REGRESSO AO LUBANGO
Já
falei aqui do meu regresso a Angola. Após uma ausência de 47 anos, voltei ao
Lubango.
Ao
passar pelo Picadeiro, domingo de manhã, um negro bem vestido achou-me com ar
de turista e proclamou:
− Angola é bela!
Não
respondi. Sabia disso quatro dezenas de anos antes de ele ter nascido.
A
minha mulher é de Benguela e aproveitou a nossa deslocação para tratar da dupla
nacionalidade. A cidadania angolana tem pouco interesse prático para nós e para
as nossas filhas, mas poderá ser útil para os netos. Ninguém sabe como vai ser
o amanhã e é sempre bom ter portas abertas. O processo burocrático, embora
agilizado pela gentileza do Conservador do Registo Civil de Benguela, consumiu
algum tempo. Acabei por passar apenas um dia na cidade angolana que me
interessa mais.
Fiquei,
assim, à porta do meu Liceu, que agora é Universidade. Não sei se me deixariam
entrar, se fosse dia útil. Tinha pensado oferecer à Biblioteca exemplares dos
dez livros que já publiquei. Os meus amigos dissuadiram-me. Títulos como “Retornados”
ou “Colonos”, ainda despertam muitos anticorpos na sociedade angolana.
Vi de
fora a Escola Primária nº 60, que frequentei da primeira à quarta classe. As
instalações não são as do meu tempo. Quando estive em Sá da Bandeira, em 1964,
já existia o edifício novo. Lembro-me de ter ficado triste com o progresso.
Vivi, pela primeira vez, a frustração de não poder sobrepor as recordações à
realidade.
Tão
pouco entrei no Parque Infantil. Quando eu era miúdo, havia lá um campo de
terra batida onde jogávamos à bola, com balizas improvisadas. Lembro-me do Rio,
um mulato baixinho que varria o lado direito da defesa com vigorosos pontapés
para diante. Finda a instrução primária, não o voltei a ver. Anos mais tarde,
soube que uma prostituta que frequentava o nosso bairro era irmã dele. Julgo que
foi a primeira vez que me confrontei dolorosamente com a noção de extremas
desigualdades sociais entre colegas da mesma escola.
Acima
do campo de futebol, ficava uma bela mata onde abundavam os tchiriquatas.
Dediquei centenas das horas verdes da minha vida a persegui-los, de tchifuta
(fisga) na mão. Raras vezes acertava. Terá sido por essa altura que comecei a
aprender a perder. É um saber que dá jeito a toda a gente, e mais a um adepto
do Vitória de Setúbal.
Não
entrei nas casas onde, em tempos, morei. Não fui ao cemitério da Mitcha
procurar a campa de meu pai, nem fui à Maxiqueira. Não fui ver o Colégio Paula
Frassinetti, onde íamos fazer serenatas às miúdas das madres. Não visitei a Humpata, a Huíla, o
Tchivinguiro, nem a Chibia. Não fui espreitar a Leba, o Bimbe nem a Hunguéria.
Foram
mais as coisas que não vi do que as que pude visitar.
Hei de
voltar!
Muito interessante e emocionante a sua narração, nasci no Lubango em 1983 e me interessa bastante ouvir e ler histórias como a tua, brinquei nos mesmos sítios que muito de vocês mas em épocas diferentes, estou distante da minha terra natal e sinto muita saudade da minha terra! Um abraço!
ResponderEliminar