DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020


A EXECUÇÃO DO DUQUE
 
DE VISEU

                                                                      Brasão do Duque de Viseu

D. Diogo de Viseu foi assassinado em Setúbal no ano de 1484. Tinha os mesmos 33 anos com que morreu Jesus Cristo.

Corriam tempos de mudança.

D. Diogo era o fidalgo mais poderoso do Reino, a seguir ao duque de Bragança. Filho do infante D. Fernando (irmão do rei Afonso V) era primo direito e cunhado do rei que o matou com as próprias mãos. Para além de ser Duque de Viseu e de Beja, era Senhor da Covilhã, de Moura e das Ilhas Atlânticas. D. Afonso V, o pai de João II, nomeara-o Condestável do Reino e governador da Ordem de Cristo. Era ainda irmão de Leonor, mulher de D. João II.

Diogo herdou os títulos num momento difícil. A Coroa sentia a necessidade premente de centralizar o poder político.

Os conflitos entre os reis e os nobres eram crescentes.

Quando D. João II subiu ao trono, em 1481, os grandes fidalgos do Reino perceberam que tinham ali um inimigo. O novo rei apressou-se a cercear os privilégios da nobreza e a robustecer o poder central. A Idade Média findara havia pouco e o feudalismo mantinha raízes fundas em Portugal. A morte do Infante D. Pedro na Batalha de Alfarrobeira, em 1449, parece inscrever-se neste processo de centralização.



                                                              D. João II


João ainda era príncipe quando se começou a confrontar com o poder da nobreza. Em 1478, houve fidalgos que se recusaram a aumentar o contributo financeiro para o sustento da guerra com Espanha. A contestação centrou-se no Alentejo. Lopo de Vaz Castelo Branco, alcaide de Moura e monteiro-mor do Reino chegou ao ponto de declarar a sua obediência a Castela. O príncipe mandou matá-lo. O cavaleiro Álvaro Mendes Cerveira revoltou-se, em Serpa e viu os bens confiscados.

Os nobres opuseram-se sempre à redução dos seus privilégios. A política centralizadora de D. João II alarmou os grandes fidalgos. Terá sido preparada uma conjura para matar o rei e o príncipe herdeiro. D. Diogo de Viseu seria assim o herdeiro da coroa.

O rei João soube da conjura e chamou o cunhado à sede da Ordem de Santiago de Espada, com um pretexto qualquer. Consta que o apunhalou com as próprias mãos, em Setúbal. Terá tido a ajuda de alguns fidalgos da sua confiança.

Curiosamente, quem lhe herdou os títulos e o património foi o seu irmão mais novo D. Manuel, que sucederia a João II no trono de Portugal.

Anos atrás, em 1479, o duque de Viseu, saído de Alcáçovas, onde fora assinado entre os Reis Católicos e D. Afonso V o tratado que punha fim à guerra de sucessão de Castela, fora entregue aos castelhanos como refém da palavra dada. D. Diogo ia nos 28 anos de idade.

Foi alojado no Alcácer de Cordova. Foi tratado com gentileza, sendo-lhe permitida alguma liberdade de movimentos.  Ligou-se à duquesa de Villahermosa, D. Leonor de Sotomaior, que lhe deu um filho a quem chamaram Afonso.

Cedo voou atrás das suas ambições. Aliou-se a D. Fernando, duque de Bragança, também descontente com a política centralizadora do rei.

Fernando juntava ao ducado de Bragança o condado de Guimarães e desempenhava as funções de fronteiro-mor de Entre-Douro e Minho e Trás-os Montes. Era também a terceira pessoa mais rica de Portugal, sendo senhor de 50 vilas, cidades e castelos. Seria capaz de recrutar nos seus domínios 3.000 homens a cavalo e 10.000 a pé. Era também primo e cunhado do rei. Nessa época, a Casa de Bragança já se instalara em Vila Viçosa.

Parece que era difícil guardar segredos, naquele tempo. Os espiões de D. João II acederam às cartas que o duque trocava com Isabel, a Católica.

Foi o próprio D. João II quem prendeu o duque de Bragança, depois de ter conversado a sós com ele. Aconteceu em Évora. Durante três semanas, reuniu diariamente um tribunal constituído por duas dezenas de juízes, fidalgos e cavaleiros distribuídos em redor de uma mesa em que o rei ocupava o topo. Eram 21 os julgadores. O Duque era acusado de pôr em causa a independência de Portugal, de impedir o acesso à justiça real e de tentar mobilizar os procuradores dos concelhos contra o poder real.

A votação da sentença arrastou-se por dois dias e redundou na condenação à morte, por unanimidade. Estava-se a 19 de junho de 1483.

No dia seguinte, o duque D. Fernando foi decapitado na praça pública. 

Muitos fidalgos ligados à Casa de Bragança fugiram para Castela.

Por ser ainda jovem e irmão da rainha, D. Diogo foi apenas admoestado.

Não aprendeu com a experiência vivida. Julgaria que a proteção iria perdurar vida fora. Até ser apunhalado, envolveu-se em diversas conspirações contra o rei.

À execução do duque de Viseu e Beja, seguiu-se uma série de mortes e prisões. Dos envolvidos, os que tiveram mais sorte escaparam para o estrangeiro.

O Bispo de Évora, Garcia de Menezes, morreu por envenenamento no Castelo de Palmela. Antes de morrer, denunciou diversos conspiradores. Entre eles contava-se o seu irmão, Fernando de Menezes, que foi condenado à morte. O Comendador da Ordem de Santiago, Guterre Coutinho, denunciado pelo seu irmão Vasco Coutinho, foi liquidado no Castelo de Aviz. O denunciante foi recompensado com o título de Conde de Borba.

Nos tempos imediatos deu-se uma debandada de fidalgos ligados à casa dos Duques de Viseu-Beja. Escaparam-se para Castela, Aragão, França e Inglaterra.

Alguns desses nobres, como Lopo de Albuquerque, Álvaro de Atayde, Pedro de Atayde e Fernão da Silveira tinham desempenhado na Corte funções que lhes davam acesso a informações sigilosas sobre as navegações portuguesas.

A família da esposa de Colombo, também ligada à casa dos Duques de Viseu-Beja, esteve entre as primeiras a exilar-se, instalando-se na Andaluzia. Até o próprio Colombo se retirou apressadamente de Portugal, com medo de D. João II. Foi o que relatou o seu filho Hernando Colón.

Debrucemo-nos agora um pouco sobre a estadia de Cristóvão Colombo em Portugal.

O nome do navegador não consta de qualquer documento fidedigno dos arquivos portugueses. O único registo que o menciona é de autencicidade duvidosa. As informações que referem a sua presença no nosso país vêm de fora. São as biografias escritas por seu filho Fernando e por Las Casas e o chamado Documento Assereto que indica a sua presença em Lisboa e na Madeira no verão de 1479.

Colombo terá entrado em Portugal a bordo de uma nau genovesa em 1476. À chegada, contaria 25 anos. Demorou-se por cá nove anos, tendo realizado diversas viagens por mar, inclusive em navios portugueses.

Casou com Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, um dos povoadores e o primeiro donatário da ilha de Porto Santo.

 Os exilados em Castela e Aragão eram apoiados pela Corte de Castela e continuaram a conspirar. Foram organizadas duas conjuras destinadas a matar D. João II. Falharam ambas, apesar de terem sido provavelmente apoiadas pelos Reis Católicos.

João II reinou de 1481 a 1495 e foi cognominado de “Príncipe perfeito”. Quem o chamou assim não pediu opinião aos grandes fidalgos do Reino.

O cronista Garcia de Resende, moço de escrivaninha do rei, narrou a vida do seu senhor e defendeu-o com unhas e dentes, decorridos vários anos sobre a sua morte. 

Ao referir o caso do Duque de Vizeu, Resende retratou o rei como um pai misericordioso que aconselhava o Duque a afastar-se dos maus conselheiros. D. Diogo era primo e cunhado do rei, “que o criara como filho e o honrara como irmão”. Devia servir a Coroa “com verdadeira lealdade, obediência e amor”. O perdão concedido por ocasião do processo do Duque de Bragança deveria contribuir para formar no coração de Diogo sentimentos de gratidão, já que o rei lhe poupara a vida.

Não aconteceu assim. O Duque de Viseu terá organizado uma conjura para “matar el Rei, a ferro, ou com peçonha”. Perante a ameaça à sua vida e à do príncipe herdeiro, João II reagiu como se sabe. Não organizou um julgamento. Ele próprio matou o conspirador à punhalada. 

Segundo o cronista, o rei matou em defesa da sua vida e da do seu filho. As ordenações mandavam que “aqueles que agiam aleivosamente contra o rei deviam ser condenados à morte natural e cruel acompanhada do confisco dos bens do traidor.”

D. João II achou-se numa situação particularmente delicada.

Tinha de comunicar à rainha, sua esposa D. Leonor, que lhe matara o irmão.

Teve então um golpe de génio. Mandou trazer à sua presença D. Manuel, irmão mais novo de Diogo e Leonor. Explicou-lhe que agira em defesa legítima da Coroa e da própria pessoa, declarou que o amava como a um filho e nomeou-o sucessor no trono, no caso de ausência de um herdeiro direto. Acrescentou que lhe faria “graça e mercê” da maioria dos títulos, honrarias e bens do seu infeliz irmão. O crime de lesa-majestade conduzia à perda dos bens em favor da Coroa e o rei podia dispor deles como melhor entendesse.

Com a sua aparente generosidade, D. João II começou a sanar as feridas decorrentes da morte do cunhado e “restabeleceu a aliança que unia por laços de sangue e lealdade a monarquia e a principal casa senhorial do seu Reino”.

D. Manuel não podia adivinhar o futuro, mas pôs de lado a ideia de vingança. “Com muito acatamento pôs os joelhos em terra e lhe beijou a mão”. Anos depois, sucederia a João como rei de Portugal.

Decapitadas as duas maiores casas senhoriais do país, o monarca restabeleceu, com graças e mercês, a renovação das alianças com a fidalguia, sem a qual não poderia governar.

 

 


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