AMÍLCAR CABRAL
XXXV
A NEGRITUDE E O PAN-AFRICANISMO
Léopold Senghor
Às vezes, vê-se melhor ao longe do que ao perto. Chega a ser preciso sair dum país para o compreender. Algumas das ideias mais difundidas sobre a África Negra nasceram noutras paragens. O
Pan-africanismo começou nas Caraíbas, enquanto a Negritude teve origem em Paris.
No final do século XIX desenvolveu-se nos
Estados Unidos da América um movimento que defendia a emancipação dos negros.
Na mesma altura, Henry Sylvester Williams, advogado de Trindade e Tobago,
lançou os fundamentos do Pan-africanismo. Viriam a ser desenvolvidos por W.E.
Burghardt Dubois, que lançou um projeto de solidariedade entre todos os negros do
mundo.
Nos
últimos anos da década de 20, o movimento da negritude foi fundado em Paris por
Aimé Césaire, da Martinica, Léon Damas, da Guiana francesa e Léopold Sédar
Shengor, do Senegal, entre outros. Resultava da troca de ideias e de pontos de
vista entre estudantes negros a viver em França e artistas africanos
provenientes de países diversos com o surrealismo e com as ideias de alguns pensadores
franceses de esquerda. Tinha por bandeira a reafricanização dos espíritos. Obrigava ao estudo da história e da cultura africanas e exaltava as raízes da raça negra. Dava abrigo psicológico e sentimento de pertença a muitos jovens que até então tinham lidado com a dificuldade de se sentirem simultaneamente negros e franceses.
Os países europeus com domínios noutros
continentes tiveram sempre necessidade de recrutar quadros subalternos para a
administração colonial. Permitiram assim a formação local de classes sociais
privilegiadas. O fim da segunda Grande Guerra levou à subida dos preços dos
produtos exportados pelas colónias e fez crescer o número de famílias com
possibilidade financeira de enviar os filhos a estudar para a Metrópole.
Aumentou portanto o número de estudantes africanos nas universidades portuguesas.
Curiosamente, Lisboa estava associada
historicamente a movimentos precursores das independências africanas
(protonacionalistas, no dizer de Mário de Andrade). Durante a vigência da nossa
Primeira República funcionaram na capital portuguesa a Associação dos
Estudantes Negros e a Liga Académica Internacional dos Negros.
Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário de
Andrade, Viriato Cruz e Lúcio Lara conheceram-se em Lisboa, enquanto estudantes
universitários. Para eles, a africanidade nasceu na Europa. A verdade é que
nenhum deles conhecia bem a África. A Negritude chegou a Lisboa em 1949, com a
antologia compilada por Senghor. Foi lida por muitos estudantes africanos. Terão conhecido também o livro “Pele negra, máscara
branca”, que Frantz Fanon publicou em 1952 para expor as suas reflexões
sobre psicopatologia da colonização.
Fanon nasceu na Martinica e combateu os
alemães, integrado nas forças francesas livres. Estudou Medicina e
especializou-se em Psiquiatria. Foi colocado num hospital argelino e juntou-se
à Front de Libèration Nacional da Argélia. As suas obras influenciaram gerações
de nacionalistas africanos. Em “Os
Condenados da Terra”, publicado em 1961, já depois da sua morte, defendeu o
direto dos povos colonizados a usar de violência na luta pela independência
nacional.
A Negritude recusava a subjugação dos
corpos e dos espíritos africanos aos colonizadores europeus. Reivindicava
também para os africanos a posse física do seu continente.
Os estudantes africanos em Lisboa
dedicaram-se ao estudo da cultura dos povos negros. Procuraram conhecer a
história e a geografia dos seus países e interessaram-se pela antropologia e
pela etnologia. Valorizaram a tradição de resistência negra contra a dominação
colonial. Cresceram intelectualmente. Alguns prepararam-se para assumir funções
de liderança nos processos históricos de autodeterminação dos respetivos
territórios.
Quatro anos após a publicação da Anthologie de la Nouvelle Poésie Nègre et Malgache, Mário de
Andrade reuniu uma colaboração variada e editou os Cadernos de Poesia Negra de Expressão Portuguesa.
Cabo Verde desenvolvera uma cultura mestiça. O sentimento de cabo-verdianidade tinha
um componente europeu e outro negro. Começou então a viagem espiritual de regresso de Amílcar Cabral a África. Afirmaria mais tarde que o colonialismo retirara os
africanos da história.
Amílcar Cabral não se limitava a refletir. Agia.
Colaborou com Agostinho Neto, que fundara em Alcântara o Clube
Marítimo. As atividades desportivas e culturais, toleradas pelo regime,
permitiam encobrir o trabalho de consciencialização dos marinheiros angolanos
que navegavam entre o Lobito e Lisboa, com escalas em Luanda e Bissau. Cedo
permitiram assegurar o transporte de informações e de material clandestino nos
dois sentidos.
Algum tempo depois, o grupo de Amílcar
Cabral e Agostinho Neto formou o Centro de Estudos Africanos. “Encostou-se”
inicialmente à Casa de África, uma instituição que datava de 1910 e agregava
africanos residentes em Lisboa. As coisas não correram bem entre as duas
gerações de negros e o Centro passou a reunir em casa de Januário do Espírito
Santo, pai de Alda.
O Centro de Estudos Africanos promoveu
algumas conferências e discussões sobre temas africanos. Permitiu ainda
estabelecer relações com organizações congéneres no estrangeiro. Foi assim que
Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário de Andrade e Alda do Espírito Santo
puderam publicar trabalhos na revista Présence Africaine, liderada por Alioune Diop
e fundada em Paris em 1947.
O Centro nunca chegou a atingir grande relevância.
Serviu, ainda assim, de modelo para outras organizações progressistas. Começava
por se criar um grupo com declarados objetivos culturais, suscetível de ser
aceite pelo governo salazarista. A política entrava aos poucos nas conversas, à
medida que se tornava possível depositar confiança nos novos associados.
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