OS
SEM-ABRIGO DA MADEIRA
Não visitava a Madeira há
muitos anos. Surpreendeu-me a quantidade de pedintes e de “sem-abrigo” que se
veem nas ruas centrais do Funchal. Preferem a parte antiga da cidade, mais frequentada
por turistas.
É verão. Alguns
refugiam-se em locais difíceis de imaginar. Dei com dois deitados debaixo de um
banco de madeira rodeado por uma estrutura de cimento. Não os
protegerá da chuva, se ela cair.
A maior parte deles nem
parece infeliz. Será do álcool, das drogas, da natural resiliência humana, ou
do conjunto de alguns desses fatores.
Enquanto almoçávamos na
esplanada de um restaurante situado numa rua estreita da cidade velha, passou
por nós um homem barbudo de meia-idade. Trazia uma viola na mão, mas não
tocava. Limitava-se a pedir esmola. Minutos depois, voltou a passar, a correr,
em sentido contrário. Perseguia-o um jovem magro de cabelo alourado. Alcançou o
da barba e agrediu-o a murro. O outro defendeu-se como pôde. Levantei-me com a
intenção de me interpor entre os contentores, mas a minha mulher segurou-me a
camisa e lembrou-me os anos que conto.
Dos circunstantes, ninguém
mais reagiu. Apareceram dois outros supostos marginais e separaram-nos. O
rapazito loiro afastou-se, mas por pouco tempo. Regressou, numa correria
desenfreada, de encontro ao homem barbudo. Deitara para o chão a camisola de
manga curta, provavelmente para ficar com aspeto mais belicoso. Assistimos a
mais alguns momentos de pugilato.
Alguém, num dos
estabelecimentos comerciais vizinhos fez soar um alarme ruidoso. A luta interrompeu-se
e o pequeno grupo de marginais dispersou. Veio ao de cima a solidariedade. Via-se
que se ajudavam uns aos outros a escapar da polícia que não tardaria. Quando os
agentes chegaram, a rua estava tranquila.
Alguém, numa mesa vizinha,
referiu que aqueles conflitos eram frequentes. A motivação residiria na delimitação
dos territórios para a mendicidade e para o pequeno tráfico de droga.
Voltei a ver o pedinte
pugilista dois dias depois. Era domingo e esperava, à porta duma igreja, a
saída dos fiéis. Aparentava vinte e
poucos anos e tinha um ar saudável, mas não mostrava pejo em esmolar.
Desconheço a situação
económica da ilha da Madeira. Terá sido agravada pela pandemia, como aconteceu
em todos, ou quase todos os territórios em que o turismo representa uma atividade
essencial, mas aquela miséria não parecia recente. Eu diria que era endémica. Por
outro lado, os infelizes que quase parecem exibir-se nas ruas mais cosmopolitas
da ilha poderão representar apenas uma minoria com pouco significado na demografia
da Região.