AMÍLCAR CABRAL
XXXIV
O PORTUGAL QUE AMÍLCAR ENCONTROU
No ano da chegada de Amílcar Cabral a Lisboa foi assinada a Carta das Nações Unidas que proclamava o direito dos povos à independência.
Em 1945, Portugal era uma Nação economicamente atrasada. Uma grande parte da população empregava-se na agricultura, utilizando métodos tradicionais de baixa rentabilidade. Sonhava-se com o desenvolvimento industrial, porém o país encontrava-se mal preparado para ele em matéria de qualificação dos recursos humanos. Segundo os dados publicados pela Fundação Mário Soares, a taxa de analfabetismo nos anos 40 andava pelos 55%. O novo Plano de Educação Popular seria lançado apenas em 1947, juntamente com a Campanha Nacional de Educação de Adultos.
Em 1945, Portugal era uma Nação economicamente atrasada. Uma grande parte da população empregava-se na agricultura, utilizando métodos tradicionais de baixa rentabilidade. Sonhava-se com o desenvolvimento industrial, porém o país encontrava-se mal preparado para ele em matéria de qualificação dos recursos humanos. Segundo os dados publicados pela Fundação Mário Soares, a taxa de analfabetismo nos anos 40 andava pelos 55%. O novo Plano de Educação Popular seria lançado apenas em 1947, juntamente com a Campanha Nacional de Educação de Adultos.
As classes mais
desfavorecidas, que constituíam a maioria da população, viviam mal. Havia
fome. As calorias ingeridas diariamente por muitos portugueses andariam perto
das que são hoje noticiadas nos países mais pobres do planeta.
Portugal não era autossuficiente em termos alimentares. Os produtos alimentares faltavam. Os
preços subiam e os salários permaneciam baixos. O racionamento, imposto pelas
dificuldades que a guerra introduziu no abastecimento dos géneros provenientes do exterior e
transportados por mar, foi mal aceite. Ocorreu uma série de greves, a partir de
1942.
Paradoxalmente, durante a guerra, o Banco de Portugal acumulou
ouro e divisas em quantidades invulgares e os bancos privados cresceram com as
poupanças originadas pelo contrabando de minérios e pelos negócios que o conflito armado proporcionava. O investimento interno era muito limitado. As finanças estavam
bem e a economia mal.
Os primeiros anos de paz trouxeram o
regresso ao tradicional défice da balança comercial portuguesa, com o
escoamento lento da exportação dos produtos tradicionais e a necessidade continuada de importação de bens essenciais.
A chamada “idade de ouro” da economia
portuguesa, com a modernização, iria tardar ainda uma dúzia de
anos. Só na década de 50 se generalizaria a eletrificação das vilas e aldeias
do interior e se começaria a desenvolver o tecido industrial,
enquanto o país se abria ao investimento estrangeiro e o turismo começava a
crescer.
Amílcar Cabral chegou a Lisboa em novembro
de 1945 e matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Dos grandes
dirigentes nacionalistas das colónias portuguesas, foi o primeiro a chegar e o
último a sair para a luta de independência.
A
guerra terminara em maio. Os portugueses que se opunham ao regime de Salazar
estavam otimistas. Contavam com a ajuda dos Aliados para depor o vetusto Estado
Novo. Multiplicavam-se as greves, um pouco por todo o país. Velhos e novos
conspiradores iam contando espingardas.
Salazar
tomou o pulso à situação internacional e achou conveniente marcar eleições
legislativas para o final de 1945. Os oposicionistas aproveitaram a ocasião
para fundar o Movimento de Unidade Democrática (MUD), resultante da união de
socialistas e republicanos.
O
caloiro Amílcar não teve grandes dificuldades de adaptação. Inteligente,
extrovertido, de sorriso e palavra fáceis, integrou-se rapidamente no ambiente
social do seu estabelecimento de ensino. Entre os portugueses, o racismo esbateu-se
sempre face a quem fala corretamente a língua e assume modos de vestir e
padrões de comportamento semelhantes aos da gente de cá.
Nesse
tempo, como noutros, a Universidade era escola de democracia. Muitos estudantes
de Agronomia colaboravam com o MUD juvenil. Cabral juntou-se a eles. Participou
em debates e chegou a dirigir alguns, mercê dos seus dotes oratórios.
Os
antifascistas portugueses tentaram antecipar a queda do regime recorrendo a
rebeliões militares. A chamada “Revolta da Mealhada” foi planeada no Porto.
Muita coisa terá falhado na fase final da organização. A única unidade militar
a sair à rua a 10 de outubro de 1946 foi o Regimento de Cavalaria 6, comandado
pelo tenente Fernando Queiroga. A coluna foi facilmente intercetada na
Mealhada. Os responsáveis foram presos e, no ano seguinte, sujeitos a
julgamento.
Esteve
programado para o dia 10 de abril de 1947 outro levantamento militar. Dessa
vez, o número e o prestígio dos revoltosos era bem mais importante. O chefe era
Mendes Cabeçadas, herói da revolução republicana de 1910 e antigo Presidente da
República. O movimento contaria mesmo com o apoio do então Presidente da
República Portuguesa, general Carmona. O mais tarde famoso Hermínio da Palma
Inácio e Gabriel Gomes chegaram a sabotar aviões na Base Aérea de Sintra, mas a
revolução não chegou a eclodir. Seguiu-se uma vaga de prisões de
oposicionistas. Mário Soares conheceu então o cárcere. Seria libertado no final
de agosto do mesmo ano. Por envolvimento na revolta, foram demitidos uns tantos
oficiais e vários professores universitários.
No
espaço de seis meses, falharam duas rebeliões contra o regime.
Em Lisboa, Amílcar Cabral continuou a ser um aluno muito bom. O ensino no Instituto Superior de Agronomia era demasiado exigente. Só assim se compreende que, no início do terceiro ano, apenas cinco dos 220 alunos que tinham iniciado o curso juntos não tivessem ficado para trás. Do grupo inicial faziam parte vinte raparigas. Uma delas era Maria Helena Rodrigues, com quem Amílcar acabaria por casar.
O futuro líder do PAIGC estava habituado à dureza da vida. Para complementar a bolsa de estudos, dava explicações durante a época de aulas e procurava empregos sazonais nas férias.
Em Lisboa, Amílcar Cabral continuou a ser um aluno muito bom. O ensino no Instituto Superior de Agronomia era demasiado exigente. Só assim se compreende que, no início do terceiro ano, apenas cinco dos 220 alunos que tinham iniciado o curso juntos não tivessem ficado para trás. Do grupo inicial faziam parte vinte raparigas. Uma delas era Maria Helena Rodrigues, com quem Amílcar acabaria por casar.
O futuro líder do PAIGC estava habituado à dureza da vida. Para complementar a bolsa de estudos, dava explicações durante a época de aulas e procurava empregos sazonais nas férias.
Entretanto, iam arribando a Portugal os
futuros líderes nacionalistas das colónias. Marcelino dos Santos e Agostinho
Neto vieram em 1947. Mário de Andrade chegou em 1948 e Eduardo Mondlane, que
seguiria meses depois para os EUA, em 1949.
Era
a época da afirmação de grandes líderes africanos, como Kwame N`Krumah, Julius
Nyerere e Patrice Lumumba. Começavam as independências das nações africanas.
Os estudantes das colónias agrupavam-se
em redor de interesses comuns variados, entres os quais se contava a saudade das
terras de origem e a defesa contra a estranheza, e muitas vezes a intolerância,
da gente de cá. Amílcar Cabral fez amizade com Agostinho Neto, Mário Pinto de
Andrade, Noémia de Sousa e Alda do Espírito Santo. Marcelino dos Santos foi seu
companheiro de quarto.
Muitos desses estudantes
universitários reconheceram cedo a necessidade de lutar pela melhoria das
condições de vida dos povos de Portugal e das suas colónias. Durante a segunda metade da década de 40, houve muitos que combateram politicamente o regime de Salazar, lado a lado com a Esquerda portuguesa, considerando aliados o fascismo e o colonialismo. O derrube dum acarretaria a queda do outro.
Os universitários oriundos de África e da Ásia reuniam-se com frequência na Casa dos Estudantes do Império (CEI) que funcionava na Avenida Duque de Ávila. A CEI ajudava os estudantes recém-chegados a obter alojamento em pensões baratas ou em quartos alugados. Dispunha de um posto médico e fornecia refeições económicas. Desenvolvia também uma actividade cultural virada para os problemas coloniais. No começo dos anos 50 iniciou a actividade editorial, possibilitando a personagens como Agostinho Neto, Viriato da Cruz e Luandino Vieira a publicação dos seus primeiros poemas. Os objetivos da Casa eram facilitar a integração na Portugalidade dos jovens provenientes das colónias.
Pouco tardou até que alguns estudantes negros notassem que as suas preocupações específicas eram ignoradas pela organização. Aos poucos, os africanos a estudar em Portugal passaram a separar a defesa dos interesses dos seus povos da luta contra a ditadura portuguesa. Começou a chamada "africanização dos espíritos". Reclamava-se a herança cultural negra, anterior à chegada dos europeus a África. A tomada crescente de uma consciência política específica desenvolveu-se nas proximidades da CEI, mas à sua revelia. Foram sendo criadas organizações autónomas. Nasceu, em 1951, o Centro de Estudos Africanos (CEA). O Movimento Democrático das Colónias Portuguesas (MDCP) foi fundado em Lisboa em 1954 e o Movimento de Libertação Nacional das Colónias Portuguesas (MLNCP) teve origem em Paris, em 1957. O Movimento Anticolonialista (MAC) nasceu da fusão dos dois anteriores, já em 1958.
Os universitários oriundos de África e da Ásia reuniam-se com frequência na Casa dos Estudantes do Império (CEI) que funcionava na Avenida Duque de Ávila. A CEI ajudava os estudantes recém-chegados a obter alojamento em pensões baratas ou em quartos alugados. Dispunha de um posto médico e fornecia refeições económicas. Desenvolvia também uma actividade cultural virada para os problemas coloniais. No começo dos anos 50 iniciou a actividade editorial, possibilitando a personagens como Agostinho Neto, Viriato da Cruz e Luandino Vieira a publicação dos seus primeiros poemas. Os objetivos da Casa eram facilitar a integração na Portugalidade dos jovens provenientes das colónias.
Pouco tardou até que alguns estudantes negros notassem que as suas preocupações específicas eram ignoradas pela organização. Aos poucos, os africanos a estudar em Portugal passaram a separar a defesa dos interesses dos seus povos da luta contra a ditadura portuguesa. Começou a chamada "africanização dos espíritos". Reclamava-se a herança cultural negra, anterior à chegada dos europeus a África. A tomada crescente de uma consciência política específica desenvolveu-se nas proximidades da CEI, mas à sua revelia. Foram sendo criadas organizações autónomas. Nasceu, em 1951, o Centro de Estudos Africanos (CEA). O Movimento Democrático das Colónias Portuguesas (MDCP) foi fundado em Lisboa em 1954 e o Movimento de Libertação Nacional das Colónias Portuguesas (MLNCP) teve origem em Paris, em 1957. O Movimento Anticolonialista (MAC) nasceu da fusão dos dois anteriores, já em 1958.
Vasco Cabral, Agostinho Neto e Mário de
Andrade conheceram as prisões políticas portuguesas. Amílcar Cabral nunca foi detido.
O seu envolvimento político em Portugal foi discreto e pouco comprometedor. Terá
sido incomodado uma única vez pela PIDE. Cabral contou mais tarde:
“Chamaram-me à PIDE porque eu fazia luta pela
paz em Portugal, pelo fim do fascismo em Portugal, porque assinei o documento
do povo português contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte.”
“Moral
e politicamente nada se apurou em seu desabono”, relatou a PIDE, dois meses
antes de Amílcar Cabral abandonar Portugal com destino à Guiné.
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