DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 27 de dezembro de 2020

 

   O ASSASSINATO DE JOHN LENNON



Confesso que, sendo mais ou menos ao menos da idade dos Beatles, passei a distância deles. O meu universo musical estava preenchido pelo génio e pela ternura de Zeca Afonso e, logo a seguir, pelas baladas magníficas de Adriano Correia de Oliveira. Fosse outra a língua, e a canção portuguesa da época teria conhecido divulgação universal.

Aproximei-me dos Beatles numa sessão de cinema ocorrida na praia de Mira, por volta de 1967. Passou, num cinema abarracado, o “Yellow submarine”. Não me apaixonei pela banda, mas ganhei-lhe respeito.

Vou tentar abordar a personalidade de John Lennon, excelente cantor, extraordinário compositor, e grande ativista da paz. Tornou-se famoso por integrar o conjunto britânico dos Beatles, nascido nos bares de Liverpool na década de 60 e fadado para alcançar fama mundial.

Dos Beatles falarei menos. A maioria dos leitores conhece-os melhor do que eu. O próprio Lennon declarou que eles eram mais populares que Jesus. Entendo, contudo, que não é possível passar ao lado dos “Quatro de Liverpool”. A parceria Lennon/McCartney assinou muitos dos grandes sucessos dos Beatles.

Nunca entendi o conjunto de fatores que cimentam um conjunto musical, durante um período limitado de tempo e, depois, o fazem desagregar. Mais do que as relações pessoais, gostaria de perceber o que determina a criatividade musical e alimenta uma fogueira coletiva, umas vezes mais fulgurante e outras menos, que acaba quase sempre por se extinguir. Entre a miríade de conjuntos que fazem música popular, são raros os que veem os seus membros envelhecer juntos.

Lennon começou por ser o líder não assumido do grupo. No entanto, o comando foi escorregando dos ombros de John para os de Paul.

Os Beatles consumaram a separação em abril de 1970. Por essa altura, tanto John Lennon como Paul McCartney tinham enveredado por carreiras a solo.

Entre 1968 e 1972, Lennon e a sua segunda esposa, a japonesa Yoko Ono, publicaram um conjunto importante de discos. Nesse período, John Lennon liderou uma série de protestos contra a guerra do Vietname. O governo de Richard Nixon chegou mesmo a tentar deportá-lo.

John Lennon nasceu em Liverpool, em 1940, numa família disfuncional. Era filho de Julia Stanley e Alfred Lennon.

Alfred era tripulante da marinha mercante e passava temporadas fora de casa. Raramente via o filho, mas enviava regularmente dinheiro para a família.

 Decorria a II Grande Guerra. Durante as suas longas ausências, Júlia ficou grávida de outro homem.

O marinheiro Alfred tocava banjo e gostava de imitar Louis Armstrong. Nunca conseguiu fazer uma carreira musical.

As coisas correram mal e Mimi, irmã de Júlia, pediu aos Serviços Sociais de Liverpool a custódia do pequeno John. Acabou por ser atendida.

O menino foi disputado. O pai pretendia levá-lo para a Nova Zelândia. O puto teve de escolher entre a mãe e o pai. Optou por ficar com o pai, mas correu logo a seguir para os braços da mãe. Estava-se em 1946. John voltaria ver o pai apenas 20 anos mais tarde.

John acabou por ser criado pela sua tia Mimi e pelo marido, que não tinham filhos. Foi o tio-padrasto quem lhe deu o primeiro instrumento musical, uma gaita-de-beiços. A mãe visitava-o com regularidade e ensinava-lhe banjo. Em 1956 ofereceu-lhe a primeira guitarra.  

Conta-se que John ia a tocar harmónica durante uma longa viagem de autocarro. Ia visitar um primo seu, que morava na Escócia. O motorista terá sido um dos seus primeiros fãs. Falou-lhe de uma gaita-de-foles que tinha sido abandonada numa camioneta e que estava guardada no depósito da companhia, em Edimburgo. Poderia recolhê-la. Os acordes da gaita tocada por Lennon iriam tornar-se no som emblemático das primeiras gravações dos Beatles. 

O miúdo mostrava talento e a mãe achava que a música o iria algum dia tornar famoso. Tia Mimi não se opunha à aprendizagem, mas considerava que ele nunca iria ganhar a vida daquele modo.

A mãe morreu atropelada em 1958. Regressava de uma visita à irmã e ao filho.

Lennon foi crescendo. À segunda tentativa, entrou para a Universidade. Era o Liverpool College of Art. Seria expulso antes de terminar o curso.

John Lennon organizou uma banda musical e depois outra. Paul McCartney aconselhou, para guitarrista do grupo, George Harrison, que contava apenas 14 anos. John Lennon achou-o novo demais, mas acabou por o aceitar. Stuart Sutcliffe, antigo colega de Lennon na escola de arte, juntou-se a eles como guitarra baixo. Eram os Beatles. Faltava-lhes um baterista e convidaram Pete Best.

Eram todos excelentes executantes, mas pouco entendiam das técnicas de gestão duma banda musical.

Atuavam no Cavern Club de Liverpool, em novembro de 1961, quando conheceram Brian Esptein. Era homossexual e, segundo as más-línguas da época, gostaria de Lennon. Os dois passaram uns tantos dias juntos em Espanha, após o nascimento de Julian. Lennon confessaria mais tarde: tratou-se de um relacionamento intenso; foi quase um caso de amor, mas nunca foi consumado.

Brian Epstein foi agente da banda desde 1962 até à sua morte, em 1967.

Foi no College of Art que John conheceu Cynthia Powel. Casaram-se, quando Cynthia engravidou. Por essa altura, começava a beatlemania. Epstein foi convidado para padrinho do pequeno Julian.

 Lennon mostrou-se um marido inseguro e possessivo. Reconheceria, mais tarde, que tinha sido cruel e, até, espancador.

Epstein receava que a imagem dum Beatle casado afugentasse as fãs e fez o possível para que o casamento permanecesse em segredo.

A cantiga “Hey Jules” terá sido composta por Paul McCartney para confortar Julian, quando os pais se divorciaram. Acabaria por se transformar em “Hey Jude”. Há quem diga que Paul se dava melhor com o miúdo do que o pai.

Durante uma turnê de quase dois meses na Alemanha, Lennon habituou-se a tomar Preludin, uma droga estimulante.

Mais tarde, Sutcliffe deixou-se ficar na Alemanha e McCartney mudou-se para o baixo. Best saiu da bateria, tomando o seu lugar Ringo Starr. A banda continuaria assim até se dissolver.

Numa entrevista concedida dúzia e meia de anos após o fim da banda, Paul McCartney reconheceu o respeito que os outros Beatles tinham por John Lennon: era o mais velho de nós e o mais inteligente.

Os Beatles tornaram-se populares na Inglaterra no começo de 1963. O filho mais velho de Lennon, Julian, nasceu em abril desse ano. Ao sucesso nos palcos ingleses seguiu-se o reconhecimento internacional, que começou em 1964. Entretanto, John Lennon e George Harrison aficionaram-se à LSD.

Nunca entendi o papel – se é que existe algum – das drogas, incluindo o álcool, na criatividade artística. No entanto, os membros dos conjuntos musicais de sucesso na minha época consumiram diversas substâncias psicoativas. Se tal lhes aumentou a glória, ou lhes abreviou as carreiras, está por saber. Certo é que muitos as tomavam regularmente.

Numa entrevista à revista Playboy, Lennon confessou que, durante as filmagens de “Help!” o conjunto fumava marijuana logo ao pequeno-almoço. Mais tarde, já na companhia de Yoko Ono, Lennon consumiu heroína durante anos.

As drogas terão apressado o fim da banda. Lennon, o antigo líder, foi-se afastando aos poucos, empurrando Paul McCartney para o comando do grupo. Paul achava que John estava a mergulhar na paranoia.

Quando Epstein morreu, a banda conheceu uma crise. Sabiam apenas fazer música. Gerir carreiras não era coisa que estivessem habituados a fazer.

Lennon conheceu Yoko Ono em Londres, no ano de 1966. Yoko preparava uma exposição de arte dita conceitual. A entrada de Yoko Ono na vida de John Lennon constituiu outro fator de desagregação. Havia um consenso na banda que conservava as mulheres longe do estúdio. Lennon teimou em ter Yoko a seu lado. O casal formalizou a sua união em março de 1969. John e a esposa lançaram, em conjunto, uma série de álbuns musicais.

No mesmo ano, Lennon abandonou os Beatles.

Por essa altura, John e Yoko conheceram a sino-americana May Pang que se tornou secretária e, depois, “assistente pessoal” de ambos. Ajudou-os nos projetos de filmes de vanguarda. 

Depois de publicar alguns discos com sucesso variável, Lennon lançou “Imagine”, em 1971. A faixa principal do disco iria tornar-se um hino para os movimentos pacifistas.

Ainda nesse ano, Lennon e Ono mudaram-se para Nova Iorque e aliaram-se a movimentos esquerdistas americanos. O governo Nixon, enfurecido com a propaganda contra a guerra do Vietname, fez o que pôde para tentar deportar o casal dos E.U.A.

No final de agosto de 1972, Lennon e Ono realizaram os seus últimos espetáculos públicos. Depois de alguns incidentes amargos, o casal resolveu separar-se.

May Pang trabalhava com o casal havia três anos quando Yoko Ono lhe confidenciou que John Lennon a apreciava. Para além do fascínio do músico por mulheres orientais, fica a ideia que nessa altura da vida ele abdicara de boa parte da sua personalidade.

John Lennon juntou-se a May Pang e viveu com ela durante ano e meio, repartindo o tempo entre Los Angeles e Nova Iorque. Foram tempos atribulados, com Lennon a beber demasiado e a provocar uma série de pequenos incidentes.

Durante esse período, contudo, reatou o contacto regular com o seu filho Julian, reaproximou-se de Starr e de McCartney, e continuou a produzir álbuns musicais, uns melhores do que outros. Fez parcerias com David Bowie e Elton Jones.

Quando o casal voltou para Nova Iorque, Yoko Ono procurou contactar o antigo companheiro mas, durante algum tempo, Lennon não lhe atendia os telefonemas. Quando finalmente se encontraram, John não foi capaz de a largar e não regressou a casa. Estaria drogado. Foi outra vez Yoko quem tomou a iniciativa de telefonar a May. Vivam-se tempos estranhos. A japonesa comunicou à chinesa que voltara a viver com John Lennon, mas que May poderia continuar a ser sua amante.

Ono engravidou e, depois de hesitar, concordou em levar a gravidez avante.  

Em 1975, nasceu o único filho do casal. Chamaram-lhe Sean. Aos 35 anos de idade, Lennon assumiu o papel de ama-seca do filho. Pretenderia dar-lhe o que lhe fora negado na infância. Durante vários anos, quase não escreveu música. Desperdiçava o único talento que tinha.

A partir de outubro de 1980, John Lennon apresentou outros três discos, um deles a meias com Ono. A crítica recebeu as canções novas com pouco entusiasmo.

Por volta das 17 horas do dia 8 de dezembro do mesmo ano, Lennon autografou um exemplar do seu novo disco Double Fantasy para um fã chamado Mark David Chapman. A seguir, dirigiu-se, com Ono, a um estúdio, para fazer uma sessão de gravação. No regresso ao apartamento, eram aguardados por Chapman. O homem esperou que o casal saísse do veículo, aproximou-se por trás e atingiu cinco vezes nas costas, a tiro de revólver, o antigo Beatle. John Lennon chegou morto ao hospital. Lançara o seu último álbum três semanas antes.

Chapman não fugiu. Deixou-se estar no local. Estava a ler um livro quando a polícia chegou e o prendeu.

As cerimónias fúnebres foram limitadas. O corpo do músico foi cremado e as suas cinzas espalhadas no Central Park de Nova Iorque.

As vendas dos seus discos dispararam. A morte trágica de um autor constitui, quase sempre, uma excelente publicidade.  

Chapman declarou-se culpado e foi condenado a prisão perpétua.

Tentemos entender o assassino. Mark Chapman nasceu no Texas e teve uma infância atribulada. Na juventude, fez uma tentativa de suicídio. Vivia no Havai. Três meses antes do homicídio, comprou um revólver, disse à mulher que precisava de um tempo para se encontrar e mudou-se para Nova Iorque.

Resolvera matar alguém famoso. Terá pensado no apresentador de televisão Johnny Carson e na atriz Elisabeth Taylor. Lennon morreu porque estava mais à mão.

Mark deslocava-se frequentemente até perto do prédio onde Lennon morava e gastava-se a olhar o apartamento do músico.

O assassino desculpou-se, dizendo que ouvia vozes que o mandavam matar. As alucinações auditivas são comuns na esquizofrenia e ocorrem noutras doenças psiquiátricas. A organização do delírio em torno de motivações religiosas é igualmente bem conhecida. Mark Chaman considerava que Lennon blasfemara ao considerar-se mais popular que Jesus. No entanto, os peritos que o examinaram consideraram que Mark tinha plena consciência do que fazia. Foi condenado.

O assassino confessou, trinta anos mais tarde, que matara John Lennon para se tornar conhecido.  

Os sete ou oito últimos anos da vida de John Lennon parecem difíceis de entender. No final da vida, esse artista extraordinário, nem odiado era. O homem que o matou não lhe queria mal. Tanto lhe dava atirar numa celebridade como noutra.

É fácil imaginar que o consumo excessivo de drogas variadas terá limitado severamente as capacidades cognitivas do fundador dos Beatles. Ao morrer, já não era John Lennon. Pelo menos, não o seria com letras grandes.

Ao longo da sua carreira, John Lennon recebeu medalhas e várias outras homenagens. Uma das mais curiosas aconteceu mais de vinte anos após a sua morte. A União Astronómica Internacional deu o nome de Lennon a uma das crateras do planeta Mercúrio. 


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