DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019



LOMONOSSOV, LAVOISIER 

E O BIG BANG

Mikhail Lomonossov

O jornal “Público” de sexta-feira, dia 27 de dezembro, trazia um interessante artigo de Teresa Firmino sobre os quasares e os buracos negros. A jornalista preparou cuidadosamente o seu trabalho e fê-lo assentar, em parte, numa entrevista feita ao astrofísico português Tiago Costa.
Para benefício dos leitores, transcrevo, truncadas, algumas informações. “Um quasar é o núcleo ativo de uma galáxia. A sua luminosidade pode exceder a luminosidade combinada de todas as estrelas da galáxia onde se situa. Pensa-se que a grande quantidade de energia libertada por um quasar é gerada por material em queda para um buraco negro. Os buracos negros têm uma gravidade tão forte que nem a luz de lá consegue sair”.
Mais adiante, a articulista cita o astrofísico: “ os primeiros quasares formaram-se em galáxias singulares, à volta das quais existem vastas quantidades de gás que alimentam continuamente a formação de estrelas e o crescimento dos buracos negros que residem nos seus núcleos”.
Cumprimento Teresa Firmino pelo seu artigo e Tiago Costa pela sua participação num grande projeto internacional de investigação. A jornalista faz uso da teoria do início do Universo, tal como (julgo eu) é ensinada nas escolas: “A idade atual do Universo anda à volta de 13.800 milhões de anos, quando ocorreu o Big Bang que deu origem a tudo, ao espaço e ao tempo”.   
Lá se entornou o caldo… Então o Espaço e o Tempo tiveram começo e poderão ter fim? No final do Espaço haverá alguma parede a delimitá-lo? E se existe, que haverá para além dela? Quem a construiu? E o que é que existia antes do começo do Tempo? Não digo “na véspera”, por ser uma noção conotada com a rotação do nosso planeta…
Essas perguntas são velhas. Fazem-se na fronteira entre a Física e a Filosofia e vêm sendo repetidas há centenas, talvez há milhares de anos. A melhor resposta que conheço para elas foi dada por Antoine-Laurent de Lavoisier, que foi guilhotinado pelos seus compatriotas em maio de 1794, alegadamente por ter posto à venda tabaco adulterado.

                             Lavoisier
Lavoisier é considerado um dos fundadores da química moderna. Identificou o oxigénio e o hidrogénio e descobriu a composição da água e o papel do oxigénio na combustão. Escreveu a primeira lista de elementos químicos e formulou o princípio de conservação da matéria, segundo o qual “na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. O essencial da ideia tinha sido exposto, 14 anos antes pelo grande cientista russo Mikhail Lomonossov, sem que as suas descobertas fossem divulgadas fora das fronteiras da Rússia.

                    Os "buracos negros não são visíveis
Tenho lido recentemente um ou outro artigo que contesta timidamente a teoria do Big Bang. Que é que acontece a um buraco negro a dada altura da sua evolução? Provavelmente explode. Teremos outro “Big Bang” e uma nova porção de Universo. O artigo refere (e bem) a madrugada cósmica. No meu modo de ver, os criadores da teoria do Big Bang viram a árvore sem discernirem a floresta. A nível cósmico tais explosões não passarão de novas madrugadas.
Há conceitos que parecem óbvios, pelo menos para os ateus, como eu. No Cosmos, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. 
    Nem o Espaço, nem o Universo têm limites. O Tempo não teve início, nem terá fim. Se uma porção do Universo se estiver a dilatar, outras, mais ou menos distantes, estarão a encolher.
Curiosamente Lavoisier não sabia  que era filósofo... 



sábado, 21 de dezembro de 2019





NOVO AEROPORTO DE LISBOA


MONTIJO OU ALVERCA?



Não sou engenheiro, mas parece-me natural procurar informar-me sobre uma obra polémica que os meus impostos ajudarão a custear.
Não será necessário ser militar para ter interesse pela política de defesa nacional, nem ser médico ou enfermeiro para me preocupar com o Serviço Nacional de Saúde.
Um amigo meu de longa data, o engenheiro Segadães Tavares, está envolvido no projeto de desenvolvimento aeroportuário alternativo ao Montijo. Consiste, essencialmente, em prolongar na direção de Alverca o Aeroporto da Portela.
Segadães Tavares é um dos engenheiros portugueses de maior prestígio. Autor da célebre “pala” do Pavilhão de Portugal, recebeu o mais alto galardão internacional até agora atribuído a um engenheiro português, o Prémio OstrA. Foi premiado pelo seu Projeto de ampliação da Pista do Aeroporto do Funchal. Pedi-lhe que me enviasse informação sobre este novo plano. Acedeu prontamente.
O projeto assenta na criação de uma ilha artificial “híbrida”. A pista será construída sobre uma lâmina de água, solução já testada na Madeira. Passarão a existir duas pistas paralelas, com 3.100 e 4.000 metros de extensão, respetivamente.
A quantidade e a qualidade dos argumentos aduzidos em defesa do novo aeroporto Portela - Alverca são impressionantes.
No modo de ver da equipa que propõe esta solução, tudo parece favorável ao novo projeto: o custo, a acessibilidade, a segurança e o incómodo para os moradores das áreas vizinhas.
 Há diversas constatações que merecem leitura atenta. Assim:
“Não existe nenhum aeroporto importante na Europa apenas com uma pista”.
”Não se constroem há dezenas de anos pistas comerciais com distância de aterragem de apenas 2.050 metros”
“O custo da obra será significativamente inferior à do Montijo”.
“O projeto maximiza a utilização das infraestruturas já existentes.
“Representará a “salvação” da TAP, a médio e longo prazo”.
“A probabilidade de ocorrência de acidentes aéreos para as pessoas sobrevoadas é 10 vezes inferior à da solução Montijo”.
“A abundância de aves na margem norte do Tejo é muito inferior à da margem sul”.
Aparentemente, os interesses da companhia Vinci, que defende a solução Montijo, parecem muito diferentes dos interesses do povo português.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2019




     A MINHA OBRA LITERÁRIA


Gostei sempre de ler e de escrever.
Publiquei, em 1953, o meu primeiro conto, no jornal diário “ABC”, de Luanda. Contava dez anos de idade.


Seis anos depois, publiquei o primeiro poema na revista “Padrão”, do Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira.
Sou médico desde 1967. A minha atividade profissional impôs limites à tentação literária, sem nunca a extinguir. O meu segundo conto foi publicado no Porto, no “Jornal de Notícias”, creio que em 1983.



Perto da idade da reforma, passei a escrever e a publicar com alguma regularidade. Deixo aqui a lista do que fui escrevendo.

             LIVROS E DISTINÇÕES


                   PUBLICADOS






Mulemba, Contos de África. Europress, 2003.

No tempo do Caparandanda  (seleção e revisão 

de contos tradicionais angolanos). Europress, 2004.
  
Também publicado “on line” em Amazon/

/Kindle, 2018, como "Contos angolanos".













O diário de Salazar (Biografia sob a forma
de diário) Parceria A.M. Pereira, 2004.
Eu, Camilo (Biografia sob a forma de diário). 
Parceria A.M. Pereira,2006











Os Colonos (romance). Esfera do Caos, 2007.
Também publicado em Leya "on line", em 2013.
A última Profecia (romance). Esfera do Caos, 2007.
Também publicado "on line" em Kindle/Amazon,
em 2018.   
   










Retornados (romance). Editorial Cristo Negro, 2009. 
Prémio Fialho de Almeida (SOPEAM) 2009.
1910 (romance). Editorial Cristo Negro, 2009.











Lubango (romance). Editorial Cristo Negro, 2010.
República, Luz e Sombra (romance). Parceria 
A. M. Pereira, 2010.










O túmulo de Camões (romance). Fronteira do 
Caos, 2012.
Guerra da Guiné (ensaio). Editorial Cristo Negro, 
2014.









Ofício de contar (conjunto de contos). DLC da Universidade de Aveiro, 2014. 
Prémio Aldónio Gomes. 
Bocage no oriente. LASA, 2014. Prémio de ensaio 
LASA.












O Geronte dos Mares e outras histórias. Editorial
Cristo Negro, 2014. Inclui a novela Geronte dos Mares,
menção  honrosa (2º lugar) no Prémio Lions 2014.
Gil Eannes (San Jones). Fundação Gil Eannes, 
2019. Menção honrosa (2º lugar), no Prémio João 
Gaspar Simões 2016/2017.



O diário de Antero Maleano. Câmara Municipal de 
Portimão, 2019. Prémio Manuel Teixeira Gomes.
  

O homem do sobretudo cinzento foi publicado apenas on line   (Kindle, Amazon,) 2019.                                                                               
O conto A lagartixa (1ª menção honrosa, IV prémio literário Cidade Poesia (Bragança Paulista), 2014, foi incluído numa antologia.

                           POR PUBLICAR
O dia em que Deus começou a desmontar o mundoÉ o meu livro mais premiado. Recebeu, em 1917, sob a forma de conjunto de contos, uma
menção honrosa da União Brasileira de escritores (UBE RJ). No mesmo ano,  apresentado como conto independente, o capítulo "Ruacaná" 
recebeu uma Menção Honrosa no II Concurso Internacional de 
de Cuentos  y Poesias "Cataratas Maravilla Natural” (Argentina). 
Em outubro de 2019, foi honrado com o Prémio Adriano Moreira da Lusofonia. 

Spínola  (drama histórico).      
    
Santuário. Com o título de  “ O entardecer da fé”   obteve uma menção honrosa no concurso de 1917 da UBE – RJ.
            
A casa da Viola Quebrada

A ocidental praia lusitana     Menção honrosa UBE 2019

Contos com anjos    3º lugar   prémio João do Rio, UBE  2019


Espero, naturalmente, que este balanço seja provisório. Abraços aos leitores!

sábado, 14 de dezembro de 2019




PRÉMIO MANUEL TEIXEIRA GOMES

Transcrevo a notícia de Sul Informação, datada de 9/12/2019



A novela “O Diário de Antero Maleano”, de António Trabulo, venceu a edição deste ano do Prémio Literário Manuel Teixeira Gomes, que foi entregue quinta-feira, dia 12 de dezembro, numa cerimónia inserida nas Comemorações Oficiais do Dia da Cidade e marcada para a Biblioteca Municipal Manuel Teixeira Gomes, a partir das 21h00.
O júri da edição 2019 decidiu, por consenso, atribuir o Prémio a este romance que acompanha a vida de um matador solitário, que espera pela próxima encomenda: a que indicará uma nova vítima, a mando de uma organização representada por um tal Demócrito.
Na cidade de Setúbal, Antero recorda um percurso cheio de peripécias em geografias tão diversas como os Balcãs, a América do Sul ou os Estados Unidos. Isto enquanto nos revela um dia-a-dia de tédio e de poucos contactos no espaço limitado do bairro onde tem um apartamento e de onde raramente se afasta
Segundo o júri, «o registo diarístico coloca-nos perante uma escrita simples, objetiva e muito segura, marcada quase sempre pelo inesperado. O amor, a solidão, os traumas, a esperança, o desejo, a amizade, a indiferença, tudo isto está neste diário criado por António Trabulo. Talvez o maior espanto, ao lê-lo, venha da forma seca como os factos nos são apresentados, criando no leitor a sensação de falta de futuro, que é o que parece acontecer com o próprio Antero e com as personagens que surgem à sua volta.»



António Trabulo nasceu em Almendra (Foz Coa), em 1943. Fez os ensinos primário e secundário em Sá da Bandeira (atual Lubango), Angola. Estudou em Coimbra e cumpriu o serviço militar no navio hospital Gil Eannes. Médico aposentado, foi Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital dos Capuchos, em Lisboa. É presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos. Publicou romances, novelas, contos, biografias e ensaios.
O Prémio Literário Manuel Teixeira Gomes destina-se a todos os autores nacionais, a cidadãos de países de língua oficial portuguesa, cidadãos comunitários e, ainda, a demais cidadãos estrangeiros com situação regularizada de permanência em Portugal.
Para além de constituir uma justa homenagem ao respetivo patrono, cuja vida e obra se encontram intimamente ligados a Portimão, ao Rio Arade e ao próprio Algarve, consubstancia iniciativa de especial relevância no âmbito da literatura nacional.


sexta-feira, 29 de novembro de 2019




    ROMANCE GIL EANNES/SAN JONES



Fui médico do navio Gil Eannes, nos mares da Terra Nova e da Gronelândia, nas campanhas de 1970 e 1971.
O meu romance Gil Eannes / San Jones, editado pela fundação Gil Eannes, foi apresentado no passado dia 16, a bordo no navio hospital, em Viana do Castelo. O mesmo livro, com o nome “San Jones” obteve uma menção especial do júri (equivalente ao 2º lugar) na edição 2016/2017 do Prémio João Gaspar Simões.
Até à data, 13 obras literárias minhas, distribuídas por romance, conto, ensaio e novela receberam distinções. Curiosamente, cinco foram concedidas no Brasil e uma na Argentina.
Um dia destes deixo aqui a lista…


domingo, 20 de outubro de 2019




Bragança

Primeiro prémio Literário da Lusofonia foi para António Trabulo 



O neurocirurgião António Trabulo foi o vencedor do I Prémio Literário da Lusofonia Professor Doutor Adriano Moreira, entregue sexta-feira à noite, no Teatro Municipal de Bragança.
Com este galardão "homenageia-se um dos mais ilustres transmontanos e um dos mais respeitados e admirados na comunidade científica nacional e internacional", referiu fonte do município brigantino, entidade que organizou a iniciativa. A escolha de António Trabulo, um neurocirurgião aposentado, natural de Almendra, no concelho de Vila Nova de Foz Côa, foi feita num conjunto de 45 trabalhos candidatos, dos quais 35 de Portugal, nove do Brasil e um de Espanha. O escritor publicou o seu primeiro livro de ficção em 2002.


sábado, 2 de fevereiro de 2019


                                 D. JOÃO V 


                E O CONVENTO DE MAFRA




D. João V era filho de Pedro II, provavelmente um sifilítico, e de sua segunda esposa, D. Maria Sofia de Neuburg. Segundo Júlio Dantas, D. Pedro terá sido contagiado pela sua primeira mulher, Maria Francisca Isabel de Saboia, que terá trazido de França a infeção.
João, que viria a ser o quinto rei do seu nome em Portugal, nasceu em Lisboa, a 22 de outubro de 1689 e faleceu, na mesma cidade, a 31 de julho de 1750. Durante o seu reinado, foi desembarcada, em média, no porto de Lisboa, uma tonelada de ouro por ano.
A riqueza, que não resultava do trabalho dos seus súbditos em Portugal, inchou-lhe o ego e permitiu-lhe mandar erigir obras megalómanas: a Basílica Patriarcal de Lisboa, a Biblioteca da Universidade de Coimbra e, claro está, o Convento de Mafra.
D. João V governou como monarca absoluto. Nunca convocou as Cortes. Mandou em Portugal durante mais de 43 anos.
Alguns cronistas trataram-no mal. Chamaram-lhe estúpido, vaidoso e mulherengo. Houve quem sugerisse que era bissexual.
Sabe-se que o rei era beato e propenso à lascívia. Teve inúmeras mulheres. Gerou seis filhos legítimos e uma mão cheia de bastardos.
Pagava generosamente os seus favores. Tanto quanto se sabe, alimentou apenas uma paixão: Madre Paula fê-lo percorrer, vezes sem conta, o caminho do convento de Odivelas.
Fortunato de Almeida defende o soberano: vícios pessoais são estranhos aos domínios da História, enquanto não perturbarem os negócios públicos. De facto, durante o seu reinado, Portugal ganhou prestígio junto da comunidade internacional.
Ouçamos, agora Oliveira Martins, que faz de advogado do diabo: Mafra levou, em dinheiro e gente, mais do que Portugal valia.
Joel Serrão tem uma postura mais abrangente e, a meu ver, mais ajustada à realidade histórica. Ouçamo-lo:
Quando D. João V iniciou o seu reinado, estava-se em plena Guerra da Sucessão de Espanha que, para Portugal, significava o perigo das ligações daquele país à grande potência continental que era a França, com todas as consequências de reforço do perigo espanhol, tanto na metrópole como no ultramar. O esforço militar português era manifestamente desproporcionado em relação às suas responsabilidades e interesses…
… A subida ao trono austríaco do imperador Carlos III, pretendente ao trono de Espanha, criou o ambiente próprio para a paz que foi assinada no Tratado de Utreque, em 1714.
D. João V permaneceu inalteradamente fiel aos seus interesses atlânticos, comerciais e políticos. No conjunto, seguiu uma orientação de neutralidade face à Europa. Casou com uma princesa austríaca, Mariana de Áustria.
 O rei verificou cedo que a Áustria ficava demasiado distante para poder ser uma aliada eficaz.
Como a ligação à Espanha era manifestamente perigosa, restava a aliança inglesa que, além disso, oferecia múltiplas vantagens estratégicas e comerciais.
É de notar que Portugal exportava sal, couros, vinho, tabaco e citrinos, vendidos a bom preço nos países do norte da Europa.
Estou inclinado a dar razão a Fortunato de Almeida. Apesar dos seus desmandos, o rei contribuiu, com a sua governação, para a paz e para o desenvolvimento do país.
Voltemos a ocupar-nos das obras grandiosas que mandou edificar.


Poucos porão em dúvida a utilidade do Aqueduto das Águas Livres, que minorou o problema crónico de abastecimento de água à capital do Reino. Um alvará régio de D. João V impulsionou o projeto, embora nem o rei, nem a corte se tenham envolvido diretamente no empreendimento. A iniciativa da construção pertenceu ao procurador da cidade de Lisboa, Cláudio Gorgel do Amaral. O aqueduto foi financiado por um imposto adicional sobre a carne, o vinho e o azeite vendidos em Lisboa. As obras começaram em 1731 e arrastaram-se até 1799 (Saraiva). O segmento que atravessa o vale de Alcântara, com quase um quilómetro de comprimento, tem uma beleza invulgar.  
A Biblioteca dita joanina da Universidade de Coimbra representou um esforço no sentido de pôr ao alcance de estudantes e professores o que de melhor se publicava no mundo das ciências. Trouxe, seguramente, vantagens duradouras à instituição. É razoável pensar que se poderia ter conseguido o mesmo efeito com um investimento bem menor, mas o que está feito, está feito, e as suas instalações são visitadas anualmente por muitos milhares de turistas vindos de todas as paragens.
A Basílica Patriarcal de Lisboa foi derrubada pelo terramoto de 1755. Poucos se lembram dela e não entrará nas nossas contas.
Resta-nos Mafra. Confesso que o monumento constitui, para mim, uma referência especial. Habitei uma das alas do convento, de outubro a dezembro de 1969, acompanhado por 600 outros cadetes que frequentavam o Curso de Oficiais Milicianos, na Escola Prática de Infantaria, que ali funcionava. A E.P.I. foi desactivada em 2013 e substituída pela  Escola das Armas do Exército Português.


O Exército Português formava, nesse edifício, os oficiais milicianos de baixa patente que iriam comandar pelotões ou companhias, numa das três frentes da guerra colonial. Os médicos cumpriam ali o primeiro ciclo do Curso de Oficiais, antes de seguirem para as instalações militares da Estrela, onde completavam a formação castrense.
 Sendo impensável defender a edificação do conjunto Igreja/Palácio/Convento de Mafra recorrendo ao simples binómio custo/benefício, haverá que atender a outros fatores. Com essa construção D. João V projetou uma imagem de grandeza, em Portugal e no mundo.
Os trabalhos tiveram início em 1717, sob a direção do arquiteto prussiano Johann Friedrich Ludwig. O monarca contava então 28 anos de vida. O edifício, construído em pedra lioz, uma variedade de calcário abundante na região, estende-se por uma área de perto de quatro hectares. Chegou a ocupar simultaneamente 52.000 trabalhadores. Houve alturas em que foram recrutados à força para acelerarem a obra. Curiosamente, em 1731, ocorreu uma greve dos pedreiros que trabalhavam na construção (Joel Serrão).


O convento foi destinado à Ordem de S. Francisco e pensado inicialmente para 13 frades. À medida que chegava o ouro do Brasil, o projeto cresceu, primeiro para 40, a seguir para 80 e, finalmente, para 300 monges. Entretanto, agregou-se-lhe o Palácio Real.
Diz-se que o edifício tem mais de 4700 portas e janelas. É pouco provável que alguém as tenha contado recentemente.
As pinturas e as esculturas religiosas existentes na capela e no convento foram encomendadas aos melhores artistas do século XVIII. Vieram sobretudo de Roma. 
A Basílica foi sagrada a 22 de outubro de 1730, data do 41º aniversário do rei. Ainda não estava pronta. Ingressaram no convento 328 frades arrábidos, vindos de diversos conventos mandados extinguir por decreto real.
No Palácio, os aposentos do rei e da rainha eram separados por uma conveniente distância de 230 metros. O palácio foi usado essencialmente pelos membros da família real que iam caçar à Tapada. Terão sido essas as dormidas mais dispendiosas da História de Portugal.
Mafra possui uma das mais belas bibliotecas da Europa. Abriga 30.000 livros encadernados em couro e gravado a letras de ouro, entre os quais se encontram raridades bibliográficas.
Hoje, é quase impossível falar de Mafra sem referir a obra de José Saramago, “Memorial do Convento”. A primeira edição do livro foi publicada em 1982. É com as palavras “ D. João, quinto do nome” que o romance começa. Prossegue com duas histórias paralelas: o relato da construção do convento e a história de amor entre Baltazar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas, contagiados pelo sonho do padre Bartolomeu Lourenço que pretendia construir uma máquina de voar.
Saramago satiriza os costumes do rei, da nobreza e do clero e critica, com ironia e amargura, os sacrifícios a que a construção dessa obra megalómana obrigou o povo chão. Sigamos a cerimónia oficial do início da edificação, nas palavras do escritor consagrado com o Prémio Nobel:
Foi a pedra principal benzida, a seguir a pedra segunda e a urna de jaspe, que todas três iriam ser enterradas nos alicerces, e depois foi tudo levado em procissão, de andor, dentro da urna os dinheiros do tempo, ouro, prata e cobre, umas medalhas, ouro, prata e cobre, e o pergaminho onde se lavrara o voto, deu a procissão uma volta inteira para mostrar-se ao povo que ajoelhava à passagem, e, tendo constantemente motivos para ajoelhar-se, ora a cruz, ora o patriarca, ora el-rei, ora os frades, ora os cónegos, já nem se levantava, bem poderemos escrever que estava muito povo de joelhos. Enfim se encaminharam el-rei, o patriarca e alguns acólitos para o sítio onde se havia de colocar a pedra e as pedras, descendo por uma espaçosa escada de madeira que tinha trinta degraus, porventura em memória dos trinta dinheiros, e de largura mais de dois metros. Levava o patriarca a pedra principal, ajudado pelos cónegos, e outros destes a pedra segundeira e a urna de jaspe, atrás el-rei e o geral da Sagrada Ordem de S. Bernardo, como esmoler-mor, e que, por o ser, levava o dinheiro.
Assim desceu el-rei trinta degraus para o interior da terra, parece uma despedida do mundo, seria uma descida aos infernos se não estivesse tão bem defendido por bênçãos, escapulários e orações, e se aluíssem estas altas paredes que formam o cabouco, ora não tema vossa majestade, repare como o escorámos com a boa madeira do Brasil por maior fortaleza, aqui está um banco coberto de veludo carmesim, é uma cor que usamos muito em cerimónias de estilo e de estado, com o andar dos tempos vê-la-emos em sanefas de teatro, e sobre o banco está um balde de prata cheio de água benta, e também duas vassourinhas de urze verde com os cabos guarnecidos de cordão de seda e prata, e eu, mestre-da-obra, verto um cocho de cal, e vossa majestade, com esta colher de pedreiro de prata, perdão, senhor, de prata de pedreiro, se pedreiros a têm, estende a cal, mas antes a espargiu com a vassourinha molhada na água benta, e agora, ajudem-me aqui, podemos assentar a pedra, porém, sejam as mãos de vossa majestade as últimas a tocar-lhe, pronto, um toque mais para toda a gente ver, pode vossa majestade subir, cuidado não caia, que o resto do convento nós o construiremos…

Texto retirado, com modificações do capítulo "The National Palace of Mafra and King JohnV - some historical and medical insights", a incluir no trabalho "Medical Heritage of the National Palaced of Mafra", coordenado por Maria do Sameiro Barroso.