DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

 

A MORTE DE MARTIN LUTHER KING




Martin Luther King Jr. recebeu inicialmente o nome de Michael King Jr. Nasceu em Atlanta, na Geórgia, a 15 de janeiro de 1929. Era filho e neto de pastores protestantes.

Ele e os irmãos cresceram a ler a Bíblia. O pai era um homem duro e recorria ao chicote para disciplinar as crianças.

Em agosto de 1934, no regresso duma viagem pela Europa, o pai de Michael mudou, duma assentada, o próprio nome e o do filho. Passaram a chamar-se Martin Luther King, respetivamente sénior e júnior. A certidão de nascimento do filho seria modificada anos mais tarde.

O miúdo King tinha um amigo branco. Aos seis anos, o puto ingressou numa escola para negros, enquanto o seu amigo era admitida numa escola exclusiva de brancos. Por essa altura, os pais do outro menino proibiram-no de brincar com ele. “Nós somos brancos e tu negro!” – proclamaram. King encheu-se de ódio. Seus pais procuraram convencê-lo de que ele, como cristão, devia amar todos os seus semelhantes, independentemente das suas raças. Seria preciso ser santo para aceitar essas ideias. 

Enquanto crescia, King ia dando mais conta da discriminação a que estavam sujeitos os negros americanos. Habituou-se a lidar com ela.

Começou muito cedo a frequentar a igreja, acompanhando sua mãe. Mostrou jeito para cantar hinos e aprendeu a tocar piano. Interessava-se por alargar o vocabulário, mas não dava grande importância à gramática. Ocasionalmente batia-se com miúdos do seu bairro, mas parece ter aprendido cedo a usar o poder de persuasão para evitar conflitos.

Quando o menino ia nos sete anos, acompanhou o pai, Reverendo Martin Luther King Sr., que liderou uma marcha civil até à prefeitura de Atlanta, para protestar contra a discriminação no acesso ao direito de voto.

Poucos anos mais tarde, King escapou-se das obrigações escolares para assistir a um desfile. De volta a casa, soube que a avó materna, por quem tinha grande estima, sofrera um ataque do coração e morrera a caminho do hospital. O moço sentiu-se culpado por aquela morte e atirou-se do segundo andar da sua casa, com a intenção de morrer. Deus pôs-lhe a mão por baixo, como faz tantas vezes às crianças e aos borrachos e o jovem escapou com danos físicos limitados. Era a segunda vez que tentava o suicídio.

Na adolescência, foi sujeito, como os amigos e vizinhos da sua cor, às humilhações raciais que faziam parte da cultura branca dos estados do sul. Ganhou dinheiro para as suas pequenas despesas a entregar o Atlanta Journal.

Durante esse período, confrontou-se com dúvidas sobre muitos relatos bíblicos e pôs em causa o seu relacionamento com a religião.

Entrou cedo para a Booker T. Washington High School, um dos poucos colégios para negros existentes na cidade. Fora fundado por pressão de líderes negros locais, entre os quais se incluía o seu avô Williams King. Michael deu nas vistas de colegas e professores pela sua eloquência e venceu um concurso de oratória.     

Quando ainda frequentava o primeiro ano da Booker T. Washington, teve conhecimento de que a Morehouse College, uma universidade negra prestigiada, aceitava qualquer estudante que passasse no exame de admissão. Era o tempo da II Grande Guerra e muitos jovens tinham abandonado os estudos para se alistarem no exército. Com quinze anos, King Jr. passou no teste e entrou para a faculdade. Estudou lá durante três anos.

Aos dezoito anos, quando lhe faltava um ano para completar o curso, resolveu fazer-se pastor, à semelhança de seu pai e de um dos seus avós. Prosseguiu os estudos e graduou-se em Sociologia, no ano seguinte.

Entrou depois para o Crozer Theological Seminary em Chester, na Pensilvânia. 

No terceiro ano do seminário, teve um relacionamento sério com uma moça branca e pensou em casar com ela. Os amigos e a família manifestaram-se contra essa união. Um casamento inter-racial poderia levantar problemas com brancos e negros e impediria que se tornasse pastor numa das igrejas do sul do país. Martin Luther King pôs fim ao namoro alguns meses mais tarde. Parece nunca ter esquecido de todo essa mulher.

 Em 1951, graduou-se em “Divindade” e começou a preparar o doutoramento em Teologia Sistemática na Universidade de Boston. Durante esse tempo, trabalhou como pastor auxiliar na Twelfth Baptist Church de Boston.

 Antes de completar o doutoramento, casou-se com Coretta Scott. O casal teria 4 filhos. O marido procurou manter a esposa afastada da luta pelos direitos cívicos.

 Em 1954, King Jr. tinha 25 anos e foi nomeado pastor em Montgmomery, Alabama. Prosseguiu os estudos e conseguiu o doutoramento com a tese “Uma comparação dos conceitos de Deus nos pensamentos de Paul Tillich e Henry Nelson Wieman”. 

No melhor pano cai a nódoa: verificou-se que parte do seu trabalho fora plagiado. A Universidade concluiu que, ainda assim, a dissertação tinha valor e não lhe retirou o doutoramento.

A luta contra a segregação racial apoiou-se algumas vezes em pequenos incidentes que os ativistas aproveitavam para mobilizar as massas. Em março de 1955, a estudante negra Claudette Colvin recusou ceder o lugar no autocarro a um homem branco, violando as leis estaduais. A comissão da comunidade afro-americana de Birmingham, de que Luther King Jr. fazia parte, analisou o caso e resolveu não o valorizar por estar envolvida uma menor no incidente. Ainda nesse ano, a negra Rosa Parks foi presa por recusar levantar-se do banco do autocarro para que um branco se sentasse.

  King liderou o boicote aos autocarros de Montgomery. O protesto cívico arrastou-se por um ano inteiro e fez de Martin Luther King uma figura nacional. O boicote terminou com uma decisão judicial que proibiu a segregação racial nos autocarros da cidade. Teve custos para King: viu a sua casa atacada à bomba e chegou a estar preso.

 O sucesso obtido contribuiu para que se tornasse, dois anos mais tarde, o primeiro presidente da SCLC (Conferência da Liderança Cristã do Sul). A organização inspirou-se nas iniciativas do evangelista Billy Graham e foi criada para coordenar os esforços das igrejas negras na condução de protestos não violentos contra o racismo e na defesa dos direitos cívicos. King iria liderar a SCLC até morrer.

Em setembro de 1958, MLKing foi objeto de uma tentativa de assassinato, enquanto autografava exemplares de um livro seu, num estabelecimento comercial. Uma mulher esfaqueou-o e King teve de ser operado de urgência. A agressora era uma negra louca que sofria de ideias delirantes.

No ano seguinte, Martin Luther King publicou um pequeno livro a que deu o nome “The measure of a man”. Integrava sermões seus que refletiam sobre a falta que Deus fazia ao homem e criticavam as injustiças da sociedade ocidental.

O FBI fez o que pôde para desacreditar os ativistas dos direitos cívicos e o próprio King, acusando-os de contactos com organizações comunistas. Na altura, quem superintendia ao F.B.I. era o irmão de John Kennedy, Robert, o procurador-geral dos E.U.A.

Martin Luther King e os seus companheiros programaram uma série de protestos não violentos contra a segregação racial nos estados do sul dos Estados Unidos, baseada na famigerada lei de Jim Crow. Contavam com a cobertura dos jornais e das televisões e obtiveram-na. Pretendiam, para os negros, a igualdade e o direito ao voto.

Os media envolveram-se no processo de procura de justiça social, denunciando as arbitrariedades e injustiças a que eram diariamente sujeitos os cidadãos negros do sul do país e transformaram a questão dos direitos cívicos no problema mais importante da nação, no começo da década de 60.

King e a SCLC adotaram as normas da chamada “esquerda cristã” e organizaram uma série de manifestações não violentas contra a segregação racial e a favor do direito a voto e dos direitos de trabalho. Bons estrategas, escolheram criteriosamente os locais para as suas ações de massa. Ocasionalmente, as reações dos segregacionistas mostraram-se violentas.

Em 1961 foi organizada em Albany, na Geórgia, uma coligação a que se associou a SCLC. O movimento propunha-se combater de forma não violenta a segregação racial na cidade e mobilizou milhares de cidadãos. Os protestos atingiram visibilidade nacional e terminaram com um acordo que as autoridades mais tarde desrespeitaram. 

King voltou a Albany no ano seguinte e foi preso. Não era situação a que estivesse pouco habituado. Entre pagar uma fiança modesta e ficar atrás das grades, escolheu a prisão. Três dias depois foi libertado discretamente. Os seus amigos pagaram a fiança.

Sem grandes resultados práticos, o movimento de Albany acabou por esmorecer. Martin Luther King foi parcialmente responsabilizado pelo fracasso e procurou aprender com a lição.

Em 1962, ML King e a Gandhi Society dirigiram ao presidente Kennedy uma mensagem que o exortava a seguir as pegadas de Abraham Lincoln e a assinar uma “Segunda Proclamação de Emancipação” que garantisse direitos civis para todos os americanos. JF Kennedy não deu seguimento ao pedido.

Na primavera de 1963, a Conferência da Liderança Cristã do Sul promoveu uma campanha contra a segregação racial e as más condições económicas dos negros de Birmingham, no Alabama. Os protestos foram organizados de forma um tanto mais agressiva. Os manifestantes negros ocuparam espaços públicos e resistiram sentados às intervenções policiais. A iniciativa teve apenas um sucesso parcial, sem alcançar a almejada projeção nos media. O recurso à mobilização de crianças e adolescentes foi utilizado para dinamizar o movimento reivindicativo. Numa ou noutra ocasião, o processo deixou de ser pacífico e houve grupos de manifestantes que atacaram as forças policiais.

O Departamento de Polícia da cidade recorreu a jatos de água de grande pressão para dispersar os manifestantes e lançou cães contra os que protestavam, sem excluir crianças. A mal calculada resposta policial serviu os interesses dos organizadores da manifestação, pois o uso exagerado de força foi testemunhado pelos canais nacionais de televisão, que despertaram a atenção de muitos cidadãos brancos para os problemas dos afro-americanos.

King fora preso no começo da campanha. Era a sua décima terceira detenção. Alcançaria um recorde de 29. Nos calabouços, redigiu a Carta da Cadeia de Birmingham, que se tornaria famosa. Tratava-se de uma resposta a outra carta assinada por oito pastores brancos locais que sugeriam que a luta pelas mudanças sociais deveria privilegiar meios legais.  King argumentou com a urgência da situação e a esclerose do sistema. Nós sabemos através de experiências dolorosas que a liberdade nunca é voluntariamente oferecida pelo opressor; precisa ser exigida pelo oprimido.

A SCLC, chefiada por King, colaborou com outras organizações que lutavam pelos direitos cívicos na preparação da Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade que teve lugar a 28 de agosto de 1963. O principal estratega da marcha foi Bayard Rustin, homossexual assumido, apoiante do socialismo democrático e com um passado de ligação ao Partido Comunista Americano. Diversos aliados e seguidores de MLKing sugeriram-lhe que se distanciasse de Rustin. King acedeu parcialmente, sem deixar de participar na Marcha.

Os meandros da política são muitas vezes complexos. Os organizadores da Marcha pretendiam chamar a atenção dos americanos para a situação dramática dos negros no sul dos E.U.A., apresentando as suas razões de queixa no Memorial de Lincoln, na capital da nação. Era intenção dos líderes negros associados criticar o governo federal por estar a ser incapaz de assegurar os direitos cívicos de uma parte considerável dos cidadãos americanos. Kennedy mandou contactar os organizadores, no sentido de moderar o conteúdo e a forma das manifestações. O grupo escutou o apelo do presidente, o que levou alguns ativistas mais radicais, como Malcolm X, a apelidar o evento de “Farsa de Washington” e a proibir os membros da sua organização de participarem nela.

O sucesso da Marcha passara a ser do interesse do governo americano. Algumas instituições ligadas ao Partido Democrático apelaram aos seus membros para se associarem à manifestação.

Os organizadores acordaram em propostas bem definidas que incluíam uma legislação que impedisse a discriminação racial nos empregos, o controlo da violência policial, e um salário mínimo de dois dólares por hora.

A Marcha teve um sucesso memorável. Com o desfile de um quarto de milhão de pessoas de cores diferentes, constituiu a maior manifestação registada em Washington até àquela data.

O discurso proferido por Martin Luther King ficou para a história. O autor chamou-lhe “Eu tenho um sonho”. King falou durante pouco mais de um quarto de hora.

Embora enfrentemos dificuldades, eu tenho um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho. Um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos dos escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.

Um dia, até mesmo o estado do Mississipi, que transpira com o calor da injustiça e da opressão, será transformado num oásis de liberdade e de justiça.

Eu tenho um sonho. Nele, os meus pequenos filhos irão viver um dia numa nação em que não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo seu caráter.  

Eu tenho um sonho hoje!

Uma parte da sociedade americana ia-se mostrando sensível à necessidade de mudanças numa nação em que coexistiam claramente cidadãos de primeira e de segunda classe. A consequência foi a promulgação de diplomas legislativos importantes, como a Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos de Voto de 1965.

Os movimentos que defendiam a causa dos negros americanos nunca foram homogéneos e adotaram táticas diferentes.

Martin Luther King não escapou a críticas. Foi acusado de se opor, ou pelo menos de não apoiar, organizações negras mais radicais como a “Nação do Islão” e o seu líder Malcolm X. Houve quem considerasse que King perdera de vista as raízes do movimento de emancipação dos negros.

J. Edgar Hoover, diretor do FBI, considerava King um radical e fez o que pôde para o desacreditar. Os seus agentes acusaram-no de ligações comunistas e ameaçaram divulgar as suas alegadas infidelidades conjugais. Chegaram ao ponto de lhe enviar cartas anónimas ameaçadoras.

Hoover obteve autorização do procurador geral Robert Kennedy para colocar sob escuta os telefones de King. O pretexto foi o seu relacionamento com Stanley Levison, um advogado de Nova Iorque com alegadas ligações ao Partido Comunista dos Estados Unidos.   

Numa palestra proferida em Nova Iorque em 1964, King referiu uma conversa tida com Jawaharlal Nehru, em que o dirigente indiano comparava a situação de muitos afro-americanos à dos intocáveis, a casta mais despojada de direitos na Índia.  

Em outubro de 1964, o movimento dos direitos cívicos recebeu um alento especial com a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Martin Luther King, por combater o racismo nos E.U.A. por meios não-violentos.

No ano seguinte, King apoiou as marchas de Selma a Montgomery. O objetivo era caminhar durante 85 quilómetros, por estrada, desde Selma até à capital do estado do Alabama.

A primeira tentativa ocorreu a 7 de março e foi interrompida pelas autoridades. Os manifestantes foram atacados com cassetetes e gás lacrimogéneo. As imagens da brutalidade policial foram transmitidas pelas televisões, despertando uma indignação generalizada.

A segunda marcha teve lugar dias depois. Os polícias deixaram passar os manifestantes, liderados por MLKing, que pediu aos seus apoiantes para dispersarem, para não desrespeitarem as ordens do tribunal. A atitude de King deixou muita gente irritada.

A 16 de março, os manifestantes insistiram. Cerca de dois mil soldados do Exército Americano e outros tantos membros da Guarda Nacional do Alabama escoltaram os manifestantes, que chegaram ao Capitólio do Estado do Alabama nove dias depois. MLKing fez ali um discurso, a que chamou How long, not long.  A atribuição de direitos iguais para os afro-americanos não poderia estar distante.

Ainda nesse ano (1965), foi aprovada a Lei dos Direitos ao Voto, um marco histórico na luta dos negros americanos contra a discriminação.

Em 1966, King e alguns dos seus colaboradores tentaram exportar para o norte o movimento dos direitos cívicos e instalaram-se em Chicago. A reação popular às marchas organizadas foi negativa. Os manifestantes foram recebidos com apupos e lançamento de garrafas. King chegou a ser atingido superficialmente por um tijolo.

MLKing e outros responsáveis pelas manifestações consideraram não estarem reunidas as condições para a continuação dos protestos e acordaram com o Mayor de Chicago a retirada. A representá-los ficou o jovem seminarista Jesse Jackson, que acabaria por se tornar bem conhecido.  

Martin Luther King opunha-se, há muito, à guerra do Vietname. Durante algum tempo, evitou abordar o assunto, para não prejudicar a sua luta pelos direitos cívicos, nem despertar mais antipatia por parte do presidente Jonhson. A evolução dos factos obrigou-o a assumir uma posição pública.

Em abril de 1967, na Igreja de Riverside, em Nova Iorque, proferiu um discurso a que chamou Beyond Vietnam: a time to break silence. Criticou duramente o papel dos E.U.A. no conflito, chamando-lhes o maior agente de violência no mundo de então. Acusou o seu país de ocupar um território estrangeiro como se fosse uma colónia e aliou à guerra a injustiça económica. Por outro lado, os recursos despendidos na guerra poderiam ajudar a resolver as dificuldades de muitos americanos. Uma nação que, ano após ano, continua a gastar mais dinheiro no setor militar que em programas de mudanças sociais aproxima-se da morte espiritual.

A declaração de King implicou a perda de diversos apoios para a sua causa, sobretudo entre os setores brancos da sociedade. A Agência de Segurança Nacional passou a vigiá-lo de perto.

O jornal The Washington Post informou que King tinha sido convidado a visitar a União Soviética.  

Martin Luther King negou sempre qualquer ligação ao comunismo. Em 1965, afirmou a uma revista que os comunistas no seu movimento de direitos cívicos eram tantos como os esquimós na Flórida. Hoover nunca acreditou nele. Após o seu discurso “Eu tenho um sonho”, de agosto de 1963, o FBI passou a considerá-lo “o mais perigoso líder negro do país”.  

Em privado, King criticava o capitalismo e aproximava-se do socialismo democrático. Deve existir uma forma melhor de distribuição das riquezas. Rejeitava, contudo, o comunismo pela sua interpretação materialista da história, pouco compatível com a religião.

Um grupo de democratas que se opunha à guerra do Vietname chegou a propor a MLKing que se candidatasse contra Johnson na eleição presidencial de 1968. King agradeceu, mas recusou. As probabilidades de sucesso seriam reduzidas. Por outro lado, sentia-se mais confortável na sua posição de ativista político.  

King empenhou-se depois numa campanha contra a pobreza. Com altos e baixos, com apoios e abandonos, essa foi a bandeira que ergueu até as balas lhe colherem a vida. Elevara a fasquia e deixara de se dirigir apenas aos negros, manifestando a sua solidariedade e o seu empenho para com todos os cidadãos desfavorecidos nos E.U.A. 

Com essa finalidade, viajou pelo país e escreveu mais livros. Pouco tempo antes de morrer, estava empenhado numa nova manifestação em Washington que seria chamada “Campanha dos Pobres”.

Em meados de março de 1968, funcionários negros das obras públicas iniciaram uma greve em Memphis, no Tenessee. Para o mesmo trabalho, negros e brancos eram tratados de forma claramente desigual.

Martin Luther King viajou para Memphis, no final do mês, com a intenção de apoiar os grevistas em situação difícil. O seu voo foi adiado por ter ocorrido um alerta de bomba no avião que o iria transportar.

No dia três de abril, MLKing dirigiu um comício e falou aos manifestantes. Talvez lhe tivesse passado pela cabeça que estava a fazer o seu último discurso. Falou das ameaças à sua vida. Que poderia acontecer, se estivesse a ser perseguido por alguns brancos com a saúde mental abalada?

Bem, eu não sei o que acontecerá agora. Nós tivemos de enfrentar alguns dias difíceis. Como qualquer um, eu gostaria de viver uma vida longa, mas não estou preocupado com isso agora. Eu quero apenas cumprir o desejo de Deus. Ele permitiu-me ir ao topo da montanha e olhar em redor. E avistei a terra prometida. Não temo nenhum homem. Meus olhos viram a glória da vinda do Senhor.

Martin Luther King foi assassinado em Memphis no dia 4 de abril de 1968. Tinha-se hospedado num motel.

Encontrava-se, de pé, numa varanda, por volta das seis da tarde, quando foi atingido a tiro. Bastou uma bala par pôr fim à vida do ativista laureado com o Prémio Nobel da Paz.  Os seus companheiros correram à varanda e pediram socorro. King ainda foi operado, mas morreu pouco depois.

O assassino foi James Earl Ray, um cadastrado que se evadira em 1967 da Penitenciária do Estado do Missouri, onde cumpria uma pena de 20 anos de prisão por crimes diversos. Já tinha cometido atos racistas e acreditava que King era um traidor à pátria e que os movimentos dos direitos cívicos tinham por fim debilitar politica e economicamente a América.

Ray alugara um quarto numa pensão que ficava do outro lado da rua, frente ao hotel e atirou da janela da casa de banho. Desfechou um único tiro com uma espingarda Remington que abandonou no local. A arma tinha as suas impressões digitais. Deixou também uma luneta telescópica. Houve testemunhas que o viram escapar-se da pensão.  

Ray dirigiu-se para Altanta, conduzindo durante onze horas o seu Ford Mustang. Tinha-se instalado naquela cidade algum tempo antes. A polícia viria a encontrar no seu quarto um mapa em que a igreja e a residência de Luther King estava rodeados por círculos a lápis colorido.

James Ray recolheu os seus pertences e viajou para o Canadá. Chegou a Toronto três dias depois e escondeu-se durante mais de um mês. Entretanto, conseguiu obter um passaporte canadiano com um nome falso. De Toronto, viajou de avião para Inglaterra, de onde seguiria para Lisboa, onde se demorou alguns dias, antes de regressar a Londres.

Foi preso a 8 de junho no aeroporto de Heathrow. Tinham passado dois meses sobre o crime. Ray tencionava dirigir-se a Bruxelas, antes de seguir para África. Planeava viver em Angola, na Rodésia ou na África do Sul. No check-in, os funcionários do aeroporto verificaram que o nome titular do passaporte integrava uma lista sob vigilância da Polícia Montada canadiana. Quando o revistaram, encontraram-lhe outro passaporte, com um nome diferente.

As autoridades britânicas extraditaram-no para os E.U.A.

James Earl Ray foi levado para o Tenessee, onde foi acusado do assassinato de Martin Luther King. Confessou o crime, para escapar à possível pena de morte e foi condenado a 99 anos de prisão. Viria a morrer na cadeia, depois de cumprir 29 anos de pena.

A morte de Martin Luther King causou consternação nos E.U.A e um pouco em todo o mundo. Ocorreram manifestações e tumultos em dezenas de cidades americanas. Os grevistas de Memphis viram satisfeitas as suas reivindicações.

O presidente Lyndon B. Johnson, que chegara a apelidar King de “pastor hipócrita” declarou 7 de abril como dia de luto nacional. Não compareceu ao funeral por receio de que a sua presença pudesse desencadear reações hostis, mas fez-se representar pelo vice-presidente Hubert Humphrey.

Como é hábito em circunstâncias semelhantes, fervilharam as teorias da conspiração. James Earl Ray contribuiu para essa fogueira, ao negar ser culpado, três dias após a confissão.

Os seus advogados alegaram que Ray assumira a culpa por ter sido ameaçado com a pena de morte, o que parece certo.  Até morrer, aos 70 anos, James Earl Ray procurou fazer anular a sua sentença, de modo a conseguir um novo julgamento.

Os seus defensores proclamaram que ele não passava de um falso responsável, uma espécie de bode expiatório utilizado para encobrir os verdadeiros criminosos. No entanto, as suas impressões digitais estavam na arma do crime e o seu passado, com diversas prisões por assaltos à mão armada, reforçava pouco as alegações de inocência.

A tese de que Ray não agira sozinho perdurou por muitos anos e nunca foi totalmente abandonada. Os teóricos da conspiração apontam o dedo aos agentes secretos do governo americano.

Como no caso do assassinato de JFKennedy, foi sugerido que haveria mais do que um atirador. Os testes balísticos não terão sido concludentes. Houve quem garantisse que o tiro não viera da janela da pensão, mas de arbustos próximos.

Mais de trinta anos após a morte de King, a sua viúva e os seus filhos processaram Loyd Jowers “e outros co-conspiradores” e o júri deu-lhes razão. Jowers teria participado numa conspiração contra Martin Luther King, com o conluio do governo americano. O Departamento de Justiça dos E.U.A. investigou o assunto e concluiu não haver base para aquela teoria de conspiração. Uma irmã de Jowers acabou por admitir que ele inventara a história para a vender a um jornal e que ela participara na farsa para obter algum dinheiro.

Já em 2002, o pastor Ronald Denton Wilson declarou que fora o seu pai. Ronald Denton Wilson o matador do líder negro. A motivação teria sido o suposto comunismo de King. Wilson não apresentou provas da sua teoria e não foi levado a sério.

Martin Luther King ficou mundialmente conhecido pela luta pelos direitos políticos dos negros americanos, conduzida por métodos não violentos e recorrendo à desobediência civil. Ter-se-á inspirado em Mahatma Gandi e nos Evangelhos.

Colecionou uma série memorável de prémios e condecorações, alguns deles a título póstumo. Avultou, sobre todos o Prémio Nobel da Paz, atribuído em 1964 por ter liderado a resistência não violenta contra o racismo no seu país. Foi, na altura, o mais jovem vencedor daquele galardão. Recebeu mais de meia centena de graus honorários de universidades e colégios. Os homenageadores ressaltaram a sua contribuição para os princípios la liberdade humana, a sua coragem na resistência ao ódio e a sua persistente dedicação ao progresso da justiça social e da dignidade humana.

O presidente Jimmy Carter atribuiu-lhe, em 1977, a título póstumo, a Medalha Presidencial da Liberdade. Aqui fica a transcrição de parte do discurso de Carter:

Martin Luther King Jr. foi o porta-voz da sua geração. Encontrou-se face ao grande muro da segregação e entendeu que o poder do amor poderia conduzir à sua queda. Ele tornou a nossa nação mais forte porque a tornou melhor. O seu sonho ainda nos sustenta.


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