia, King ia dando mais conta da discriminação a que estavam sujeitos os negros americanos. Habituou-se a lidar com ela.

Começou muito cedo a frequentar a igreja, acompanhando sua mãe. Mostrou jeito para cantar hinos e aprendeu a tocar piano. Interessava-se por alargar o vocabulário, mas não dava grande importância à gramática. Ocasionalmente batia-se com miúdos do seu bairro, mas parece ter aprendido cedo a usar o poder de persuasão para evitar conflitos.

Quando o menino ia nos sete anos, acompanhou o pai, Reverendo Martin Luther King Sr., que liderou uma marcha civil até à prefeitura de Atlanta, para protestar contra a discriminação no acesso ao direito de voto.

Poucos anos mais tarde, King escapou-se das obrigações escolares para assistir a um desfile. De volta a casa, soube que a avó materna, por quem tinha grande estima, sofrera um ataque do coração e morrera a caminho do hospital. O moço sentiu-se culpado por aquela morte e atirou-se do segundo andar da sua casa, com a intenção de morrer. Deus pôs-lhe a mão por baixo, como faz tantas vezes às crianças e aos borrachos e o jovem escapou com danos físicos limitados. Era a segunda vez que tentava o suicídio.

Na adolescência, foi sujeito, como os amigos e vizinhos da sua cor, às humilhações raciais que faziam parte da cultura branca dos estados do sul. Ganhou dinheiro para as suas pequenas despesas a entregar o Atlanta Journal.

Durante esse período, confrontou-se com dúvidas sobre muitos relatos bíblicos e pôs em causa o seu relacionamento com a religião.

Entrou cedo para a Booker T. Washington High School, um dos poucos colégios para negros existentes na cidade. Fora fundado por pressão de líderes negros locais, entre os quais se incluía o seu avô Williams King. Michael deu nas vistas de colegas e professores pela sua eloquência e venceu um concurso de oratória.     

Quando ainda frequentava o primeiro ano da Booker T. Washington, teve conhecimento de que a Morehouse College, uma universidade negra prestigiada, aceitava qualquer estudante que passasse no exame de admissão. Era o tempo da II Grande Guerra e muitos jovens tinham abandonado os estudos para se alistarem no exército. Com quinze anos, King Jr. passou no teste e entrou para a faculdade. Estudou lá durante três anos.

Aos dezoito anos, quando lhe faltava um ano para completar o curso, resolveu fazer-se pastor, à semelhança de seu pai e de um dos seus avós. Prosseguiu os estudos e graduou-se em Sociologia, no ano seguinte.

Entrou depois para o Crozer Theological Seminary em Chester, na Pensilvânia. 

No terceiro ano do seminário, teve um relacionamento sério com uma moça branca e pensou em casar com ela. Os amigos e a família manifestaram-se contra essa união. Um casamento inter-racial poderia levantar problemas com brancos e negros e impediria que se tornasse pastor numa das igrejas do sul do país. Martin Luther King pôs fim ao namoro alguns meses mais tarde. Parece nunca ter esquecido de todo essa mulher.

 Em 1951, graduou-se em “Divindade” e começou a preparar o doutoramento em Teologia Sistemática na Universidade de Boston. Durante esse tempo, trabalhou como pastor auxiliar na Twelfth Baptist Church de Boston.

 Antes de completar o doutoramento, casou-se com Coretta Scott. O casal teria 4 filhos. O marido procurou manter a esposa afastada da luta pelos direitos cívicos.

 Em 1954, King Jr. tinha 25 anos e foi nomeado pastor em Montgmomery, Alabama. Prosseguiu os estudos e conseguiu o doutoramento com a tese “Uma comparação dos conceitos de Deus nos pensamentos de Paul Tillich e Henry Nelson Wieman”. 

No melhor pano cai a nódoa: verificou-se que parte do seu trabalho fora plagiado. A Universidade concluiu que, ainda assim, a dissertação tinha valor e não lhe retirou o doutoramento.

A luta contra a segregação racial apoiou-se algumas vezes em pequenos incidentes que os ativistas aproveitavam para mobilizar as massas. Em março de 1955, a estudante negra Claudette Colvin recusou ceder o lugar no autocarro a um homem branco, violando as leis estaduais. A comissão da comunidade afro-americana de Birmingham, de que Luther King Jr. fazia parte, analisou o caso e resolveu não o valorizar por estar envolvida uma menor no incidente. Ainda nesse ano, a negra Rosa Parks foi presa por recusar levantar-se do banco do autocarro para que um branco se sentasse.

  King liderou o boicote aos autocarros de Montgomery. O protesto cívico arrastou-se por um ano inteiro e fez de Martin Luther King uma figura nacional. O boicote terminou com uma decisão judicial que proibiu a segregação racial nos autocarros da cidade. Teve custos para King: viu a sua casa atacada à bomba e chegou a estar preso.

 O sucesso obtido contribuiu para que se tornasse, dois anos mais tarde, o primeiro presidente da SCLC (Conferência da Liderança Cristã do Sul). A organização inspirou-se nas iniciativas do evangelista Billy Graham e foi criada para coordenar os esforços das igrejas negras na condução de protestos não violentos contra o racismo e na defesa dos direitos cívicos. King iria liderar a SCLC até morrer.

Em setembro de 1958, MLKing foi objeto de uma tentativa de assassinato, enquanto autografava exemplares de um livro seu, num estabelecimento comercial. Uma mulher esfaqueou-o e King teve de ser operado de urgência. A agressora era uma negra louca que sofria de ideias delirantes.

No ano seguinte, Martin Luther King publicou um pequeno livro a que deu o nome “The measure of a man”. Integrava sermões seus que refletiam sobre a falta que Deus fazia ao homem e criticavam as injustiças da sociedade ocidental.

O FBI fez o que pôde para desacreditar os ativistas dos direitos cívicos e o próprio King, acusando-os de contactos com organizações comunistas. Na altura, quem superintendia ao F.B.I. era o irmão de John Kennedy, Robert, o procurador-geral dos E.U.A.

Martin Luther King e os seus companheiros programaram uma série de protestos não violentos contra a segregação racial nos estados do sul dos Estados Unidos, baseada na famigerada lei de Jim Crow. Contavam com a cobertura dos jornais e das televisões e obtiveram-na. Pretendiam, para os negros, a igualdade e o direito ao voto.

Os media envolveram-se no processo de procura de justiça social, denunciando as arbitrariedades e injustiças a que eram diariamente sujeitos os cidadãos negros do sul do país e transformaram a questão dos direitos cívicos no problema mais importante da nação, no começo da década de 60.

King e a SCLC adotaram as normas da chamada “esquerda cristã” e organizaram uma série de manifestações não violentas contra a segregação racial e a favor do direito a voto e dos direitos de trabalho. Bons estrategas, escolheram criteriosamente os locais para as suas ações de massa. Ocasionalmente, as reações dos segregacionistas mostraram-se violentas.

Em 1961 foi organizada em Albany, na Geórgia, uma coligação a que se associou a SCLC. O movimento propunha-se combater de forma não violenta a segregação racial na cidade e mobilizou milhares de cidadãos. Os protestos atingiram visibilidade nacional e terminaram com um acordo que as autoridades mais tarde desrespeitaram. 

King voltou a Albany no ano seguinte e foi preso. Não era situação a que estivesse pouco habituado. Entre pagar uma fiança modesta e ficar atrás das grades, escolheu a prisão. Três dias depois foi libertado discretamente. Os seus amigos pagaram a fiança.

Sem grandes resultados práticos, o movimento de Albany acabou por esmorecer. Martin Luther King foi parcialmente responsabilizado pelo fracasso e procurou aprender com a lição.

Em 1962, ML King e a Gandhi Society dirigiram ao presidente Kennedy uma mensagem que o exortava a seguir as pegadas de Abraham Lincoln e a assinar uma “Segunda Proclamação de Emancipação” que garantisse direitos civis para todos os americanos. JF Kennedy não deu seguimento ao pedido.

Na primavera de 1963, a Conferência da Liderança Cristã do Sul promoveu uma campanha contra a segregação racial e as más condições económicas dos negros de Birmingham, no Alabama. Os protestos foram organizados de forma um tanto mais agressiva. Os manifestantes negros ocuparam espaços públicos e resistiram sentados às intervenções policiais. A iniciativa teve apenas um sucesso parcial, sem alcançar a almejada projeção nos media. O recurso à mobilização de crianças e adolescentes foi utilizado para dinamizar o movimento reivindicativo. Numa ou noutra ocasião, o processo deixou de ser pacífico e houve grupos de manifestantes que atacaram as forças policiais.

O Departamento de Polícia da cidade recorreu a jatos de água de grande pressão para dispersar os manifestantes e lançou cães contra os que protestavam, sem excluir crianças. A mal calculada resposta policial serviu os interesses dos organizadores da manifestação, pois o uso exagerado de força foi testemunhado pelos canais nacionais de televisão, que despertaram a atenção de muitos cidadãos brancos para os problemas dos afro-americanos.

King fora preso no começo da campanha. Era a sua décima terceira detenção. Alcançaria um recorde de 29. Nos calabouços, redigiu a Carta da Cadeia de Birmingham, que se tornaria famosa. Tratava-se de uma resposta a outra carta assinada por oito pastores brancos locais que sugeriam que a luta pelas mudanças sociais deveria privilegiar meios legais.  King argumentou com a urgência da situação e a esclerose do sistema. Nós sabemos através de experiências dolorosas que a liberdade nunca é voluntariamente oferecida pelo opressor; precisa ser exigida pelo oprimido.

A SCLC, chefiada por King, colaborou com outras organizações que lutavam pelos direitos cívicos na preparação da Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade que teve lugar a 28 de agosto de 1963. O principal estratega da marcha foi Bayard Rustin, homossexual assumido, apoiante do socialismo democrático e com um passado de ligação ao Partido Comunista Americano. Diversos aliados e seguidores de MLKing sugeriram-lhe que se distanciasse de Rustin. King acedeu parcialmente, sem deixar de participar na Marcha.

Os meandros da política são muitas vezes complexos. Os organizadores da Marcha pretendiam chamar a atenção dos americanos para a situação dramática dos negros no sul dos E.U.A., apresentando as suas razões de queixa no Memorial de Lincoln, na capital da nação. Era intenção dos líderes negros associados criticar o governo federal por estar a ser incapaz de assegurar os direitos cívicos de uma parte considerável dos cidadãos americanos. Kennedy mandou contactar os organizadores, no sentido de moderar o conteúdo e a forma das manifestações. O grupo escutou o apelo do presidente, o que levou alguns ativistas mais radicais, como Malcolm X, a apelidar o evento de “Farsa de Washington” e a proibir os membros da sua organização de participarem nela.

O sucesso da Marcha passara a ser do interesse do governo americano. Algumas instituições ligadas ao Partido Democrático apelaram aos seus membros para se associarem à manifestação.

Os organizadores acordaram em propostas bem definidas que incluíam uma legislação que impedisse a discriminação racial nos empregos, o controlo da violência policial, e um salário mínimo de dois dólares por hora.

A Marcha teve um sucesso memorável. Com o desfile de um quarto de milhão de pessoas de cores diferentes, constituiu a maior manifestação registada em Washington até àquela data.

O discurso proferido por Martin Luther King ficou para a história. O autor chamou-lhe “Eu tenho um sonho”. King falou durante pouco mais de um quarto de hora.

Embora enfrentemos dificuldades, eu tenho um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho. Um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos dos escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.

Um dia, até mesmo o estado do Mississipi, que transpira com o calor da injustiça e da opressão, será transformado num oásis de liberdade e de justiça.

Eu tenho um sonho. Nele, os meus pequenos filhos irão viver um dia numa nação em que não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo seu caráter.  

Eu tenho um sonho hoje!

Uma parte da sociedade americana ia-se mostrando sensível à necessidade de mudanças numa nação em que coexistiam claramente cidadãos de primeira e de segunda classe. A consequência foi a promulgação de diplomas legislativos importantes, como a Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos de Voto de 1965.

Os movimentos que defendiam a causa dos negros americanos nunca foram homogéneos e adotaram táticas diferentes.

Martin Luther King não escapou a críticas. Foi acusado de se opor, ou pelo menos de não apoiar, organizações negras mais radicais como a “Nação do Islão” e o seu líder Malcolm X. Houve quem considerasse que King perdera de vista as raízes do movimento de emancipação dos negros.

J. Edgar Hoover, diretor do FBI, considerava King um radical e fez o que pôde para o desacreditar. Os seus agentes acusaram-no de ligações comunistas e ameaçaram divulgar as suas alegadas infidelidades conjugais. Chegaram ao ponto de lhe enviar cartas anónimas ameaçadoras.

Hoover obteve autorização do procurador geral Robert Kennedy para colocar sob escuta os telefones de King. O pretexto foi o seu relacionamento com Stanley Levison, um advogado de Nova Iorque com alegadas ligações ao Partido Comunista dos Estados Unidos.   

Numa palestra proferida em Nova Iorque em 1964, King referiu uma conversa tida com Jawaharlal Nehru, em que o dirigente indiano comparava a situação de muitos afro-americanos à dos intocáveis, a casta mais despojada de direitos na Índia.  

Em outubro de 1964, o movimento dos direitos cívicos recebeu um alento especial com a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Martin Luther King, por combater o racismo nos E.U.A. por meios não-violentos.

No ano seguinte, King apoiou as marchas de Selma a Montgomery. O objetivo era caminhar durante 85 quilómetros, por estrada, desde Selma até à capital do estado do Alabama.

A primeira tentativa ocorreu a 7 de março e foi interrompida pelas autoridades. Os manifestantes foram atacados com cassetetes e gás lacrimogéneo. As imagens da brutalidade policial foram transmitidas pelas televisões, despertando uma indignação generalizada.

A segunda marcha teve lugar dias depois. Os polícias deixaram passar os manifestantes, liderados por MLKing, que pediu aos seus apoiantes para dispersarem, para não desrespeitarem as ordens do tribunal. A atitude de King deixou muita gente irritada.

A 16 de março, os manifestantes insistiram. Cerca de dois mil soldados do Exército Americano e outros tantos membros da Guarda Nacional do Alabama escoltaram os manifestantes, que chegaram ao Capitólio do Estado do Alabama nove dias depois. MLKing fez ali um discurso, a que chamou How long, not long.  A atribuição de direitos iguais para os afro-americanos não poderia estar distante.

Ainda nesse ano (1965), foi aprovada a Lei dos Direitos ao Voto, um marco histórico na luta dos negros americanos contra a discriminação.

Em 1966, King e alguns dos seus colaboradores tentaram exportar para o norte o movimento dos direitos cívicos e instalaram-se em Chicago. A reação popular às marchas organizadas foi negativa. Os manifestantes foram recebidos com apupos e lançamento de garrafas. King chegou a ser atingido superficialmente por um tijolo.

MLKing e outros responsáveis pelas manifestações consideraram não estarem reunidas as condições para a continuação dos protestos e acordaram com o Mayor de Chicago a retirada. A representá-los ficou o jovem seminarista Jesse Jackson, que acabaria por se tornar bem conhecido.  

Martin Luther King opunha-se, há muito, à guerra do Vietname. Durante algum tempo, evitou abordar o assunto, para não prejudicar a sua luta pelos direitos cívicos, nem despertar mais antipatia por parte do presidente Jonhson. A evolução dos factos obrigou-o a assumir uma posição pública.

Em abril de 1967, na Igreja de Riverside, em Nova Iorque, proferiu um discurso a que chamou Beyond Vietnam: a time to break silence. Criticou duramente o papel dos E.U.A. no conflito, chamando-lhes o maior agente de violência no mundo de então. Acusou o seu país de ocupar um território estrangeiro como se fosse uma colónia e aliou à guerra a injustiça económica. Por outro lado, os recursos despendidos na guerra poderiam ajudar a resolver as dificuldades de muitos americanos. Uma nação que, ano após ano, continua a gastar mais dinheiro no setor militar que em programas de mudanças sociais aproxima-se da morte espiritual.

A declaração de King implicou a perda de diversos apoios para a sua causa, sobretudo entre os setores brancos da sociedade. A Agência de Segurança Nacional passou a vigiá-lo de perto.

O jornal The Washington Post informou que King tinha sido convidado a visitar a União Soviética.  

Martin Luther King negou sempre qualquer ligação ao comunismo. Em 1965, afirmou a uma revista que os comunistas no seu movimento de direitos cívicos eram tantos como os esquimós na Flórida. Hoover nunca acreditou nele. Após o seu discurso “Eu tenho um sonho”, de agosto de 1963, o FBI passou a considerá-lo “o mais perigoso líder negro do país”.  

Em privado, King criticava o capitalismo e aproximava-se do socialismo democrático. Deve existir uma forma melhor de distribuição das riquezas. Rejeitava, contudo, o comunismo pela sua interpretação materialista da história, pouco compatível com a religião.

Um grupo de democratas que se opunha à guerra do Vietname chegou a propor a MLKing que se candidatasse contra Johnson na eleição presidencial de 1968. King agradeceu, mas recusou. As probabilidades de sucesso seriam reduzidas. Por outro lado, sentia-se mais confortável na sua posição de ativista político.  

King empenhou-se depois numa campanha contra a pobreza. Com altos e baixos, com apoios e abandonos, essa foi a bandeira que ergueu até as balas lhe colherem a vida. Elevara a fasquia e deixara de se dirigir apenas aos negros, manifestando a sua solidariedade e o seu empenho para com todos os cidadãos desfavorecidos nos E.U.A. 

Com essa finalidade, viajou pelo país e escreveu mais livros. Pouco tempo antes de morrer, estava empenhado numa nova manifestação em Washington que seria chamada “Campanha dos Pobres”.

Em meados de março de 1968, funcionários negros das obras públicas iniciaram uma greve em Memphis, no Tenessee. Para o mesmo trabalho, negros e brancos eram tratados de forma claramente desigual.

Martin Luther King viajou para Memphis, no final do mês, com a intenção de apoiar os grevistas em situação difícil. O seu voo foi adiado por ter ocorrido um alerta de bomba no avião que o iria transportar.

No dia três de abril, MLKing dirigiu um comício e falou aos manifestantes. Talvez lhe tivesse passado pela cabeça que estava a fazer o seu último discurso. Falou das ameaças à sua vida. Que poderia acontecer, se estivesse a ser perseguido por alguns brancos com a saúde mental abalada?

Bem, eu não sei o que acontecerá agora. Nós tivemos de enfrentar alguns dias difíceis. Como qualquer um, eu gostaria de viver uma vida longa, mas não estou preocupado com isso agora. Eu quero apenas cumprir o desejo de Deus. Ele permitiu-me ir ao topo da montanha e olhar em redor. E avistei a terra prometida. Não temo nenhum homem. Meus olhos viram a glória da vinda do Senhor.

Martin Luther King foi assassinado em Memphis no dia 4 de abril de 1968. Tinha-se hospedado num motel.

Encontrava-se, de pé, numa varanda, por volta das seis da tarde, quando foi atingido a tiro. Bastou uma bala par pôr fim à vida do ativista laureado com o Prémio Nobel da Paz.  Os seus companheiros correram à varanda e pediram socorro. King ainda foi operado, mas morreu pouco depois.

O assassino foi James Earl Ray, um cadastrado que se evadira em 1967 da Penitenciária do Estado do Missouri, onde cumpria uma pena de 20 anos de prisão por crimes diversos. Já tinha cometido atos racistas e acreditava que King era um traidor à pátria e que os movimentos dos direitos cívicos tinham por fim debilitar politica e economicamente a América.

Ray alugara um quarto numa pensão que ficava do outro lado da rua, frente ao hotel e atirou da janela da casa de banho. Desfechou um único tiro com uma espingarda Remington que abandonou no local. A arma tinha as suas impressões digitais. Deixou também uma luneta telescópica. Houve testemunhas que o viram escapar-se da pensão.  

Ray dirigiu-se para Altanta, conduzindo durante onze horas o seu Ford Mustang. Tinha-se instalado naquela cidade algum tempo antes. A polícia viria a encontrar no seu quarto um mapa em que a igreja e a residência de Luther King estava rodeados por círculos a lápis colorido.

James Ray recolheu os seus pertences e viajou para o Canadá. Chegou a Toronto três dias depois e escondeu-se durante mais de um mês. Entretanto, conseguiu obter um passaporte canadiano com um nome falso. De Toronto, viajou de avião para Inglaterra, de onde seguiria para Lisboa, onde se demorou alguns dias, antes de regressar a Londres.

Foi preso a 8 de junho no aeroporto de Heathrow. Tinham passado dois meses sobre o crime. Ray tencionava dirigir-se a Bruxelas, antes de seguir para África. Planeava viver em Angola, na Rodésia ou na África do Sul. No check-in, os funcionários do aeroporto verificaram que o nome titular do passaporte integrava uma lista sob vigilância da Polícia Montada canadiana. Quando o revistaram, encontraram-lhe outro passaporte, com um nome diferente.

As autoridades britânicas extraditaram-no para os E.U.A.

James Earl Ray foi levado para o Tenessee, onde foi acusado do assassinato de Martin Luther King. Confessou o crime, para escapar à possível pena de morte e foi condenado a 99 anos de prisão. Viria a morrer na cadeia, depois de cumprir 29 anos de pena.

A morte de Martin Luther King causou consternação nos E.U.A e um pouco em todo o mundo. Ocorreram manifestações e tumultos em dezenas de cidades americanas. Os grevistas de Memphis viram satisfeitas as suas reivindicações.

O presidente Lyndon B. Johnson, que chegara a apelidar King de “pastor hipócrita” declarou 7 de abril como dia de luto nacional. Não compareceu ao funeral por receio de que a sua presença pudesse desencadear reações hostis, mas fez-se representar pelo vice-presidente Hubert Humphrey.

Como é hábito em circunstâncias semelhantes, fervilharam as teorias da conspiração. James Earl Ray contribuiu para essa fogueira, ao negar ser culpado, três dias após a confissão.

Os seus advogados alegaram que Ray assumira a culpa por ter sido ameaçado com a pena de morte, o que parece certo.  Até morrer, aos 70 anos, James Earl Ray procurou fazer anular a sua sentença, de modo a conseguir um novo julgamento.

Os seus defensores proclamaram que ele não passava de um falso responsável, uma espécie de bode expiatório utilizado para encobrir os verdadeiros criminosos. No entanto, as suas impressões digitais estavam na arma do crime e o seu passado, com diversas prisões por assaltos à mão armada, reforçava pouco as alegações de inocência.

A tese de que Ray não agira sozinho perdurou por muitos anos e nunca foi totalmente abandonada. Os teóricos da conspiração apontam o dedo aos agentes secretos do governo americano.

Como no caso do assassinato de JFKennedy, foi sugerido que haveria mais do que um atirador. Os testes balísticos não terão sido concludentes. Houve quem garantisse que o tiro não viera da janela da pensão, mas de arbustos próximos.

Mais de trinta anos após a morte de King, a sua viúva e os seus filhos processaram Loyd Jowers “e outros co-conspiradores” e o júri deu-lhes razão. Jowers teria participado numa conspiração contra Martin Luther King, com o conluio do governo americano. O Departamento de Justiça dos E.U.A. investigou o assunto e concluiu não haver base para aquela teoria de conspiração. Uma irmã de Jowers acabou por admitir que ele inventara a história para a vender a um jornal e que ela participara na farsa para obter algum dinheiro.

Já em 2002, o pastor Ronald Denton Wilson declarou que fora o seu pai. Ronald Denton Wilson o matador do líder negro. A motivação teria sido o suposto comunismo de King. Wilson não apresentou provas da sua teoria e não foi levado a sério.

Martin Luther King ficou mundialmente conhecido pela luta pelos direitos políticos dos negros americanos, conduzida por métodos não violentos e recorrendo à desobediência civil. Ter-se-á inspirado em Mahatma Gandi e nos Evangelhos.

Colecionou uma série memorável de prémios e condecorações, alguns deles a título póstumo. Avultou, sobre todos o Prémio Nobel da Paz, atribuído em 1964 por ter liderado a resistência não violenta contra o racismo no seu país. Foi, na altura, o mais jovem vencedor daquele galardão. Recebeu mais de meia centena de graus honorários de universidades e colégios. Os homenageadores ressaltaram a sua contribuição para os princípios la liberdade humana, a sua coragem na resistência ao ódio e a sua persistente dedicação ao progresso da justiça social e da dignidade humana.

O presidente Jimmy Carter atribuiu-lhe, em 1977, a título póstumo, a Medalha Presidencial da Liberdade. Aqui fica a transcrição de parte do discurso de Carter:

Martin Luther King Jr. foi o porta-voz da sua geração. Encontrou-se face ao grande muro da segregação e entendeu que o poder do amor poderia conduzir à sua queda. Ele tornou a nossa nação mais forte porque a tornou melhor. O seu sonho ainda nos sustenta.




       A MORTE DE JOHN KENNEDY




John Fitzgerald Kennedy, o 35º Presidente dos Estados Unidos da América, foi abatido a tiro a 22 de novembro de 1963. Contava 46 anos.

Sucedera a Dwight Eisenhower, em janeiro de 1961. Antes, fora senador por Massachusetts e membro da Câmara dos Representantes. Foi o segundo mais jovem americano a chegar à presidência do seu país. O mais novo, até hoje, foi Theodore Roosevelt.

O seu aspeto atraente e telegénico adoçou, de algum modo, as múltiplas crises que se desenrolaram durante a sua curta presidência. Tratou-se de um período caracterizado pela eclosão de diversos conflitos. Kennedy apoiou a invasão dos dissidentes cubanos que desembarcaram na Baía dos Porcos e que iria conduzir à crise dos mísseis de Cuba, levando o mundo até à beira de uma guerra nuclear. Aprovou o começo da intervenção americana na guerra do Vietnã, onde os ianques se substituíram aos franceses num conflito inglório e duradouro. Ajudou a agudizar a guerra fria que levou à construção do Muro de Berlim e assistiu ao desenrolar do Movimento dos Direitos Cívicos nos E.U.A. Apoiou ainda o seu país na “corrida espacial”.

Curiosamente, foi considerado pelos seus conterrâneos uma das grandes personalidades do século XX. As mortes precoces e trágicas ajudam a endeusar os homens.

É verdade que, em alguns casos, John Kennedy se limitou a dar seguimento a iniciativas de Eisenhower. Muitas vezes, os interesses dos estados são permanentes e variam pouco com a substituição dos protagonistas maiores.

Kennedy terá sabido representar como poucos o papel de símbolo das esperanças americanas. Teria excelentes escrevedores para os seus discursos. Terá também redigido parte deles. Lembremos que, em 1957, recebeu o Prémio Pulitzer de Biografia. Não se sabe se foi ajudado por algum ghost-writer.

 John Kennedy era filho de Joseph Kennedy, um empresário que chegou a ser embaixador americano no Reino Unido, e de Rose Fitzgerald, nascida numa família ilustre de Boston. O casal teve nove filhos. John, o segundo, nasceu em 1917 e viveu em Brookline (Boston) durante os seus primeiros 10 anos. A família mudou-se para Nova Iorque em 1927.

O jovem Kennedy teve diversos problemas de saúde.

Estudou em escolas excelentes. Em 1936, matriculou-se na Universidade de Harvard. Viajou demoradamente pela Europa e pelo Médio Oriente.

Regressou da Alemanha no dia em que começou a Segunda Guerra Mundial. 

Doutorou-se em Relações Internacionais pela Universidade de Harvard com uma tese baseada no Acordo de Munique. O seu trabalho foi, mais tarde, publicado sob o título “Why England slept?” e tornou-se um best-seller.

No começo de 1941, John ofereceu-se como voluntário para o Exército dos Estados Unidos, mas foi recusado por sofrer de problemas na coluna. Acabou por ingressar na Marinha, alegadamente com uma “cunha”.

Kennedy serviu como oficial subalterno na Marinha americana. O barco torpedeiro de patrulha que comandava foi abalroado por um destroyer japonês perto das Ilhas Salomão, durante a II Grande Guerra. Dez membros da tripulação escaparam a nado para uma ilha próxima e conseguiram ser resgatados. John foi condecorado por conduta heroica.

O episódio, convenientemente adornado pelos jornalistas, deu-lhe popularidade suficiente para começar a sonhar com uma carreira política que estivera, até então, fora dos seus projetos. O pai tinha encaminhado nessa direção o filho mais velho, Joseph, que morreria em combate.

Finda a guerra, John Kennedy ponderou fazer-se jornalista, mas passara a ser o número um na linha de sucessão do pai, que tinha granjeado apoios importantes nos dois principais partidos americanos.

Em 1946, foi eleito, pela primeira vez, para a Câmara dos Representantes, pelo Partido Democrático. Tinha 29 anos. Iria manter-se lá ao longo de seis anos.

Durante o seu primeiro mandato, foi-lhe diagnosticada Doença de Addison, uma insuficiência do córtex suprarrenal. Os seus problemas de saúde foram mantidos em segredo ao longo da vida.

Em 1952, John Kennedy derrotou, nas eleições, o candidato republicano Henry Cabot Lodge e fez-se senador.

No ano seguinte, casou-se com Jacqueline Lee Bouvier.

Os seus problemas de coluna agravaram-se, tendo de se sujeitar a diversas intervenções cirúrgicas.

Em 1956, falhou por pouco a nomeação para candidato à vice-presidência dos Estados Unidos. A sua prestação deu-lhe, contudo, visibilidade nacional. O candidato democrata, Adlai Stevenson, seria batido por Dwight Eisenhower.

Quatro anos depois, Kennedy considerou que chegara a ocasião de se candidatar à presidência dos E.U.A. Concorreu às eleições primárias do Partido Democrata e foi nomeado, após uma campanha dura. Era o segundo católico a tentar aceder à presidência. Convidou para vice-presidente Lyndon. B. Johnson, popular nos estados do sul, e concorreu contra o republicano Richard Nixon.

A 26 de setembro de 1960, 70 milhões de espetadores assistiram ao primeiro debate presidencial televisionado da história americana.

Nixon estivera doente. Tinha mau aspeto e parecia tenso. Kennedy parecia mais descontraído. Os telespetadores consideraram Kennedy vencedor do debate, enquanto os radiouvintes opinaram pelo empate, ou mesmo pela vitória de Nixon. Julgo que se tratou de uma data importante da história da média, com a rádio a perder para a televisão, de uma forma definitiva, o seu papel de fazedor de opiniões. Ganhara o candidato mais bonito.

Seguiram-se dois outros debates e a candidatura de Kennedy ganhou força. Nas eleições de 8 de novembro, John Fitzgerald Kennedy foi eleito presidente dos E.U.A. por uma unha negra. Foi o primeiro católico a alcançar a presidência dos E.U.A. Tomou posse em janeiro de 1961.

Uma das frases do seu discurso inaugural tornou-se emblemática: não perguntes o que o teu país pode fazer por ti; pergunta o que podes fazer pelo teu país.

No plano político, Kennedy procurou melhorar os cuidados de saúde dos idosos e aumentou as verbas federais destinadas à educação.. Apoiou a integração racial e o reconhecimento dos direitos cívicos.

Em 1954, a Corte Suprema dos Estados Unidos declarara inconstitucional a segregação racial nas escolas. Não foi, contudo, obedecida em vários estados do sul. A segregação manteve-se nos transportes, restaurantes e salas de espectáculo.

No ano de 1962, ocorreram protestos violentos da comunidade afro-americana, em resposta às tentativas das autoridades do Mississípi e do Alabama de impedirem as inscrições de estudantes negros nas universidades. Para garantir as matrículas desses estudantes, Kennedy enviou para o Mississípi soldados da Guarda Nacional e agentes federais. A 11 de junho do mesmo ano, proferiu o seu famoso discurso sobre os direitos cívicos, apelando ao Congresso para que legislasse no sentido de alcançar os objetivos propostos por Abraão Lincoln um século atrás. O resultado foi a promulgação da Lei dos Direitos Cívicos, aprovada em 1964, já depois da morte de Kennedy.

No campo económico. John Kennedy aproximou-se da doutrina de Keynes, favorecendo a intervenção governamental para combater a recessão económica. As taxas de juros foram mantidas baixas e o orçamento de 1961 foi o primeiro deficitário na história americana, fora dos períodos de guerra ou de recessão. A economia recuperou, com crescimento do P.I.B., estabilização da inflação e redução do desemprego. A proposta de reforma tributária, que previa a redução dos impostos, seria aprovada pelo Congresso no ano seguinte ao da sua morte.

Quando John Kennedy foi eleito presidente, a União Soviética dispunha, em alguns campos, de tecnologia superior à americana e liderava a corrida espacial, beneficiando do prestígio internacional que daí advinha.

Numa sessão conjunta do Congresso e do Senado, em maio de 1961, Kennedy estabeleceu como objetivo nacional americano levar um homem à lua e trazê-lo de volta, salvo, ainda naquela década. Nenhum outro projeto espacial neste período vai ser mais impactante para a Humanidade, ou mais importante para a exploração do espaço profundo e nenhum outro vai ser tão difícil ou tão dispendioso para ser atingido.

Kennedy pediu ao Congresso a aprovação de um orçamento de mais de 25 biliões de dólares para o Projeto Apollo. Decorreram contactos com o dirigente russo Nikita Kruschev, no sentido de estabelecer uma parceria entre os E.U.A. e a U.R.S.S. para a exploração espacial, o que traria vantagens económicas óbvias para as duas partes, mas Kennedy foi assassinado antes da conclusão de qualquer acordo.

Em junho de 1969, meia dúzia de anos após a morte de John Kennedy, o seu sonho espacial tornou-se realidade e um astronauta americano pisou o solo lunar.

Os Estados Unidos sentiam-se pouco confortáveis com a presença de um estado comunista a curta distância da sua fronteira.

Eisenhower mandara preparar um plano para derrubar o regime cubano de Fidel Castro. O projeto foi apoiado pela administração Kennedy.

O exército americano treinou 1.500 exilados cubanos anticastristas e fê-los desembarcar na Baía dos Porcos. Julgava-se que seria fácil mobilizar o povo cubano contra o regime comunista.

O plano estudado pela C.I.A. redundou num fiasco. Os americanos não se quiseram envolver diretamente numa guerra contra Cuba. A Marinha e a Força Aérea dos E.U.A. não participaram no ataque.

Fidel Castro esperava um ataque direto à sua ilha. Che Guevara testemunhara uma tentativa semelhante de invasão, na Guatemala.

O desembarque teve início a 17 de abril de 1961. As bem treinadas forças armadas cubanas derrotaram os contrarrevolucionários em menos de três dias. Morreram algumas centenas de cubanos exilados e foram aprisionados perto de 1200 sobreviventes.

Fidel proclamou a sua vitória sobre o imperialismo americano e ficou à espera de uma segunda tentativa de invasão.

O episódio constituiu um embaraço para a administração Kennedy.

Ano e meio depois, um avião espião americano conseguiu fotografar em Cuba a construção de silos para alojar mísseis soviéticos de longo alcance. Armas nucleares inimigas iam ser instaladas a poucas centenas de quilómetros da Florida.

O presidente foi aconselhado a aprovar um ataque aéreo contra as instalações de mísseis. Kennedy optou por uma posição mais cautelosa e ordenou um bloqueio naval à ilha. Qualquer navio que chegasse a Cuba deveria ser inspecionado.

A tensão entre as duas nações rivais subiu. Poucas vezes (se alguma) o mundo terá estado tão perto duma guerra nuclear. Acabou por ser alcançado um acordo. Os mísseis soviéticos foram retirados e os E.U.A. declararam publicamente que não voltariam a tentar invadir Cuba.

A Guerra Fria aquecia, aqui e ali. Os E.U.A. iam enfrentando crises internacionais localizadas. Algumas foram fabricadas pelos próprios americanos. Substituíram-se ao Reino Unido como potência estrangeira dominante no Médio Oriente, mas aprenderam pouco com os britânicos, que tinham tido séculos para conhecer a região.

Em 1963, Kennedy decidiu apoiar um golpe de estado contra o governo do Iraque. Tratava-se de auxiliar os membros mais conservadores do Partido Baath contra a sua ala pró-comunista.

A Revolução do Ramadão ocorreu em fevereiro. O primeiro-ministro do Iraque, general Abd al-Karim Qasim foi derrubado e substituído pelo coronel Abdul Salam Arif. 

A eminência parda do novo regime era o secretário-geral do partido Baath, Ali Salih al-Sa`di, que controlava a Guarda Nacional. A C.I.A. ter-lhe-á fornecido listas de comunistas, certos ou suspeitos. Ocorreu uma matança sistemática. Foram assassinadas centenas de professores, médicos e advogados e umas tantas figuras políticas e militares. Saddam Hussein, ainda jovem, terá participado no processo. Quem com ferros mata…

Nove meses depois, ocorreu outro golpe de estado no Iraque, desta vez sem derramamento de sangue. Um grupo de oficiais iraquianos inspirados pelo líder egípcio Gamal Abdel Nasser derrubou o governo e instalou um novo executivo, proclamando Abdul Salam Arif chefe de estado.

Algumas grandes empresas petrolíferas mundiais instalaram-se no país. O golpe apoiado por Kennedy ocorreu há 57 anos. Até agora, os americanos ainda não acordaram numa política minimamente coerente e esclarecida para o Iraque, em particular e para o Médio Oriente, em geral.

Os americanos tinham tido uma experiência pouco encorajadora na Guerra da Coreia, que se arrastara durante três anos e redundara num impasse. Pretendiam ter uma base de apoio no Extremo Oriente, se possível perto da fronteira da China e procuraram substituir a França, ocupada durante a II Grande Guerra, e batida depois na Indochina, em 1954.

John Kennedy prosseguiu, na região, a política desenhada pela administração Eisenhower.

Os da minha idade lembram bem o que aconteceu. Os “conselheiros militares” e as tropas especiais americanas apoiaram os sul-vietnamitas empenhados na guerra contra os comunistas do norte, dando início a uma guerra limitada. A força aérea americana apoiava os combatentes do sul e queimava com napalm os inimigos e as suas colheitas. As forças comunistas, a que a Imprensa dava o nome depreciativo de “vietcongues”, superiorizaram-se aos combatentes do sul e aos seus aliados. Em 1963, o presidente do Vietname do Sul, Ngo Dinh Diem foi, primeiro, deposto pelos seus generais e, depois, executado. Correram rumores sobre o eventual envolvimento dos E.U.A. nesse processo.

Kennedy considerou prudente retirar as tropas americanas do atoleiro do Vietname e mandou elaborar planos nesse sentido. Foram interrompidos pela sua morte. O sucessor, o seu vice-presidente Lyndon Johnson, optou por intensificar o esforço militar americano na antiga Indochina.

Em junho de 1963, Kennedy visitou Berlim Ocidental e criticou o velho bloqueio imposto a essa parte da cidade pelo Bloco Soviético. Afirmou que a construção do Muro de Berlim era um testemunho do fracasso comunista. O seu discurso, como a frase em alemão Ich Bin ein Berliner correu mundo, veiculado por rádios, televisões e jornais. Todos os homens livres eram cidadãos de Berlim.

O mundo andava preocupado com a proliferação das armas nucleares. Uma das grandes iniciativas da administração Kennedy foi o tratado da proibição de testes nucleares. Os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética assinaram, em 1963, o acordo, que permitia, contudo, a continuação dos ensaios nucleares subterrâneos.

Dos quatro filhos de John e Jaqueline Kennedy, apenas dois sobreviveram até à idade adulta. Consta que o presidente cultivou diversas relações extraconjugais, sem se ter empenhado muito em qualquer delas.

John F. Kennedy foi assassinado com dois tiros, a 22 de novembro de 1963 na cidade de Dallas, no Texas. Iniciava a sua campanha de reeleição e desfilava, perto do meio-dia, num automóvel descapotável que circulava a velocidade reduzida. As imagens da sua morte correram mundo, com a esposa debruçada, a tentar inutilmente socorrê-lo. O assassino utilizou uma carabina com mira telescópica e atirou de um sexto andar sobre a vítima. Efetuou três disparos.

John Connaly, governador do Texas, seguia no mesmo carro e foi também atingido com gravidade, aparentemente pela mesma bala que matou Kennedy. Sobreviveu. Um espetador sofreu também um pequeno ferimento, resultante de uma bala que ricocheteou.

Um espetador filmou o presidente, no momento em que era atingido.

Durante dias, parecia que nada mais se passava no mundo. Os noticiários televisivos cobriam incessantemente os acontecimentos. Tanto o funeral de Kennedy como o assassinato do seu matador foram transmitidos em tempo real para inúmeros países.

Lee Harvey Oswald, o assassino, foi capturado num teatro, hora e meia após o tiroteio. Para além da morte do presidente, foi também acusado de ter abatido um polícia de Dallas. Negou ambas as acusações.

Não chegou a ser julgado. Dois dias depois da morte do presidente, um suposto justiceiro chamado Jack Ruby matou-o a tiro, publicamente, quando Oswald se encontrava sob prisão e era transferido de lugar. Ruby era proprietário de uma boîte em Dallas e chamava-se inicialmente Jacob Rubinstein, tendo americanizado o seu nome hebraico. Viria a falecer na prisão em 1947, vítima de cancro do pulmão. Fora condenado à morte e recorrera da sentença. Esperava o resultado do recurso quando morreu. Nasceu, naturalmente, a suspeita de que teria abatido o assassino do presidente para que ele não pudesse falar.

Lyndon Johnson, até então vice-presidente, foi empossado como presidente dos E.U.A. e apressou-se a criar uma comissão para investigar os crimes. A comissão foi presidida pelo juiz Earl Warren e tornou público o seu relatório ao fim de dez meses de investigação. Concluiu que Lee Oswald atuara sozinho e que não tinham sido encontradas provas que indicassem a implicação de outras pessoas, grupos, ou países no atentado. Jack Ruby também agira sozinho.

Surgiram numerosas teorias de conspiração. Umas tantas tiveram eco em livros publicados e no cinema. Houve quem se tivesse dado ao trabalho de contar os suspeitos. Foram 42 organizações, 82 assassinos e mais 214 pessoas envolvidas.

Parece gente demais para um único assassinato. No entanto, em 2013, um inquérito revelou que 62% dos americanos acreditavam que Lee Oswald não agira sozinho.

Constou que Oswald tinha sido recrutado pela CIA para servir na URSS, onde vivera durante vários anos. Houve também quem o acusasse de ser agente dos serviços secretos cubanos.

Em 1976, a Câmara dos Representantes votou a criação de nova comissão para voltar a investigar a morte de John Kennedy e também a de Martin Luther King, assassinado em 1968. A comissão levantou a hipótese de ter estado envolvido no assassinato do presidente outro atirador, colocado no chamado “monte “relvado”. Esta hipótese não colheu grande apoio, mas estimulou a imaginação de alguns americanos.

O filme JFK, realizado em 1991 por Oliver Stone, mostra “o homem do guarda-chuva” a fazer sinais aos seus supostos cúmplices. Contudo, o tal homem do guarda-chuva foi identificado e nada tinha a ver com o atentado.

Outra teoria sugere que o tiro que matou Kennedy foi disparado pelo seu motorista, que pretenderia atingir Oswald. O exame cuidado do filme disponível demonstra que o condutor não retirou as mãos do volante.  

A máfia também entrou no rol dos suspeitos. O irmão de Kennedy, Robert, terá chegado a pensar que as suas tentativas de levar a máfia a tribunal foi teriam resultado na eliminação física do presidente.

Os especialistas rejeitaram também essa probabilidade.

Uma hipótese mais sinistra envolve a CIA e até o vice-presidente Lyndon Johnson. Roger Stone no livro O homem que matou Kennedy: The case agains LBJ., com autoria de Mike Coalpietrom, também aproveitado por Oliver Stone para o seu filme, afirma que Johnson foi o responsável pela morte do seu presidente. A teoria não recolheu suporte dos historiadores.

Segundo alguns, os serviços secretos americanos sabiam do plano de Lee Oswald. Não o intercetaram, por lhes convir a eliminação do presidente.

Outra confabulação sugere que não foi Oswald, mas um seu sósia, treinado pela KGB, quem matou o presidente. O corpo de Lee Oswald chegou a ser exumado. Era mesmo ele que estava enterrado no cemitério de Forth Worth.

Donald Trump não resistiu a formular também a sua teoria pessoal. Ao discutir com o senador do Texas Ted Cruz a nomeação presidencial pelo Partido Republicano, afirmou que o pai do seu adversário tinha sido fotografado junto a Oswald dias antes do assassinato. A suposição baseava-se num artigo de 2016 da National Enquirer de que constava uma fotografia que mostraria Oswald e Rafael Cruz distribuindo panfletos a favor de Fidel Castro em Nova Orleães. Trump nunca se retratou daquela história mal contada.

Recentemente, o presidente Donald Trump permitiu tornar públicos os arquivos secretos sobre o assassinato de John Kennedy. Trata-se de mais de três mil documentos. No entanto, Trump recuou e manteve a confidencialidade de alguns ficheiros, em nome da segurança nacional. As expectativas de alguns observadores centram-se na viagem efetuada por Oswald ao México, dois meses antes do assassinato.

Os artigos até agora divulgados permitem supor que o FBI teria sido alertado para a possibilidade da morte do presidente. Terá informado o chefe da Polícia de Dallas, que não tomaria a tempo medidas suficientes para evitar o crime.

Por outro lado, Oswald estaria a ser investigado pelo FBI, alegadamente pelas suas ligações a Cuba.

De acordo com outro documento divulgado, fontes soviéticas desconfiavam de que a morte do presidente americano faria parte de uma tentativa da extrema-direita dos E.U.A. para dominar o país.

Segundo outro ficheiro, Lee Oswald deslocou-se à embaixada da URSS em setembro de 1963. Poderá ter contactado com um agente da KGB. 

É possível, mas pouco provável, que os documentos ainda guardados nos arquivos americanos forneçam mais dados que permitam esclarecer a morte de Kennedy.

Estou convencido de que se tratou realmente de um ato isolado de um indivíduo com traços paranóides na sua personalidade.