O ASSASSINATO DE JOHN LENNON
Confesso que, sendo
mais ou menos ao menos da idade dos Beatles, passei a distância deles. O meu
universo musical estava preenchido pelo génio e pela ternura de Zeca Afonso e,
logo a seguir, pelas baladas magníficas de Adriano Correia de Oliveira. Fosse
outra a língua, e a canção portuguesa da época teria conhecido divulgação
universal.
Aproximei-me dos Beatles
numa sessão de cinema ocorrida na praia de Mira, por volta de 1967. Passou, num
cinema abarracado, o “Yellow submarine”. Não me apaixonei pela banda, mas
ganhei-lhe respeito.
Vou tentar abordar a
personalidade de John Lennon, excelente cantor, extraordinário compositor, e
grande ativista da paz. Tornou-se famoso por integrar o conjunto britânico dos Beatles,
nascido nos bares de Liverpool na década de 60 e fadado para alcançar fama
mundial.
Dos Beatles falarei
menos. A maioria dos leitores conhece-os melhor do que eu. O próprio Lennon
declarou que eles eram mais populares que Jesus. Entendo, contudo, que não é possível
passar ao lado dos “Quatro de Liverpool”. A parceria Lennon/McCartney assinou
muitos dos grandes sucessos dos Beatles.
Nunca entendi o
conjunto de fatores que cimentam um conjunto musical, durante um período
limitado de tempo e, depois, o fazem desagregar. Mais do que as relações
pessoais, gostaria de perceber o que determina a criatividade musical e
alimenta uma fogueira coletiva, umas vezes mais fulgurante e outras menos, que
acaba quase sempre por se extinguir. Entre a miríade de conjuntos que fazem
música popular, são raros os que veem os seus membros envelhecer juntos.
Lennon começou por ser
o líder não assumido do grupo. No entanto, o comando foi escorregando dos
ombros de John para os de Paul.
Os Beatles consumaram a
separação em abril de 1970. Por essa altura, tanto John Lennon como Paul
McCartney tinham enveredado por carreiras a solo.
Entre 1968 e 1972,
Lennon e a sua segunda esposa, a japonesa Yoko Ono, publicaram um conjunto
importante de discos. Nesse período, John Lennon liderou uma série de protestos
contra a guerra do Vietname. O governo de Richard Nixon chegou mesmo a tentar
deportá-lo.
John Lennon nasceu em
Liverpool, em 1940, numa família disfuncional. Era filho de Julia Stanley e
Alfred Lennon.
Alfred era tripulante
da marinha mercante e passava temporadas fora de casa. Raramente via o filho,
mas enviava regularmente dinheiro para a família.
Decorria a II Grande Guerra. Durante as suas
longas ausências, Júlia ficou grávida de outro homem.
O marinheiro Alfred tocava
banjo e gostava de imitar Louis Armstrong. Nunca conseguiu fazer uma carreira
musical.
As coisas correram mal
e Mimi, irmã de Júlia, pediu aos Serviços Sociais de Liverpool a custódia do
pequeno John. Acabou por ser atendida.
O menino foi disputado.
O pai pretendia levá-lo para a Nova Zelândia. O puto teve de escolher entre a
mãe e o pai. Optou por ficar com o pai, mas correu logo a seguir para os braços
da mãe. Estava-se em 1946. John voltaria ver o pai apenas 20 anos mais tarde.
John acabou por ser
criado pela sua tia Mimi e pelo marido, que não tinham filhos. Foi o
tio-padrasto quem lhe deu o primeiro instrumento musical, uma gaita-de-beiços.
A mãe visitava-o com regularidade e ensinava-lhe banjo. Em 1956 ofereceu-lhe a
primeira guitarra.
Conta-se que John ia a
tocar harmónica durante uma longa viagem de autocarro. Ia visitar um primo seu,
que morava na Escócia. O motorista terá sido um dos seus primeiros fãs.
Falou-lhe de uma gaita-de-foles que tinha sido abandonada numa camioneta e que
estava guardada no depósito da companhia, em Edimburgo. Poderia recolhê-la. Os acordes da gaita tocada por Lennon iriam tornar-se no som emblemático das
primeiras gravações dos Beatles.
O miúdo mostrava
talento e a mãe achava que a música o iria algum dia tornar famoso. Tia Mimi
não se opunha à aprendizagem, mas considerava que ele nunca iria ganhar a vida daquele
modo.
A mãe morreu atropelada
em 1958. Regressava de uma visita à irmã e ao filho.
Lennon foi crescendo. À
segunda tentativa, entrou para a Universidade. Era o Liverpool College of Art. Seria expulso antes de terminar o curso.
John Lennon organizou
uma banda musical e depois outra. Paul McCartney aconselhou, para guitarrista
do grupo, George Harrison, que contava apenas 14 anos. John Lennon achou-o novo
demais, mas acabou por o aceitar. Stuart Sutcliffe, antigo colega de Lennon na
escola de arte, juntou-se a eles como guitarra baixo. Eram os Beatles.
Faltava-lhes um baterista e convidaram Pete Best.
Eram todos excelentes
executantes, mas pouco entendiam das técnicas de gestão duma banda musical.
Atuavam no Cavern Club
de Liverpool, em novembro de 1961, quando conheceram Brian Esptein. Era
homossexual e, segundo as más-línguas da época, gostaria de Lennon. Os dois
passaram uns tantos dias juntos em Espanha, após o nascimento de Julian. Lennon
confessaria mais tarde: tratou-se de um relacionamento intenso; foi quase um
caso de amor, mas nunca foi consumado.
Brian Epstein foi
agente da banda desde 1962 até à sua morte, em 1967.
Foi no College of Art
que John conheceu Cynthia Powel. Casaram-se, quando Cynthia engravidou. Por
essa altura, começava a beatlemania. Epstein foi convidado para padrinho do
pequeno Julian.
Lennon mostrou-se um marido inseguro e
possessivo. Reconheceria, mais tarde, que tinha sido cruel e, até, espancador.
Epstein receava que a
imagem dum Beatle casado afugentasse as fãs e fez o possível para que o
casamento permanecesse em segredo.
A cantiga “Hey Jules”
terá sido composta por Paul McCartney para confortar Julian, quando os pais se
divorciaram. Acabaria por se transformar em “Hey Jude”. Há quem diga que Paul
se dava melhor com o miúdo do que o pai.
Durante uma turnê de
quase dois meses na Alemanha, Lennon habituou-se a tomar Preludin, uma droga
estimulante.
Mais tarde, Sutcliffe
deixou-se ficar na Alemanha e McCartney mudou-se para o baixo. Best saiu da
bateria, tomando o seu lugar Ringo Starr. A banda continuaria assim até se
dissolver.
Numa entrevista
concedida dúzia e meia de anos após o fim da banda, Paul McCartney reconheceu o
respeito que os outros Beatles tinham por John Lennon: era o mais velho de nós
e o mais inteligente.
Os Beatles tornaram-se
populares na Inglaterra no começo de 1963. O filho mais velho de Lennon,
Julian, nasceu em abril desse ano. Ao sucesso nos palcos ingleses seguiu-se o
reconhecimento internacional, que começou em 1964. Entretanto, John Lennon e
George Harrison aficionaram-se à LSD.
Nunca entendi o papel –
se é que existe algum – das drogas, incluindo o álcool, na criatividade
artística. No entanto, os membros dos conjuntos musicais de sucesso na minha época
consumiram diversas substâncias psicoativas. Se tal lhes aumentou a glória, ou
lhes abreviou as carreiras, está por saber. Certo é que muitos as tomavam
regularmente.
Numa entrevista à
revista Playboy, Lennon confessou que, durante as filmagens de “Help!” o
conjunto fumava marijuana logo ao pequeno-almoço. Mais tarde, já na companhia
de Yoko Ono, Lennon consumiu heroína durante anos.
As drogas terão
apressado o fim da banda. Lennon, o antigo líder, foi-se afastando aos poucos,
empurrando Paul McCartney para o comando do grupo. Paul achava que John estava
a mergulhar na paranoia.
Quando Epstein morreu,
a banda conheceu uma crise. Sabiam apenas fazer música. Gerir carreiras não era
coisa que estivessem habituados a fazer.
Lennon conheceu Yoko
Ono em Londres, no ano de 1966. Yoko preparava uma exposição de arte dita
conceitual. A entrada de Yoko Ono na vida de John Lennon constituiu outro fator
de desagregação. Havia um consenso na banda que conservava as mulheres longe do
estúdio. Lennon teimou em ter Yoko a seu lado. O casal formalizou a sua união
em março de 1969. John e a esposa lançaram, em conjunto, uma série de álbuns
musicais.
No mesmo ano, Lennon
abandonou os Beatles.
Por essa altura, John e
Yoko conheceram a sino-americana May Pang que se tornou secretária e, depois,
“assistente pessoal” de ambos. Ajudou-os nos projetos de filmes de
vanguarda.
Depois de publicar
alguns discos com sucesso variável, Lennon lançou “Imagine”, em 1971. A faixa
principal do disco iria tornar-se um hino para os movimentos pacifistas.
Ainda nesse ano, Lennon
e Ono mudaram-se para Nova Iorque e aliaram-se a movimentos esquerdistas
americanos. O governo Nixon, enfurecido com a propaganda contra a guerra do
Vietname, fez o que pôde para tentar deportar o casal dos E.U.A.
No final de agosto de
1972, Lennon e Ono realizaram os seus últimos espetáculos públicos. Depois de
alguns incidentes amargos, o casal resolveu separar-se.
May Pang trabalhava com
o casal havia três anos quando Yoko Ono lhe confidenciou que John Lennon a
apreciava. Para além do fascínio do músico por mulheres orientais, fica a ideia
que nessa altura da vida ele abdicara de boa parte da sua personalidade.
John Lennon juntou-se a
May Pang e viveu com ela durante ano e meio, repartindo o tempo entre Los
Angeles e Nova Iorque. Foram tempos atribulados, com Lennon a beber demasiado e
a provocar uma série de pequenos incidentes.
Durante esse período,
contudo, reatou o contacto regular com o seu filho Julian, reaproximou-se de
Starr e de McCartney, e continuou a produzir álbuns musicais, uns melhores do
que outros. Fez parcerias com David Bowie e Elton Jones.
Quando o casal voltou
para Nova Iorque, Yoko Ono procurou contactar o antigo companheiro mas, durante
algum tempo, Lennon não lhe atendia os telefonemas. Quando finalmente se
encontraram, John não foi capaz de a largar e não regressou a casa. Estaria
drogado. Foi outra vez Yoko quem tomou a iniciativa de telefonar a May.
Vivam-se tempos estranhos. A japonesa comunicou à chinesa que voltara a viver
com John Lennon, mas que May poderia continuar a ser sua amante.
Ono engravidou e,
depois de hesitar, concordou em levar a gravidez avante.
Em 1975, nasceu o único
filho do casal. Chamaram-lhe Sean. Aos 35 anos de idade, Lennon assumiu o papel
de ama-seca do filho. Pretenderia dar-lhe o que lhe fora negado na infância. Durante
vários anos, quase não escreveu música. Desperdiçava o único talento que tinha.
A partir de outubro de
1980, John Lennon apresentou outros três discos, um deles a meias com Ono. A
crítica recebeu as canções novas com pouco entusiasmo.
Por volta das 17 horas
do dia 8 de dezembro do mesmo ano, Lennon autografou um exemplar do seu novo
disco Double Fantasy para um fã chamado Mark David Chapman. A seguir,
dirigiu-se, com Ono, a um estúdio, para fazer uma sessão de gravação. No regresso
ao apartamento, eram aguardados por Chapman. O homem esperou que o casal saísse
do veículo, aproximou-se por trás e atingiu cinco vezes nas costas, a tiro de revólver, o antigo Beatle. John Lennon chegou morto ao hospital. Lançara o seu
último álbum três semanas antes.
Chapman não fugiu.
Deixou-se estar no local. Estava a ler um livro quando a polícia chegou e o
prendeu.
As cerimónias fúnebres
foram limitadas. O corpo do músico foi cremado e as suas cinzas espalhadas no
Central Park de Nova Iorque.
As vendas dos seus
discos dispararam. A morte trágica de um autor constitui, quase sempre, uma
excelente publicidade.
Chapman declarou-se
culpado e foi condenado a prisão perpétua.
Tentemos entender o
assassino. Mark Chapman nasceu no Texas e teve uma infância atribulada. Na
juventude, fez uma tentativa de suicídio. Vivia no Havai. Três meses antes do
homicídio, comprou um revólver, disse à mulher que precisava de um tempo para
se encontrar e mudou-se para Nova Iorque.
Resolvera matar alguém
famoso. Terá pensado no apresentador de televisão Johnny Carson e na atriz
Elisabeth Taylor. Lennon morreu porque estava mais à mão.
Mark deslocava-se
frequentemente até perto do prédio onde Lennon morava e gastava-se a olhar o
apartamento do músico.
O assassino
desculpou-se, dizendo que ouvia vozes que o mandavam matar. As alucinações
auditivas são comuns na esquizofrenia e ocorrem noutras doenças psiquiátricas. A
organização do delírio em torno de motivações religiosas é igualmente bem
conhecida. Mark Chaman considerava que Lennon blasfemara ao considerar-se mais
popular que Jesus. No entanto, os peritos que o examinaram consideraram que
Mark tinha plena consciência do que fazia. Foi condenado.
O assassino confessou,
trinta anos mais tarde, que matara John Lennon para se tornar conhecido.
Os
sete ou oito últimos anos da vida de John Lennon parecem difíceis de entender.
No final da vida, esse artista extraordinário, nem odiado era. O homem que o
matou não lhe queria mal. Tanto lhe dava atirar numa celebridade como noutra.
É fácil imaginar que o
consumo excessivo de drogas variadas terá limitado severamente as capacidades
cognitivas do fundador dos Beatles. Ao morrer, já não era John Lennon. Pelo
menos, não o seria com letras grandes.
Ao longo da sua
carreira, John Lennon recebeu medalhas e várias outras homenagens. Uma das mais
curiosas aconteceu mais de vinte anos após a sua morte. A União Astronómica
Internacional deu o nome de Lennon a uma das crateras do planeta Mercúrio.
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