DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 28 de março de 2018



AR CONDICIONADO


Quem possui memória sabe que o nosso país tem evoluído muito em quase todos os aspetos da atividade laboral. No entanto, o progresso não chegou a todos ao mesmo tempo. A história que vou contar aconteceu em Setúbal, há cerca de quatro anos.
Mandei montar no meu quarto de dormir um aparelho de ar condicionado. Adquiri a máquina, de fabrico português, numa grande superfície comercial do distrito, com quem contratei a instalação.
Ao fazer a remodelação da casa centenária que habito, tive o cuidado de encomendar a colocação de pré-instalações de ar condicionado em diversos compartimentos. O artista que veio montar o aparelho desdenhou olimpicamente dos dispositivos preparados e ligou-os onde muito bem entendeu. Calei-me, após uma única observação, aliás mal aceite. Quem era eu para contestar as opiniões do técnico?
Durante algum tempo, tudo correu bem. No começo do segundo verão, o aparelho de ar condicionado negou-se a trabalhar.
Como estava dentro do período de garantia, telefonei ao vendedor, que me forneceu o contacto do fabricante.
O técnico nem tardou a chegar. Observou rapidamente o aparelho e transmitiu-me as suas conclusões. A placa tinha-se queimado e a culpa era da EDP, que permitiria “picos” excessivos de energia. O fabricante não tinha responsabilidades no processo. Eu deveria entender-me com a distribuidora de eletricidade.
Tive vergonha de confessar que não fazia a mínima ideia do que fosse a tal placa, mas pedi-lhe que registasse a sua opinião por escrito, ao que ele acedeu. Ainda tenho esse papel guardado em algum sítio.
Armado com o douto parecer, contactei a EDP. A resposta foi contrária à do técnico: todos os circuitos elétricos sofriam alterações de tensão e os aparelhos deveriam estar preparados para os suportar.  
Voltei a contactar o técnico. O homem não tinha dúvidas. A responsabilidade era, definitivamente, da EDP.
Já não sabia que fazer. Encontrava-me num impasse. Comprara um aparelho que estava dentro do prazo de garantia e que deixara de funcionar. Nem o fabricante, nem o fornecedor de energia elétrica assumiam a responsabilidade pela avaria.
Estava eu a debater o assunto com a minha mulher, quando aconteceu o milagre. O aparelho de ar condicionado voltou a funcionar. Afinal, a tal placa regenerara.
A explicação não requeria conhecimentos especializados. A São encostara-se à parede e acionara inadvertidamente o interruptor do circuito, tapado por uma cortina.


Passaram mais de três anos e o aparelho continua a trabalhar. Não sei que será feito do tal “técnico”. Não lhe dei esta notícia, mas ele terá recebido outras semelhantes. Espero que tenha aprendido, pelo menos, alguma modéstia.

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