AMÍLCAR CABRAL
XXXII
O COMEÇO DA FORMAÇÃO INTELECTUAL
O COMEÇO DA FORMAÇÃO INTELECTUAL
Em
1917, a mesma portaria extinguiu o Seminário-liceu de São Nicolau e instituiu o
Liceu de Cabo Verde, no Mindelo. Era uma inovação do colonialismo português. O
Liceu de Luanda seria criado um ano mais tarde.
A especificidade do Liceu Gil Eannes assentava na composição do seu corpo docente, maioritariamente cabo-verdiano. Professores e alunos tinham tons de pele semelhantes.
A especificidade do Liceu Gil Eannes assentava na composição do seu corpo docente, maioritariamente cabo-verdiano. Professores e alunos tinham tons de pele semelhantes.
Era
a mãe de Amílcar Cabral quem sustentava a família durante esses anos de Liceu, com a costura e o
trabalho ocasional na fábrica de conservas de peixe. O pai podia contribuir com pouco.
As secas e a má gestão dos bens herdados tinham-no devolvido à pobreza. Amílcar
começou cedo a dar explicações para ajudar a família.
Datam
desse tempo os primeiros poemas de Amílcar Cabral. O rapaz organizou dois
cadernos de versos que só viriam a ser publicados após a sua morte.
A
adolescência do futuro líder do PAIGC ficou assinalada por dois acontecimentos
relevantes. Um, de nível mundial, foi a segunda Grande Guerra. O outro, de
incidência local, foi a fome grande que, entre 1940 e 1942 terá colhido mais de
vinte mil vidas no arquipélago.
Amílcar tinha quinze anos quando estalou a guerra que iria dar origem ao desmembramento dos impérios
coloniais europeus, modificando o equilíbrio de forças no mundo e a visão que as pessoas tinham dele.
As notícias sobre o desenrolar do conflito eram
acompanhadas atentamente na cidade. Esteve ali destacado um contingente militar português. Alguns oficiais milicianos eram estudantes
universitários. Terão contribuído para divulgar as ideias democráticas e até
comunistas, como iria acontecer anos mais tarde, durante as guerras coloniais.
A redução do tráfego marítimo no Porto
Grande de S. Vicente aliou-se à seca e à carestia de vida para afligir a
população da ilha. As companhias inglesas despediram pessoal, agravando o
desemprego. Foram aos milhares os cabo-verdianos que aceitaram contratos para
trabalhar nas roças de S. Tomé e Príncipe e de Angola. Muitos outros emigraram para onde puderam. Em África, o Senegal era
o destino mais pretendido. Quem podia, escapava-se para a Europa ou para os
Estados Unidos da América.
Amílcar
Cabral escreveu em 1969: eu vi gente
morrer de fome em Cabo Verde… Essa é que é a razão da minha revolta. O
líder africano acusava as autoridades coloniais de tomarem medidas insuficientes para combater as secas periódicas.
Foi
em Cabo Verde que Amílcar Cabral se conheceu. Nascido na Guiné, é cabo-verdiano
pelo sangue e pela educação. Os versos da sua juventude falam da pobreza, do
sofrimento e da ânsia de evasão que se instalava cedo nos corações dos ilhéus.
Deixemos aqui um poema, escrito em 1945, quando trabalhava na Praia:
ILHA
Tu vives - mãe adormecida-
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som das músicas sem música
das águas que nos prendem...
Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
- os sonhos dos teus filhos -
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!
Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
- terra dura -
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!
Tu vives - mãe adormecida-
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som das músicas sem música
das águas que nos prendem...
Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
- os sonhos dos teus filhos -
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!
Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
- terra dura -
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!
No Mindelo,
a cultura estava bem viva. Nasceram ali, enquanto Amílcar frequentava o liceu,
dois movimentos importantes: o dos “claridosos”, ligado à revista Claridade e a “Academia Cultivar”, com a
sua revista Certeza. Amílcar Cabral
candidatou-se à "Academia Cultivar" com um conto (Fidemar) escrito em 1942.
Em 1940, chegou à cidade o goês Diogo Terry, novo
reitor do Liceu Gil Eannes. Reconheceu depressa o valor do jovem Amílcar, já conhecido pelas suas classificações elevadas. De certo modo, apadrinhou-o. Emprestava-lhe livros,
aconselhava-o e acabou por o propor para um estágio em Portugal. Os estágios
eram condicionados às matérias que o Governo considerava úteis para o
Arquipélago, como por exemplo, Medicina Veterinária. Amílcar escreveria mais tarde
que a vocação contava apenas para os estudantes cujas famílias lhes pudessem
pagar os estudos. Não se sabe se a sua opção pelo curso de
Agronomia foi totalmente pessoal ou se se tratou de uma adaptação à realidade envolvente.
Amílcar terminou o curso liceal com
distinção e mudou-se para a Cidade da Praia, onde conseguiu emprego de
amanuense na Imprensa Nacional.
Em Maio de 1944 nasceu a casa de Cabo
Verde, em Lisboa. Naquele tempo, existiam organizações diferentes para os
estudantes oriundos das diversas colónias portuguesas. Fundiram-se ainda nesse
ano, dando origem à Casa dos Estudantes do Império (CEI).
A
secção de Cabo Verde da CEI abriu, em março de 1945, o primeiro concurso
público para jovens cabo-verdianos que pretendessem prosseguir os estudos em
Portugal. O primeiro requisito para concorrer era ser natural de Cabo Verde. O
nascimento de Cabral na Guiné foi desvalorizado, por ser filho de
cabo-verdianos. Amílcar Cabral ficou em primeiro lugar e ganhou uma bolsa, paga
em parte pela Secção de Cabo Verde da CEI e em parte pelo Liceu Gil Eannes.
Somava 800$00 mensais. O segundo classificado foi subsidiado apenas pela Secção
de Cabo Verde da CEI, recebendo metade dessa verba.
Amílcar Cabral chegou a Lisboa no começo de Novembro de 1945.
Amílcar Cabral chegou a Lisboa no começo de Novembro de 1945.
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