DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 30 de março de 2018



No bicentenário do nascimento de Karl Marx

II


No dia cinco do próximo mês de maio irão contar-se duzentos anos sobre o nascimento de Karl Marx.
Marx nasceu na Prússia, no seio de uma família da classe média, de origem judaica. Iria morrer aos 64 anos, em Inglaterra, sendo sepultado como apátrida. É considerado por muitos como uma das personalidades mais influentes da História da Humanidade.
Marx interessou-se primeiro pelo Direito e depois pela Filosofia. Chegou a Berlim em 1936. Contava dezoito anos. Hegel, que fora professor e reitor dessa universidade, falecera cinco anos antes. A sua herança estava bem presente e Marx associou-se ao movimento dos jovens hegelianos.
O seu pensamento filosófico foi influenciado pela filosofia alemã de Kant, Hegel e Feuerbach.

                              Hegel
Para Hegel, o mundo estava em constante movimento e progredia de forma dialética graças ao choque permanente entre os opostos. O Espírito do Mundo representava a consciência humana universal e manifestava-se na ideia de Deus. A origem da organização social assentava nas ideias dos homens.
Depois de conhecer a obra de Feuerbach, Marx continuou a aceitar a progressão dialética do mundo, pondo, no entanto, de lado o conceito de Espírito do Mundo e a filosofia idealista. Para ele, a existência material precedia o pensamento. Não eram as ideias dos homens que faziam evoluir a sociedade, mas sim as suas ações concretas, o seu trabalho. A filosofia devia incidir sobre a realidade. As transformações seriam conseguidas pela união entre teoria e prática, pela aliança do pensamento à prática revolucionária. Desenvolvia-se assim a dialética materialista.  

                            Proudhon
As ideias sociais de Karl Marx evoluíram a partir do socialismo utópico de Saint-Simon, Owen, Blanc e Proudhon. Os socialistas utópicos aceitavam que o comportamento humano era determinado pela moral e pela ideologia e que o grau de desenvolvimento das civilizações ocidentais iria permitir a entrada numa nova era caracterizada pela harmonia social. Marx aceitou as ideias de que o aumento da capacidade de produção derivado da revolução industrial iria permitir melhorar as condições de vida da população e que as crenças ideológicas dos indivíduos lhes moldavam o comportamento. Acusou, contudo, os socialistas utópicos de ingenuidade e de não apontarem caminhos para a sociedade ideal.

                           David Ricardo
O terceiro pilar do pensamento de Karl Marx, as suas conceções económicas, tiveram como ponto de partida as obras dos economistas políticos ingleses Adam Smith e David Ricardo. A Ricardo, em especial, Marx foi buscar conceitos essenciais, como os de valor, mais-valia e divisão social do trabalho. O nome do economista britânico é de origem ibérica. Ricardo era descendente de judeus sefarditas que emigraram de Amesterdão para a Inglaterra.
Karl Marx doutorou-se em Filosofia aos 23 anos de idade, mas não teve oportunidade de seguir uma carreira académica. Em 1942, mudou-se para Colónia e tornou-se redator-chefe da Gazeta Renana. Foi nesse ano que conheceu Friederich Engels, que iria seu amigo ao longo de toda a vida. Foi também por essa altura que começou a formular a sua teoria da conceção materialista da história.
Despedido da Gazeta Renana por hostilizar o governo prussiano, foi expulso sucessivamente de França, da Bélgica e da Alemanha. Acabou por se instalar em Londres onde passaria a segunda metade da sua vida.

quarta-feira, 28 de março de 2018



 KARL MARX

I


Comemora-se, este ano, o segundo centenário do nascimento de Karl Marx, o economista, filósofo e político que ajudou a fundar a sociologia como ciência. Há quem diga e escreva que se tratou de uma das personalidades mais influentes na História da Humanidade, logo a seguir a Jesus Cristo. 
Eu fui cristão e depois marxista, em fases sucessivas dos meus anos mais verdes. Hoje não sou uma coisa nem outra. Deixei de acrescentar “ismos” ou “istas” à minha forma de pensar, que nem sequer é bem sistematizada e assenta mais em dúvidas que em convicções. Esse facto não retira Cristo nem Marx do meu património cultural. Foram ambos humanistas.
Em termos de solidariedade moral e social, Karl Marx foi, a meu ver, mais além que Jesus Cristo, o que não é de admirar, dados os quase dois milénios que separam os pensamentos de ambos. “De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades” é um princípio que, no meu entender, ultrapassa as normas cristãs de fraternidade.
Tenciono ir apresentando, neste blogue, algumas reflexões sobre Karl Marx, o marxismo e as implicações que tiveram no mundo. É provável que especule sobre as que poderão vir a ter no futuro.



AR CONDICIONADO


Quem possui memória sabe que o nosso país tem evoluído muito em quase todos os aspetos da atividade laboral. No entanto, o progresso não chegou a todos ao mesmo tempo. A história que vou contar aconteceu em Setúbal, há cerca de quatro anos.
Mandei montar no meu quarto de dormir um aparelho de ar condicionado. Adquiri a máquina, de fabrico português, numa grande superfície comercial do distrito, com quem contratei a instalação.
Ao fazer a remodelação da casa centenária que habito, tive o cuidado de encomendar a colocação de pré-instalações de ar condicionado em diversos compartimentos. O artista que veio montar o aparelho desdenhou olimpicamente dos dispositivos preparados e ligou-os onde muito bem entendeu. Calei-me, após uma única observação, aliás mal aceite. Quem era eu para contestar as opiniões do técnico?
Durante algum tempo, tudo correu bem. No começo do segundo verão, o aparelho de ar condicionado negou-se a trabalhar.
Como estava dentro do período de garantia, telefonei ao vendedor, que me forneceu o contacto do fabricante.
O técnico nem tardou a chegar. Observou rapidamente o aparelho e transmitiu-me as suas conclusões. A placa tinha-se queimado e a culpa era da EDP, que permitiria “picos” excessivos de energia. O fabricante não tinha responsabilidades no processo. Eu deveria entender-me com a distribuidora de eletricidade.
Tive vergonha de confessar que não fazia a mínima ideia do que fosse a tal placa, mas pedi-lhe que registasse a sua opinião por escrito, ao que ele acedeu. Ainda tenho esse papel guardado em algum sítio.
Armado com o douto parecer, contactei a EDP. A resposta foi contrária à do técnico: todos os circuitos elétricos sofriam alterações de tensão e os aparelhos deveriam estar preparados para os suportar.  
Voltei a contactar o técnico. O homem não tinha dúvidas. A responsabilidade era, definitivamente, da EDP.
Já não sabia que fazer. Encontrava-me num impasse. Comprara um aparelho que estava dentro do prazo de garantia e que deixara de funcionar. Nem o fabricante, nem o fornecedor de energia elétrica assumiam a responsabilidade pela avaria.
Estava eu a debater o assunto com a minha mulher, quando aconteceu o milagre. O aparelho de ar condicionado voltou a funcionar. Afinal, a tal placa regenerara.
A explicação não requeria conhecimentos especializados. A São encostara-se à parede e acionara inadvertidamente o interruptor do circuito, tapado por uma cortina.


Passaram mais de três anos e o aparelho continua a trabalhar. Não sei que será feito do tal “técnico”. Não lhe dei esta notícia, mas ele terá recebido outras semelhantes. Espero que tenha aprendido, pelo menos, alguma modéstia.

terça-feira, 27 de março de 2018




COINCIDÊNCIAS

Há cinco dias, pouco antes da hora do jantar, ouvi tocar à campainha. Eu estava cá em cima, no escritório. A minha mulher preparava a refeição, enquanto o meu neto António se entretinha com um jogo de computador.


A São abriu a porta. Quem tinha tocado era um bombeiro alto, com fato de trabalho limpíssimo. Estava outro colega, logo atrás.
− Têm fogo em casa?
− Fogo? Nós?
A minha mulher chamou-me.
− Desce, que estão aqui os bombeiros.
Desci.
− Têm a lareira acesa?
− Sim, respondi. – Como quase todos os dias, quando faz frio.
− Podemos entrar?
− Com certeza!
Entraram. Na lareira ardia um lume baixo. A sala tinha o aspeto do costume.
− Não notaram nada de especial?
Eu e a São entreolhámo-nos. Foi ela que respondeu:
− Não.
− Bem… Telefonaram para o quartel a avisar dum fogo que saía da chaminé.
− A chaminé está a arder? – Perguntei eu.
− Não. Só se vê fumo.
Saí com eles e fiquei surpreendido. Tinha ouvido o som de sirenes mas, como eram frequentes, não lhes dera importância. Frente à minha porta, estavam estacionados dois camiões de combate a incêndios e dois jipes. As luzes piscavam e o trânsito na rua havia sido interrompido. Um magote de curiosos juntara-se no passeio oposto. Da chaminé, saia o fumo do costume.
Atravessei a rua. Estavam lá alguns rostos conhecidos.
− Eu vi chamas a sair duma chaminé – declarou um vizinho que eu conhecia de ver passar a passear o cão.
− Da minha?
− Não sei bem. Era dessa direção...
Presumi que tivesse sido ele a dar o alarme.
O bombeiro que me tocara à campainha – supus que fosse o chefe – declarou:
− Foi alarme falso. Vamos embora.
Agradeci-lhe, do coração, porque me tinham feito sentir protegido. Abriguei-me do vento na portada. Fazia frio.
Os veículos dos bombeiros foram-se embora e o trânsito voltou à normalidade.
Acho que nunca tinha mandado limpar a chaminé. Era coisa que tinha já tardado demais.
Na manhã seguinte, encontrei na caixa do correio um cartão de propaganda dum limpa-chaminés. Coincidência?