AMÍLCAR
CABRAL
XXVI
PRISIONEIROS
Não é conhecido com
exatidão o número de militares portugueses capturados pelo inimigo durante a
guerra de independência da Guiné. Terão sido cerca de oitenta. O facto de alguns
desertores terem sido aprisionados e a incerteza quanto ao paradeiro de muitos
desaparecidos complicam as contas. Houve quem tivesse sido arrastados pelas
águas durante a travessia dos inúmeros rios e braços de mar da Guiné, quem se
perdesse na mata durante o combate e quem tivesse o corpo despedaçado pela
explosão de minas de grande potência.
Tanto quanto se sabe, o
primeiro militar português aprisionado pelo PAIGC foi o sargento piloto António
Lobato. Sobreviveu à queda do seu avião, em maio de 1963, e só viria a ser
libertado quando da operação Mar Verde, sete anos depois.
Em 1968, uma emboscada
preparada entre Buba e Quebo, perto de Mampatá, permitiu aos guerrilheiros
aprisionar oito soldados portugueses. Pouco tempo depois, num ataque perpetrado
na região de Bafatá, foram apanhados mais onze militares.
O PAIGC não tinha
condições para manter cadeias, mesmo nas zonas “libertadas”. A desproporção
entre o número de mortos em combate (2.070, nos 13 anos de guerra) e o escasso
número de prisioneiros (80) faz supor que a maioria dos soldados portugueses
detidos tenha sido imediatamente eliminada.
Os cativos que não foram
passados pelas armas acabaram por ser transferidos para diversos países
africanos que apoiavam a guerrilha guineense.
Julga-se que estiveram
presos na Guiné-Conakry, nas cadeias de Alfa Yaya e Kindia, 45 militares
portugueses, entre os quais se contavam três oficiais. 24 prisioneiros foram
resgatados pelas forças de Alpoim Calvão no decurso da operação “Mar Verde”. Na
República Democrática do Congo (Kinshasa), na República Popular do Congo
(Brazzaville), na Tanzânia e na Zâmbia estiveram detidos mais 26 combatentes
metropolitanos.
A literatura oficial do
PAIGC louva as condições de detenção dos militares portugueses e o humanismo
com que terão sido tratados.
Estiveram
detidos em Conakry mais de vinte militares europeus que tinham alimentação
especial, com direito a irem à praia, que não ficava longe, uma vez por semana.
No pátio do prédio transformado em prisão, havia um campo para desporto, onde
faziam exercícios físicos. Muitos aprenderam a ler e a escrever e no fim já
eram eles próprios a escreverem às famílias, o que lhes era facultado com a
colaboração da Cruz Vermelha Senegalesa e a Cruz Vermelha Internacional.
Para
além da operação “Mar Verde”, Marcelino da Mata participou noutra ação de
guerra destinada a libertar soldados portugueses aprisionados pelo inimigo. Esse
extraordinário combatente ficou famoso também pela sua bazófia. Os números que
refere não podem ser levados sempre a sério. Ouçamo-lo.
Voltei a Binta em 1967.
Foi uma das operações que gostei mais de fazer. O tenente-coronel Manuel Ferreira chamou-me e contou-me que a companhia do capitão Fernando Carracha, que estava
a fazer operações de patrulha na zona da fronteira, fora toda apanhada à mão
pelo PAIGC na véspera – 150 homens apanhados à mão! – e que eu tinha de ir lá
buscá-los. Na vila para onde os levaram, além do PAIGC havia 1 batalhão de
pára-quedistas senegaleses. Fomos 19 homens, todos muito armados, menos eu que
ia vestido com uma tanga igual à que os senegaleses usam naquela zona. Entrei
na vila, cheguei perto do arame farpado do quartel senegalês e vi os nossos
homens todos sentados na parada, só em cuecas; nem as meias lhes tinham
deixado. O primeiro que me reconheceu passou a palavra ao capitão e depois
passaram todos uns aos outros. Atirei uma granada ofensiva para o meio da
parada e na confusão conseguimos tirar os nossos de lá todos. Mas custou-me
chegar à fronteira porque os brancos não estão habituados a andar descalços. A
tropa senegalesa fugiu rapidamente, mas o PAIGC vinha atrás de nós. Iam 9 do
meu grupo à frente a escoltar os nossos e 10 atrás a aguentar o tiro do inimigo
– foi assim até à fronteira e ainda eram mais de 40 km. Pusemos os nossos na
fronteira e ainda voltámos para trás para repelir o PAIGC. Nesta operação
ganhei a Torre e Espada.»
Os
guerrilheiros capturados pelos portugueses eram considerados fontes privilegiadas
de informação e interrogados pela unidade militar. Muitas vezes eram obrigados a
servir de guias para localizar as suas bases. Posteriormente, eram entregues ao
livre-arbítrio da PIDE. Não sendo considerados prisioneiros de guerra, não lhes
eram atribuídos quaisquer direitos e não eram protegidos por leis ou regulamentos.
Tanto podiam ser considerados arrependidos, podendo então regressar às terras de
origem, como eliminados sem deixar vestígios.
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