AMÍLCAR CABRAL
XXXVII
FÉRIAS EM CABO
VERDE
Amílcar Cabral passou
férias em Cabo Verde, em 1949. Foi precedido por chuvas abundantes que
interromperam a seca de quatro anos que lançara muita gente na miséria e originara
outra leva de emigração. O poeta cantou a chuva e os seus benefícios.
REGRESSO
Mamãe Velha, venha ouvir
comigo
O bater da chuva lá no seu
portão.
É um bater de amigo
Que vibra dentro do meu
coração
A chuva amiga, Mamãe Velha, a
chuva,
Que há tanto tempo não batia assim...
Ouvi dizer que a Cidade-Velha
– a ilha toda –
Em poucos dias já virou
jardim...
Dizem que o campo se cobriu de
verde
Da cor mais bela porque é a
cor da esp’rança
Que a terra, agora, é mesmo
Cabo Verde.
– É a tempestade que virou
bonança...
Durante
as férias, escreveu um artigo a que chamou “Algumas considerações acerca da
chuva”. Propunha a intensificação das políticas destinadas a combater a seca
“dentro da comunidade do Mundo Português”. Poderá ter abordado o tema de forma
prudente, tendo em conta o público-alvo, mas fica a ideia de a sua opção nacionalista não estar ainda
amadurecida.
Cabral
não foi um iluminado. Falamos de um homem que foi capaz de aprender e de
evoluir ao longo da vida. Antes de ser revolucionário, foi reformador. Como seu
pai, terá começado por admitir que o progresso económico do arquipélago e a
melhoria das condições de vida dos ilhéus seriam possíveis no enquadramento
colonial. Essa ideia parece confundir os seus seguidores. Uma parte do que foi
escrito sobre as férias de Cabral em Cabo Verde no ano de 1949 deve ser lida
sob reserva.
O
governador Carlos Roçadas, médico militar, tinha tomado posse algum tempo
antes. Fundou o Boletim de Informação e Propaganda de Cabo Verde, em que tanto
Juvenal como Amílcar Cabral vieram a colaborar. À exceção do primeiro texto, escrito
na cidade da Praia, os artigos de Amílcar foram enviados de Lisboa. Defendia,
como outros, que as secas constituíam mais um problema político que
meteorológico. Para as combater, sugeria a preparação de um projeto global em
que a construção de diques e barragens fosse complementada com a arborização de
áreas específicas com espécies selecionadas.
Durante
as férias, Amílcar Cabral não se limitou a colaborar na imprensa escrita.
Escreveu alguns textos sobre agricultura para a Rádio de Cabo Verde. O terceiro
(e último) destes artigos era claramente politizado. Tratava da similitude
entre as culturas cabo-verdiana, afro-brasileira e afro-americana, sugerindo
que os cabo-verdianos estavam mais chegados a essas comunidades negras que à
população do continente português. Era a Negritude a piscar o olho. O programa
foi interrompido.
Cabral
terá ainda tentado organizar um curso de alfabetização de adultos. Não terá
sido autorizado. De qualquer forma, não o teria podido administrar. O período
de férias era curto. Para mais, adoeceu, antes de regressar a Lisboa.
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