D. Diogo de
Viseu foi assassinado em Setúbal no ano de 1484. Tinha os mesmos 33 anos com
que morreu Jesus Cristo.
Corriam
tempos de mudança.
D. Diogo era
o fidalgo mais poderoso do Reino, a seguir ao duque de Bragança. Filho do
infante D. Fernando (irmão do rei Afonso V) era primo direito e cunhado do rei
que o matou com as próprias mãos. Para além de ser Duque de Viseu e de Beja,
era Senhor da Covilhã, de Moura e das Ilhas Atlânticas. D. Afonso V, o pai de
João II, nomeara-o Condestável do Reino e governador da Ordem de Cristo. Era
ainda irmão de Leonor, mulher de D. João II.
Diogo herdou
os títulos num momento difícil. A Coroa sentia a necessidade premente de
centralizar o poder político.
Os conflitos
entre os reis e os nobres eram crescentes.
Quando D.
João II subiu ao trono, em 1481, os grandes fidalgos do Reino perceberam que
tinham ali um inimigo. O novo rei apressou-se a cercear os privilégios da
nobreza e a robustecer o poder central. A Idade Média findara havia pouco e o
feudalismo mantinha raízes fundas em Portugal. A morte do Infante D. Pedro na
Batalha de Alfarrobeira, em 1449, parece inscrever-se neste processo de
centralização.
João ainda
era príncipe quando se começou a confrontar com o poder da nobreza. Em 1478,
houve fidalgos que se recusaram a aumentar o contributo financeiro para o
sustento da guerra com Espanha. A contestação centrou-se no Alentejo. Lopo de
Vaz Castelo Branco, alcaide de Moura e monteiro-mor do Reino chegou ao ponto de
declarar a sua obediência a Castela. O príncipe mandou matá-lo. O cavaleiro
Álvaro Mendes Cerveira revoltou-se, em Serpa e viu os bens confiscados.
Os nobres
opuseram-se sempre à redução dos seus privilégios. A política centralizadora de
D. João II alarmou os grandes fidalgos. Terá sido preparada uma conjura para
matar o rei e o príncipe herdeiro. D. Diogo de Viseu seria assim o herdeiro da
coroa.
O rei João
soube da conjura e chamou o cunhado à sede da Ordem de Santiago de Espada, com
um pretexto qualquer. Consta que o apunhalou com as próprias mãos, em Setúbal.
Terá tido a ajuda de alguns fidalgos da sua confiança.
Curiosamente,
quem lhe herdou os títulos e o património foi o seu irmão mais novo D. Manuel,
que sucederia a João II no trono de Portugal.
Anos atrás,
em 1479, o duque de Viseu, saído de Alcáçovas, onde fora assinado entre os Reis
Católicos e D. Afonso V o tratado que punha fim à guerra de sucessão de
Castela, fora entregue aos castelhanos como refém da palavra dada. D. Diogo ia
nos 28 anos de idade.
Foi alojado
no Alcácer de Cordova. Foi tratado com gentileza, sendo-lhe permitida alguma
liberdade de movimentos. Ligou-se à duquesa de Villahermosa, D.
Leonor de Sotomaior, que lhe deu um filho a quem chamaram Afonso.
Cedo voou
atrás das suas ambições. Aliou-se a D. Fernando, duque de Bragança, também
descontente com a política centralizadora do rei.
Fernando
juntava ao ducado de Bragança o condado de Guimarães e desempenhava as funções
de fronteiro-mor de Entre-Douro e Minho e Trás-os Montes. Era também a terceira
pessoa mais rica de Portugal, sendo senhor de 50 vilas, cidades e castelos.
Seria capaz de recrutar nos seus domínios 3.000 homens a cavalo e 10.000 a pé.
Era também primo e cunhado do rei. Nessa época, a Casa de Bragança já se
instalara em Vila Viçosa.
Parece que
era difícil guardar segredos, naquele tempo. Os espiões de D. João II acederam
às cartas que o duque trocava com Isabel, a Católica.
Foi o
próprio D. João II quem prendeu o duque de Bragança, depois de ter conversado a
sós com ele. Aconteceu em Évora. Durante três semanas, reuniu diariamente um
tribunal constituído por duas dezenas de juízes, fidalgos e cavaleiros
distribuídos em redor de uma mesa em que o rei ocupava o topo. Eram 21 os
julgadores. O Duque era acusado de pôr em causa a independência de Portugal, de
impedir o acesso à justiça real e de tentar mobilizar os procuradores dos
concelhos contra o poder real.
A votação da
sentença arrastou-se por dois dias e redundou na condenação à morte, por
unanimidade. Estava-se a 19 de junho de 1483.
No dia seguinte,
o duque D. Fernando foi decapitado na praça pública.
Muitos
fidalgos ligados à Casa de Bragança fugiram para Castela.
Por ser
ainda jovem e irmão da rainha, D. Diogo foi apenas admoestado.
Não aprendeu
com a experiência vivida. Julgaria que a proteção iria perdurar vida fora. Até
ser apunhalado, envolveu-se em diversas conspirações contra o rei.
À execução
do duque de Viseu e Beja, seguiu-se uma série de mortes e prisões. Dos
envolvidos, os que tiveram mais sorte escaparam para o estrangeiro.
O Bispo de
Évora, Garcia de Menezes, morreu por envenenamento no Castelo de Palmela. Antes
de morrer, denunciou diversos conspiradores. Entre eles contava-se o seu irmão,
Fernando de Menezes, que foi condenado à morte. O Comendador da Ordem de
Santiago, Guterre Coutinho, denunciado pelo seu irmão Vasco Coutinho, foi
liquidado no Castelo de Aviz. O denunciante foi recompensado com o título de
Conde de Borba.
Nos tempos
imediatos deu-se uma debandada de fidalgos ligados à casa dos Duques de
Viseu-Beja. Escaparam-se para Castela, Aragão, França e Inglaterra.
Alguns
desses nobres, como Lopo de Albuquerque, Álvaro de Atayde, Pedro de Atayde e
Fernão da Silveira tinham desempenhado na Corte funções que lhes davam acesso a
informações sigilosas sobre as navegações portuguesas.
A família da
esposa de Colombo, também ligada à casa dos Duques de Viseu-Beja, esteve entre
as primeiras a exilar-se, instalando-se na Andaluzia. Até o próprio Colombo se
retirou apressadamente de Portugal, com medo de D. João II. Foi o que relatou o
seu filho Hernando Colón.
Debrucemo-nos
agora um pouco sobre a estadia de Cristóvão Colombo em Portugal.
O nome do
navegador não consta de qualquer documento fidedigno dos arquivos portugueses.
O único registo que o menciona é de autencicidade duvidosa. As informações que
referem a sua presença no nosso país vêm de fora. São as biografias escritas
por seu filho Fernando e por Las Casas e o chamado Documento Assereto que
indica a sua presença em Lisboa e na Madeira no verão de 1479.
Colombo terá
entrado em Portugal a bordo de uma nau genovesa em 1476. À chegada, contaria 25
anos. Demorou-se por cá nove anos, tendo realizado diversas viagens por mar,
inclusive em navios portugueses.
Casou com
Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, um dos povoadores e o primeiro
donatário da ilha de Porto Santo.
Os
exilados em Castela e Aragão eram apoiados pela Corte de Castela e continuaram
a conspirar. Foram organizadas duas conjuras destinadas a matar D. João II.
Falharam ambas, apesar de terem sido provavelmente apoiadas pelos Reis
Católicos.
João II
reinou de 1481 a 1495 e foi cognominado de “Príncipe perfeito”. Quem o chamou
assim não pediu opinião aos grandes fidalgos do Reino.
O cronista
Garcia de Resende, moço de escrivaninha do rei, narrou a vida do seu senhor e
defendeu-o com unhas e dentes, decorridos vários anos sobre a sua morte.
Ao referir o
caso do Duque de Vizeu, Resende retratou o rei como um pai misericordioso que
aconselhava o Duque a afastar-se dos maus conselheiros. D. Diogo era primo e
cunhado do rei, “que o criara como filho e o honrara como irmão”. Devia servir
a Coroa “com verdadeira lealdade, obediência e amor”. O perdão concedido por
ocasião do processo do Duque de Bragança deveria contribuir para formar no
coração de Diogo sentimentos de gratidão, já que o rei lhe poupara a vida.
Não
aconteceu assim. O Duque de Viseu terá organizado uma conjura para “matar el
Rei, a ferro, ou com peçonha”. Perante a ameaça à sua vida e à do príncipe
herdeiro, João II reagiu como se sabe. Não organizou um julgamento. Ele próprio
matou o conspirador à punhalada.
Segundo o
cronista, o rei matou em defesa da sua vida e da do seu filho. As ordenações
mandavam que “aqueles que agiam aleivosamente contra o rei deviam ser
condenados à morte natural e cruel acompanhada do confisco dos bens do
traidor.”
D. João II
achou-se numa situação particularmente delicada.
Tinha de
comunicar à rainha, sua esposa D. Leonor, que lhe matara o irmão.
Teve então
um golpe de génio. Mandou trazer à sua presença D. Manuel, irmão mais novo de
Diogo e Leonor. Explicou-lhe que agira em defesa legítima da Coroa e da própria
pessoa, declarou que o amava como a um filho e nomeou-o sucessor no trono, no
caso de ausência de um herdeiro direto. Acrescentou que lhe faria “graça e
mercê” da maioria dos títulos, honrarias e bens do seu infeliz irmão. O crime
de lesa-majestade conduzia à perda dos bens em favor da Coroa e o rei podia
dispor deles como melhor entendesse.
Com a sua
aparente generosidade, D. João II começou a sanar as feridas decorrentes da
morte do cunhado e “restabeleceu a aliança que unia por laços de sangue e
lealdade a monarquia e a principal casa senhorial do seu Reino”.
D. Manuel
não podia adivinhar o futuro, mas pôs de lado a ideia de vingança. “Com muito
acatamento pôs os joelhos em terra e lhe beijou a mão”. Anos depois, sucederia
a João como rei de Portugal.
Decapitadas
as duas maiores casas senhoriais do país, o monarca restabeleceu, com graças e
mercês, a renovação das alianças com a fidalguia, sem a qual não poderia governar.
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