DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 17 de março de 2016


JANUS EM ÁFRICA


Jano (Janus em latim), o deus das duas faces, foi a divindade romana das mudanças. Tinha poder sobre todos os começos, incluindo o nascimento e a morte. A sua figura era associada às portas, que permitiam as entradas e saídas. A face dupla permitia-lhe vigiar o passado e o futuro. Era o deus dos inícios, das decisões e das escolhas. O seu nome está associado às trocas e às colheitas, aos navios e às moedas.  Presidia ao começo e ao fim dos conflitos e, por inerência, à guerra e à paz. De certo modo, representava o tempo.
A ideia de deuses com várias caras deixou vestígios em civilizações distanciadas no tempo e na geografia. Os deuses de duas ou mais faces apareceram primeiro na Babilónia e foram comuns no panteão hindu. Na Escandinávia, foram representados pelo deus Heimdallr, nascido no começo do tempo.
Na África Ocidental, são relativamente frequentes as estatuetas e as máscaras com duas ou mais cabeças. Parte delas refere-se a gémeos. Outras terão diferente significado. Encontraram-se na Nigéria, na Costa do Marfim, na Serra Leoa, nos Camarões e no Congo, entre outros lugares.
    Na falta de informação suficiente, fico inclinado a extrapolar para as máscaras de duas faces a interpretação geralmente atribuída às duas cabeças do cão Kozo, que auxilia os feiticeiros: uma serve para ver o mundo de cá e a outra, o Além. As visões do passado e do futuro terão uma relação indireta com estas funções.
Possuo duas máscaras com mais de uma face. São tão diferentes que é difícil imaginar contextos semelhantes para ambas.


Uma delas poderá ter sido feita para ser pendurada. É contudo, de madeira muito leve e tem orifícios que poderiam permitir a adaptação duma cabeleira. Mede 35 cm de altura e 23 de largura e conserva vestígios de caulino branco. É fácil encontrar fotografias de máscaras semelhantes em livros ou na Internet. É associada ao povo Lenga ou Lengala, da República Democrática do Congo. Provavelmente, é produzida para comercialização.


A outra é uma máscara-elmo antropomórfica e encimada por duas cabeças e por uma estatueta de mulher. Tem 64 cm de altura e a base mede 37 por 27 cm. Pesa 11 kg, o que a torna incómoda de transportar sobre os ombros. Poderá destinar-se a outra finalidade.


Procurei imagens de exemplares semelhantes nos livros que tenho e na Internet. Não encontrei nenhuma igual. A mais aproximada remonta ao povo Fang, que se distribui pelo Gabão, Guiné Equatorial e sul dos Camarões. No entanto, as diferenças são substanciais.



Comprei a minha há alguns anos, num antiquário de Grândola. Continua à espera de conhecer a sua proveniência.