AMÍLCAR CABRAL
XLV
MOVIMENTOS NACIONALISTAS DA GUINÉ E DE CABO VERDE
A CONQUISTA DA LIDERANÇA
É
comprida a lista dos movimentos, uniões e partidos criados para promover as
independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. A multiplicidade ilustra a
euforia de uma época em que a epidemia das nacionalidades atingiu os melhores
intelectuais africanos. Havia muita gente com ambição de vir a ocupar lugares
de relevo nas terras de origem, na região equatorial da África.
O
tempo pôs à prova todas estas organizações. Umas tantas desapareceram. Outras
adaptaram-se, associaram-se e sobreviveram. A História fez a seleção. A ajudar
a tecer a História esteve cedo a mão de Amílcar Cabral. Conversou, persuadiu,
conspirou, deu passos adiante e atrás, sem nunca perder de vista os objetivos
que perseguia.
Tentaremos
pôr alguma ordem nesse enredo complexo. Já
referimos algumas organizações independentistas de tendência pan-africana, como
o CEA, o MDCP, o Movimento Unitário Anticolonial (MAC) e a Frente Revolucionária
Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas (FRAIN). Passamos
a enumerar os movimentos, frentes e partidos que pretendiam a independência de
Cabo Verde e da Guiné. Poderão faltar alguns na nossa lista.
BNGB
– Bloco dos Nativos da Guiné-Bissau, 1965.
BDG
– Bloco Democrático da Guiné, 1965.
FUL –
Frente Unida de Libertação, 1962.
FLING –
Frente de Libertação para a Independência da Guiné. Chefiada
por Henry Labery, foi fundada em Dakar em 1963 e resultou da aliança da UPG com
o MLG (Dakar), UNPG, MLG (Bissau), RDGA e UPLG.
FNLG –
Frente Nacional de Libertação da Guiné, liderada por Ibraima Djaló.
MLICV
– Movimento de Libertação das Ilhas de Cabo Verde.
MLG
(Bissau) – Movimento de Libertação da Guiné.
MLG
(Dakar), chefiado por François Mendy.
MLGCV –
Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde.
PAI – Partido Africano para a Independência.
PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Em Conakry, o PAI acrescentou duas
letras à sua sigla para se diferenciar doutro partido senegalês com o mesmo
nome e passou a chamar-se PAIGC.
PDG – Partido Democrático da
Guiné Portuguesa, dos mandingas de Farim.
O
PELUNDENSE, dos manjacos de Pelundo.
RDAG -
Reunião Democrática Africana da Guiné (provavelmente uma secção da RDQ).
UDC –
União Democrática Cabo Verdiana, fundada em 1959.
UNGP –
União dos Naturais da Guiné Portuguesa, fundada em 1963.
UPG –
União das Populações da Guiné, fundado em 1958.
ULPG –
União Popular de Libertação da Guiné, fundada em 1963.
UPICV – União das Populações das Ilhas de
Cabo Verde.
URGP - Union des Ressortissants de Guinée Portugaise.
Eram muitas as organizações e
demasiados os protagonistas. Houve abraços, separações, intrigas, calúnias,
convergências e desentendimentos.
Por
volta de 1961, não parecia claro para muitos o rumo a dar a uma Guiné-Bissau
liberta do domínio português. O território do país estava encostado ao Senegal
e à Guiné-Conakry. Havia, naturalmente, os partidários da união ao Senegal,
como o MLG (Dakar), maioritariamente constituída por manjacos, e os que se pretendiam juntar a
Conakry, como o MLGCV. A UNGP, liderada por Benjamim Pinto Bull, defendia a
autonomia em ligação com Portugal. Em 1963, os seus representantes seriam
expulsos da conferência constitutiva da Organização da Unidade Africana,
acusados de traírem a África.
Algumas dessas frentes e movimentos
foram fundados pelo próprio Cabral. Aconteceu assim com o MLGCV (Movimento de
Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde), criado em 1959, em Dakar, a partir
do MLG. Destinava-se a marcar lugar face a outras organizações existentes e a
disputar os apoios internacionais.
Oficialmente,
o PAIGC foi fundado em Bissau, em 1956. A data, os intervenientes e as
circunstâncias são discutíveis. Pouco importa. As nações precisam de mitos e os
mitos não se compadecem com imprecisões de datas.
Seria
o MLG de Dakar o primeiro a desencadear a luta armada, no norte da Guiné, a 17
de julho de 1961.
Após
uma reunião em Dakar com Rafael Barbosa, Amílcar Cabral redigiu o Programa e os
Estatutos do PAIGC. Simultaneamente, Cabral assumiu a direção do MLGCV, com
estruturas tanto em Dakar como em Bissau. O MLGCV, que para alguns continuava a
ser apenas MLG, era necessário, uma vez que o PAIGC não estava ainda
implantado no território guineense.
Voltaram
a acentuar-se as divergências entre cabo-verdianos e guineenses no seio do
MLG–MLGCV. Ocorreu uma cisão e foram feitas denúncias à PIDE. Vários militantes
foram presos e o MLG ficou debilitado. O mal de uns é o bem de outros. A
implantação do PAIGC ficou facilitada. O partido desenvolveu-se, primeiro em
Bissau e depois no interior, em boa parte devido ao trabalho clandestino de
Rafael Barbosa. Entre novembro de 1960 e março de 1962, Barbosa fez distribuir
no interior do território milhares de panfletos e aliciou cerca de meio milhar
de jovens para a escola de quadros que o PAIGC abrira em Conakry.
Amílcar
Cabral tinha uma noção clara da importância da unidade para a luta de
independência e multiplicou os esforços destinados a consegui-la. Preocupava-o
sobremaneira a existência de organizações étnicas. Ouçamo-lo:
A maior asneira que se podia fazer na
nossa terra seria criar na Guiné partidos ou movimentos na base de etnias, o
que era um meio bastante bom, não só para o inimigo nos dividir ainda mais,
durante a luta, mas também para garantir a sua vitória; a destruição da nossa
independência, depois da luta, como os camaradas têm visto em alguns países
africanos.
Muitas iniciativas tomadas no sentido da
unidade falharam. Os movimentos sediados em Dakar ainda estavam mais divididos
que os que se tinham instalado em Conakry.
Em
marco de 1961, Cabral propôs a realização em Dakar de uma conferência das
organizações nacionalistas da Guiné e de Cabo Verde. Dois meses depois, foi
possível reunir uma comissão preparatória da conferência. Estiveram
representados, além do PAIGC, o MLGC (Dakar), o MLGCV ( Conakry) e o MLGCV
(Zinguinchor). A conferência teve lugar entre 12 e 14 de julho. Foi nela criada
a Frente Unida de Libertação (FUL), que pouco tempo iria durar. Sobre ela,
escreveria mais tarde Amílcar Cabral:
Quando o nosso Partido entrou em
contacto com o exterior do país, a partir de 1960, sentiu que havia gente da
nossa terra, quer da Guiné, quer de Cabo Verde, que tinha criado os
chamados movimentos fora da terra. 0 nosso Partido teve que fazer uma
concessão, teve que dar um passo atrás na sua ideia de só um Partido e nada de
frente, para ver se juntava aquela gente, para lutar pela independência da
Guiné e Cabo Verde. Por isso mesmo é que, por um lado, fizemos uma chamada
Frente com o Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde que estava em
Conakry mas que os nossos próprios camaradas criaram já ligados ao PAIGC, e com
o Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde que estava em Ziguinchor.
Resolvemos lançar um apelo para a unidade de todos os Movimentos de Libertação
da Guiné e Cabo Verde. O PAIGC chamou todos aqueles que diziam que eram
movimentos para nos unirmos. Fizemos uma conferência em Dakar com o então
Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde, que estava em Dakar e que
englobava tanto guineenses como cabo-verdianos, no qual estavam fulanos que
vocês conhecem; não vale a pena torná-los importantes citando os seus nomes
aqui. Para essa conferência também foi esse movimento de Ziguinchor e o
Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde que estava em Conakry, assim como
o PAIGC representado por alguns dos seus membros. Tudo isso foi
fundamentalmente uma concessão da nossa parte, uma tática, para vermos o que é
que aquela gente queria de fato, qual era a sua intenção, até que ponto estavam
engajados na luta a sério e se de fato queriam lutar ou se queriam apenas
arranjar lugares. Praticamente, nós é que fizemos a conferência toda. Levamos
documentos bem preparados, e eles, encarregados de preparar a conferência, nem
sequer tinham ainda feito o programa. A conferência foi feita de fato, com a
assistência das autoridades senegalesas, com a assistência do camarada
Marcelino dos Santos, representando a CONCP, e de outras entidades. O ponto de
vista do nosso Partido foi defendido com força pelos seus representantes,
apoiados pelos movimentos de libertação da Guiné e Cabo Verde de Conakry e
Ziguinchor. Claro que o objetivo dos de Dakar não era fazer a unidade, era o de
acabar com o PAIGC; essa é que era a sua ideia e, quando viram que não era
possível, aceitaram todas as resoluções apresentadas na Conferência. Mas logo a
seguir começaram a sabotar.
Os
países vizinhos e a OUA exerceram as suas influências procurando a unidade.
Os instrumentos mais poderosos de pressão eram de índole financeira. Foi-se
criando consenso em redor da ideia de fazer depender a ajuda internacional dos
resultados obtidos no terreno. Nesse sentido, foi criada uma missão de “Bons
Ofícios”, integrada por representantes da República da Guiné, Senegal, Argélia,
Congo-Leopoldville e Nigéria. Deveria analisar a situação de todos os
movimentos de libertação das colónias portuguesas e aconselhar os que deveriam
ser apoiados.
A
missão de “Bons Ofícios” virou-se primeiro para Angola e considerou a FNLA o único
movimento que merecia ajuda. O MPLA ficaria de fora até 1968.
Em
Julho de 1963, ao saber da aproximação daquela missão, Amílcar Cabral mandou
abrir nova frente de luta no norte do território. Serviria para combater,
fora da Guiné, a influência da rival FLING. Esta frente também não perdeu
tempo. Valia tudo, na luta pelo dinheiro vindo de fora. Apressou-se a divulgar
comunicados em que reivindicava uma série de ataques às forças coloniais. Felizmente
para os militares portugueses, a maioria dessas ações armadas ocorreu apenas no
papel.
O
PAIGC estava em boas condições para ser reconhecido. Era ele quem fazia quase
todo o esforço de guerra contra Portugal. No entanto, o conflito da Guiné
interessava aos países limítrofes. Enquanto o Senegal apoiava a FLING, a
Guiné-Conacry protegia o PAIGC. O conselho de ministros da OUA acabou por não
reconhecer qualquer das organizações.
Amílcar
Cabral desistiu de vez da criação de frentes e fez o PAIGC seguir o próprio
percurso. A opção revelou-se adequada. A unidade possível (e suficiente)
realizou-se através da luta armada. Todas as outras organizações ficaram pelo
caminho. Apenas em 1965, quando a OUA enviou uma missão militar em visita às
zonas controladas pelos guerrilheiros no interior do território guineense, o PAIGC
receberia o apoio formal das nações de África.
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