DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


                                 
                            REGRESSO AO LUBANGO


Já falei aqui do meu regresso a Angola. Após uma ausência de 47 anos, voltei ao Lubango.
Ao passar pelo Picadeiro, domingo de manhã, um negro bem vestido achou-me com ar de turista e proclamou:
Angola é bela!
Não respondi. Sabia disso quatro dezenas de anos antes de ele ter nascido.
A minha mulher é de Benguela e aproveitou a nossa deslocação para tratar da dupla nacionalidade. A cidadania angolana tem pouco interesse prático para nós e para as nossas filhas, mas poderá ser útil para os netos. Ninguém sabe como vai ser o amanhã e é sempre bom ter portas abertas. O processo burocrático, embora agilizado pela gentileza do Conservador do Registo Civil de Benguela, consumiu algum tempo. Acabei por passar apenas um dia na cidade angolana que me interessa mais.


Fiquei, assim, à porta do meu Liceu, que agora é Universidade. Não sei se me deixariam entrar, se fosse dia útil. Tinha pensado oferecer à Biblioteca exemplares dos dez livros que já publiquei. Os meus amigos dissuadiram-me. Títulos como “Retornados” ou “Colonos”, ainda despertam muitos anticorpos na sociedade angolana.
Vi de fora a Escola Primária nº 60, que frequentei da primeira à quarta classe. As instalações não são as do meu tempo. Quando estive em Sá da Bandeira, em 1964, já existia o edifício novo. Lembro-me de ter ficado triste com o progresso. Vivi, pela primeira vez, a frustração de não poder sobrepor as recordações à realidade.  
Tão pouco entrei no Parque Infantil. Quando eu era miúdo, havia lá um campo de terra batida onde jogávamos à bola, com balizas improvisadas. Lembro-me do Rio, um mulato baixinho que varria o lado direito da defesa com vigorosos pontapés para diante. Finda a instrução primária, não o voltei a ver. Anos mais tarde, soube que uma prostituta que frequentava o nosso bairro era irmã dele. Julgo que foi a primeira vez que me confrontei dolorosamente com a noção de extremas desigualdades sociais entre colegas da mesma escola.
Acima do campo de futebol, ficava uma bela mata onde abundavam os tchiriquatas. Dediquei centenas das horas verdes da minha vida a persegui-los, de tchifuta (fisga) na mão. Raras vezes acertava. Terá sido por essa altura que comecei a aprender a perder. É um saber que dá jeito a toda a gente, e mais a um adepto do Vitória de Setúbal.
Não entrei nas casas onde, em tempos, morei. Não fui ao cemitério da Mitcha procurar a campa de meu pai, nem fui à Maxiqueira. Não fui ver o Colégio Paula Frassinetti, onde íamos fazer serenatas às miúdas das madres.  Não visitei a Humpata, a Huíla, o Tchivinguiro, nem a Chibia. Não fui espreitar a Leba, o Bimbe nem a Hunguéria.
Foram mais as coisas que não vi do que as que pude visitar.
Hei de voltar!                              

1 comentário:

  1. Muito interessante e emocionante a sua narração, nasci no Lubango em 1983 e me interessa bastante ouvir e ler histórias como a tua, brinquei nos mesmos sítios que muito de vocês mas em épocas diferentes, estou distante da minha terra natal e sinto muita saudade da minha terra! Um abraço!

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