DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 5 de maio de 2013


                                 AMÍLCAR CABRAL

                                        XXIV

     A AFRICANIZAÇÃO DA GUERRA



Os portugueses recrutavam há vários séculos africanos para as suas fileiras. Os negros estavam adaptados aos terrenos em que lutavam e conheciam-nos bem. Eram relativamente imunes à malária e a outras doenças tropicais que fragilizavam os militares europeus. Em algumas ocasiões chegaram a ser considerados os melhores soldados do Império. Saíam baratos, o que tinha uma importância fundamental para as finanças do governo. Lembre-se que a guerra colonial chegou a consumir 40 por cento do orçamento do Estado Português. Por outro lado, a divulgação das baixas dos militares africanos produzia na opinião pública portuguesa um impacto bem menor que a dos soldados brancos.
Para os mobilizar, os comandantes portugueses exploravam habilmente as rivalidades históricas. Os fulas e os mandingas detestavam-se há mais de um século. Note-se que os fulas, no século XIX, ajudaram os colonialistas franceses e portugueses a destruir o império Mandé. Ora, os mandingas constituíam, a par dos balantas, a espinha dorsal da guerrilha do PAIGC. Os serviços de propaganda portugueses insinuavam que a vitória da guerrilha seria a vitória dos mandingas e que os fulas se iriam sentir em desvantagem numa eventual Guiné independente, tanto mais que Sekou Touré, o presidente da vizinha Guiné-Conakry, era também mandinga. Muitos dos fulas alistados sob a bandeira das quinas apresentaram-se voluntariamente.
O número de soldados negros utilizados na luta contra o PAIGC cresceu progressivamente. Seriam 1.000 em 1961, cerca de 4.000 em 1966 e 7.500 perto do final da guerra. Nestas contas não entram os efetivos das unidades paramilitares de milícia nem os guias, carregadores e outros auxiliares contratados pelo nosso exército.
Alguns destes militares bateram-se ao longo de toda a guerra de independência, o que seria impensável para soldados metropolitanos destacados na Guiné.
Os combatentes negros eram enquadrados em companhias africanas. Começaram por ser três, mas o seu número foi aumentando.
Em 1966 foram criados os Pelotões de Caçadores Nativos. Cada um contava 30 a 40 elementos, comandados por um alferes.  De início eram sete, mas em 1968 já se aproximavam das duas dezenas.
O enquadramento dos comandos africanos seguiu um trajeto peculiar. Os comandos metropolitanos começaram cedo a recorrer aos serviços de militares do recrutamento local, beneficiando do conhecimento que tinham do terreno, das línguas e dos hábitos das populações. Os melhores combatentes iam sendo integrados em equipas que se tornaram mistas.
No início do consulado de Spínola os comandos negros foram agrupados em companhias comandadas por africanos apoiados por um capitão comando metropolitano do quadro permanente e por um sargento branco. Em 1973 foi constituído o Batalhão de Comandos da Guiné. 
     Ficaram famosas a sua indisciplina nas horas de folga e a sua eficácia em combate. A valentia de alguns oficiais africanos como o capitão João Bacar Djaló, morto em combate, e Marcelino da Mata, ainda vivo e a morar em Portugal, entrou no domínio da lenda.
Curiosamente, os militares africanos do exército português alcunharam o general Spínola de “Caco Baldé”. Julgo que “caco” se refere ao famoso monóculo do comandante-chefe. De “baldé” sei apenas que é um nome comum na Guiné.
    O Acordo do Alvor obrigou as forças armadas portuguesas a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo. A maioria desses combatentes ficou na Guiné após a independência e muitos foram passados pelas armas.

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