AMÍLCAR CABRAL
XXIV
A AFRICANIZAÇÃO DA GUERRA
Os portugueses recrutavam há vários séculos
africanos para as suas fileiras. Os negros estavam adaptados aos terrenos em
que lutavam e conheciam-nos bem. Eram relativamente imunes à malária e a outras
doenças tropicais que fragilizavam os militares europeus. Em algumas ocasiões chegaram
a ser considerados os melhores soldados do Império. Saíam baratos, o que tinha
uma importância fundamental para as finanças do governo. Lembre-se que a guerra
colonial chegou a consumir 40 por cento do orçamento do Estado Português. Por outro
lado, a divulgação das baixas dos militares africanos produzia na opinião pública
portuguesa um impacto bem menor que a dos soldados brancos.
Para os mobilizar, os comandantes portugueses
exploravam habilmente as rivalidades históricas. Os fulas e os mandingas
detestavam-se há mais de um século. Note-se que os fulas, no século XIX,
ajudaram os colonialistas franceses e portugueses a destruir o império Mandé.
Ora, os mandingas constituíam, a par dos balantas, a espinha dorsal da
guerrilha do PAIGC. Os serviços de propaganda portugueses insinuavam que a
vitória da guerrilha seria a vitória dos mandingas e que os fulas se iriam
sentir em desvantagem numa eventual Guiné independente, tanto mais que Sekou
Touré, o presidente da vizinha Guiné-Conakry, era também mandinga. Muitos dos fulas
alistados sob a bandeira das quinas apresentaram-se voluntariamente.
O número de soldados negros utilizados na luta contra
o PAIGC cresceu progressivamente. Seriam 1.000 em 1961, cerca de 4.000 em 1966 e
7.500 perto do final da guerra. Nestas contas não entram os efetivos das unidades
paramilitares de milícia nem os guias, carregadores e outros auxiliares contratados
pelo nosso exército.
Alguns destes militares bateram-se ao longo de toda
a guerra de independência, o que seria impensável para soldados metropolitanos destacados
na Guiné.
Os combatentes negros eram enquadrados em companhias
africanas. Começaram por ser três, mas o seu número foi aumentando.
Em 1966 foram criados os Pelotões de Caçadores
Nativos. Cada um contava 30 a 40 elementos, comandados por um alferes. De início eram sete, mas em 1968 já se aproximavam
das duas dezenas.
O enquadramento dos comandos africanos seguiu um trajeto
peculiar. Os comandos metropolitanos começaram cedo a recorrer aos serviços de militares
do recrutamento local, beneficiando do conhecimento que tinham do terreno, das línguas
e dos hábitos das populações. Os melhores combatentes iam sendo integrados em equipas
que se tornaram mistas.
No início do consulado de Spínola os comandos negros
foram agrupados em companhias comandadas por africanos apoiados por um capitão comando
metropolitano do quadro permanente e por um sargento branco. Em 1973 foi constituído
o Batalhão de Comandos da Guiné.
Ficaram famosas a sua indisciplina nas horas de folga e a sua eficácia em combate. A valentia de alguns oficiais africanos como o capitão João Bacar Djaló, morto em combate, e Marcelino da Mata, ainda vivo e a morar em Portugal, entrou no domínio da lenda.
Curiosamente, os militares africanos do exército português
alcunharam o general Spínola de “Caco Baldé”. Julgo que “caco” se refere ao famoso
monóculo do comandante-chefe. De “baldé” sei apenas que é um nome comum na Guiné.
O Acordo do Alvor obrigou as forças armadas portuguesas a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo. A maioria desses combatentes ficou na Guiné após a independência e muitos foram passados pelas armas.
O Acordo do Alvor obrigou as forças armadas portuguesas a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo. A maioria desses combatentes ficou na Guiné após a independência e muitos foram passados pelas armas.
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