AMÍLCAR CABRAL
XXVIII
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CABRAL E A DIPLOMACIA
A
guerra travava-se na Guiné mas decidia-se lá fora. Os camponeses balantas e
mandingas nunca poderiam ganhar vantagem duradoura nos combates com o exército
português se não fossem equipados e armados pela solidariedade doutros países. Amílcar
Cabral entendeu isso cedo. Passava muito tempo fora de Conakry. Desdobrava-se
em entrevistas, aproveitava todas as ocasiões de ser recebido por altas
personalidades estrangeiras e não perdia uma oportunidade de discursar em
organizações internacionais.
Curiosamente,
essa dedicação produtiva às relações exteriores nem sempre era bem entendida e
o secretário-geral era criticado pelo seu partido por passar demasiado tempo
longe do país.
Cabral
deslocou-se três vezes ao estrangeiro em 1966 e 31 em 1972. Nem tudo corria bem
nas matas da Guiné. As campanhas agrícolas não deram os resultados esperados e
era preciso alimentar os guerrilheiros. Faltava dinheiro para assegurar o
funcionamento do partido e para comprar combustível. Tudo dependia da boa
vontade internacional.
O
PAIGC tinha razões de sobra para estar contente com a Organização da Unidade
Africana (OUA), que atribuíra ao partido a exclusividade da representação dos
nacionalistas de Guiné e de Cabo Verde.
As
vicissitudes da luta armada tornavam conveniente a diversificação do apoio concedido.
A OUA organizou uma Missão Militar, integrada por oficiais provenientes do
Senegal, da República da Guiné, de Marrocos e da Mauritânia. O objetivo oficial
da Missão era tomar conhecimento direto das realidades das várias frentes de
combate abertas contra as tropas coloniais.
A visita ficou assinalada por alguns incidentes. Na
Zona Norte, depois de abandonar a base de S. Domingos, a Missão presenciou um
bombardeamento na região de Djagali. Os militares passaram a noite seguinte na
tabanca de Maqué. Rebentou ali perto uma mina antipessoal colocada por soldados
africanos do exército português, tendo morrido um auxiliar de enfermagem. Os
elementos da Missão visitaram escolas do MPLA e testemunharam a destruição das
tabancas de Morés e Candjambari.
No começo
do ano de 1968, o Comité de Libertação da OUA reuniu em Conakry. Aprovou uma
moção de encorajamento à guerrilha e apelou ao reforço do apoio internacional
ao PAIGC.
Entre
junho e julho de 1970, realizou-se em Roma a Conferência Internacional de
solidariedade para com os povos das Colónias Portuguesas. Estiveram presentes
177 organizações de 64 países. No dia 1 de julho, à margem da conferência, o
Papa Paulo VI recebeu em audiência no Vaticano Amílcar Cabral, Agostinho Neto e
Marcelino dos Santos.
Esta audiência representou o reconhecimento oficial
dos Movimentos de Libertação da Guiné, Angola e Moçambique pela Igreja Católica
e criou um estado de crispação entre o Governo Português e a Santa Sé. Na
conferência de imprensa realizada imediatamente após o encontro com o Papa, Cabral
apressou-se a apelar aos católicos portugueses para que deixassem de apoiar a
política colonial do regime.
A Igreja Católica tivera sempre vistas largas e
tencionava permanecer em África para além do colonialismo. Em 1970, um
sacerdote negro foi nomeado bispo auxiliar de Luanda, contra o parecer da
igreja portuguesa. Em junho do mesmo ano, Paulo VI cumpriu a visita agendada a
Fátima mas não passou por Lisboa.
Em alguns textos de Amílcar Cabral, parece evidente
a sua visão marxista-leninista do mundo. Na intervenção que fez em Havana em
1966, a quando da Conferência Tricontinental, o secretário-geral do PAIGC
questionou a dinâmica da formação das classes e a interpretação das forças
motoras da História. A meu ver, não se tratava de rotura com a interpretação
aceite, mas sim do seu enriquecimento. Amílcar Cabral agregava à teoria
leninista as suas reflexões sobre experiência colhida das revoluções africanas. De modo
voluntário, ou não, Cabral apresentava-se como um teórico marxista.
No entanto, Amílcar Cabral era um líder
pragmático. Acima do seu modo pessoal de olhar o mundo, colocava sempre os
interesses da luta revolucionária. Embora tenha sido apoiado, desde o início da
missão a que dedicou a sua vida, pelos países do bloco socialista, não tardou a
piscar o olho aos americanos. Aos nacionalistas importava mais a qualidade e o
valor da ajuda prestada que a sua proveniência. O PAIGC recebia apoio humanitário de organizações não-governamentais americanas, mas não estabelecera
contactos com representantes oficiais do Pentágono.
Em 1970, Cabral visitou os EUA para participar na
cerimónia dedicada à memória de Eduardo Mondlane, organizada pela Universidade
de Siracusa. Mondlane fora assassinado no ano anterior.
Raramente a diplomacia será inocente ou meio
ingénua. Os Estados Unidos não queriam perder influência em África.
O
congressista Charles Diggs defendia há muito a tese de que os movimentos
nacionalistas africanos se tinham encostado à União Soviética mais por razões
materiais do que por consonâncias de ideologia. A América distanciara-se voluntariamente
do processo e perdia, por isso, possíveis amigos em África.
Amílcar
Cabral foi recebido por um grupo de congressistas americanos e expôs as suas razões.
As portas da imprensa americana (e logo da opinião pública) e os cofres da Administração
começaram a abrir-se à causa da independência da Guiné-Bissau. Juntou-se o tio Sam ao Vaticano.
Em
1972, com o objetivo de favorecer o reconhecimento do PAIGC pela comunidade
internacional, a Comissão de Descolonização da ONU enviou uma
missão à zona libertada do sul da Guiné. Foi a primeira vez que a bandeira das
Nações Unidas foi içada no território de uma colónia africana que combatia pela
sua independência. Estavam criadas as condições para a declaração unilateral de
independência da Guiné-Bissau.
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