AMÍLCAR CABRAL
XXIII
UM TEXTO DE ALPOIM CALVÃO
XXIII
UM TEXTO DE ALPOIM CALVÃO
OPERAÇÃO
“GATA BRAVA”
(transcrito com modificações mínimas do livro
“De Conakry ao M.D.L.P.”)
Nos primeiros dias de fevereiro de
1970, recebeu-se no Quartel General do Comandante Chefe em Bissau uma
informação referente ao transporte, num barco a motor, de Boké para Kadigné, do
elemento inimigo Marcel (nome de código). Dizia ainda que a data provável do
transporte seria 25.
Fui encarregado de planear e
executar a operação. Armou-se uma emboscada à entrada de Kadigné na noite de 24
para 25, com dois botes de borracha e oito homens. Contudo, a neblina cerrada
que se verificou fez malograr a tentativa.
No princípio de março, nova
informação referia o movimento inverso de Marcel, desta vez para o dia 7.
Embarcámos na lancha de fiscalização grande “LIRA” às 19.00, largando em
seguida o navio para a foz do Cacine e deu ferro junto à marca SAMBA, dia 6, às
01.30.
Foram lançados à água dois botes de
borracha, sendo o primeiro comandado por mim e o outro pelo segundo tenente
Barbieri, num total de oito homens. Às 03.00 os botes largaram da LIRA, que
forneceu apoio radar para a entrada do canal. O percurso foi executado com os
motores a trabalhar a baixo regime de rotações e depois de terminado o apoio
radar, a navegação fez-se por bússola, aproveitando ainda a enchente. Pelas
05.30 atingiu-se o ilhéu Calebe, emboscando os dois botes numa abertura de
tarrafo que tinha sido feita durante a Operação Nebulosa, realizada em agosto,
e que se mantinha desconhecida do inimigo, como se demonstrou ao encontrar no
local dois sacos de ração de combates que lá tinham sido deixados, a quando da
realização da citada operação.
Os botes ficaram com as proas
voltadas para o exterior, prontos a largar.
Às 08.00 a maré começou a vazar e às
08.10 contactou-se com uma parelha de FIAT`s que, depois de fazer um
reconhecimento visual, informou que o N/M BANDIM não se encontrava em Kadigné.
Resolveu-se aguardar pela maré da
noite e cerca de duas horas depois os botes já se encontravam completamente em
seco.
Pelas 16.00 a água da enchente
começou a penetrar no esteiro aonde os botes se encontravam e pelas 17.30 já
estes flutuavam. Às 18.00, aproveitando o crepúsculo, aproximaram-se os botes
da abertura de saída, para mais prontamente poderem entrar em ação se fosse
necessário.
Às 19.00 horas ouviram-se vozes
relativamente perto e o barulho de remos de uma canoa.
Às 19.10 começou-se a distinguir o
ruído dum motor que se foi avolumando e pelas 19.30 avistou-se, a cerca de 200
metros, a silhueta do navio motor BANDIM que levava somente uma pequena luz
acesa na casa do leme. Mandou-se arrancar com os motores. O bote nº1 colocou-se
nos setores de popa do BANDIM, enquanto o nº 2 seguia a ocupar uma posição no
través de estibordo. O bote nº 1 fez um tiro de lança granadas foguete (bazuca,
LGF) a 150 metros de distância, tendo-se o rebentamento verificado muito perto
do alvo, enquanto se abria fogo de metralhadora ligeira.
O BANDIM respondeu com fogo de
armamento ligeiro automático, guinando acentuadamente para a margem da
República da Guiné.
Entretanto, continuou-se a fazer
fogo de bazuca, obtendo-se um impacto em cheio ao terceiro tiro, manobrando os
botes rapidamente, procurando manter uma posição desfasada de 90.º em relação
ao objetivo.
Duma posição a oeste da vila de Kadigné,
verificaram-se muitas tracejantes de metralhadora antiaérea – calculadas em
número de seis – na direção aproximada do local do contacto, mas passando
bastante altas. Desse mesmo ponto, foi feito tiro de artilharia ou de morteiro
de grande calibre em vários azimutes, ouvindo-se um total de 20 rebentamentos,
uns curtos, outros compridos, revelando uma certa desorientação.
Simultaneamente e a norte desta posição, já na nossa ilha de Canefaque, fez
fogo uma metralhadora pesada, com tiro tracejante, ao lume da água, bastante
mais ajustada. Da canoa referida anteriormente, foi feito fogo de metralhadora
ligeira sobre os botes, tendo contudo retirado rapidamente da zona de contacto.
O combate com o BANDIM continuou,
obtendo-se outro impacto de LGF, que obrigou o alvo a começar a navegar em
círculo, acabando por penetrar num esteiro, encalhando profundamente na posição
e desaparecendo de vista. Perseguia-se a BANDIM por dentro do esteiro,
obtendo-se novo impacto de LGF, aproximando-mos a cerca de 10 metros para o
lançamento de granadas de mão. Do tarrafo foi feito fogo de arma automática, a
que se respondeu com rajadas de metralhadora ligeira, abordando-se o navio.
Logo que se penetrou no N/M BANDIM,
foram encontrados vários indivíduos mortos – posteriormente veio a verificar-se
que eram seis – dois dos quais à entrada da casa da máquina e da casa do leme.
Procurou-se por entre os destroços
as alavancas do comando da máquina, porém veio a verificar-se que o citado
navio era manobrado da própria casa da máquina.
Desceu-se a esse compartimento com o
intuito de engrenar os motores à ré, de forma a desencalhar o navio. Porém, depois
do exame efetuado, verificou-se que a alavanca da manobra do motor não
introduzia a marcha à ré, provavelmente por qualquer estilhaço que provocara o
bloqueio da alavanca (uma conduta de gasóleo estava igualmente atingida por
vários estilhaços, vertendo abundantemente).
Decidiu-se parar a máquina, com o
intuito de rebocar o BANDIM apenas com a força de tração dos botes. Assim, foi
lançado um cabo à ré do BANDIM, o outro de través, na proa do navio.
Porém, a maré já vazava desde as
20.30, pelo que o navio se encontrava perfeitamente encalhado. Face à
impossibilidade de se processar o reboque, decidiu-se realizar a sua
destruição.
Enquanto se procedia ao espalhar de
gasolina pelos pontos inflamáveis do navio, terminaram-se as buscas ao porão,
tendo-se abandonado o BANDIM com a certeza de que não transportava qualquer
material. Os poucos colchões espalhados no porão deram indicação de que o navio
não transportava muita gente.
O fogo foi iniciado por meio de uma
granada de mão defensiva, lançada para o interior da casa das máquinas. O
BANDIM começou a arder lentamente e só quando os botes alcançaram o meio do Rio
Inxanxe se verificou uma explosão surda, seguida de altas labaredas. Quando se
atingiu o ponto de reunião ainda se distinguia nitidamente o clarão do BANDIM.
O regresso a bordo da LIRA
iniciou-se pelas 21.00. Chegou-se às 22.00 ao ponto de reunião e verificou-se
que a LFG ainda não se encontrava no local. Tentou-se a comunicação, em VHF,
durante duas horas, sem resultado. Pelas 23.50 ordenou-se à LFG caso ouvisse os
botes para acender as luzes. Avistou-se em seguida no azimute 230 um clarão
para lá do horizonte visual, cerca de 12 milhas da Marca Samba. Soltou-se um
rumo para essa posição e em 070100 atracou-se à LFG LIRA, que uma avaria na
máquina obrigara a fundear tão longe do local do ponto de reunião.
A destruição do BANDIM e a morte dos
seis homens que o guarneciam lançaram uma certa confusão no inimigo, como se
deduziu pelos seus comunicados na rádio. No espaço de seis meses tinham-se
destruído dois barcos a motor do PAIGC prejudicando-lhe gravemente a frota de
transporte.
Sem comentários:
Enviar um comentário