XXXVI
A POESIA
Amílcar
Cabral dava às palavras escritas mais valor do que elas tinham. Ao longo da
guerra, não se cansou de escrever relatórios, cartas, comunicados e ensaios.
Era como se passar a escrito uma preocupação a aliviasse, ou traçar no papel os
contornos dum problema fosse já começar a resolvê-lo.
Diz Corsino Tolentino que Cabral foi um político que queria ser poeta. O líder do PAIGC começou a escrever versos na adolescência. A maior parte deles, contudo, viria a ser publicada apenas depois da sua morte.
Não
foi a poesia que notabilizou Amílcar, embora os seus versos se leiam com curiosidade
e certo agrado.
ROSA NEGRA
Rosa,
Chamam-te Rosa, minha preta formosa
E na tua negrura
Teus dentes se mostram sorrindo.
Teu corpo baloiça, caminhas dançando,
Minha preta formosa, lasciva e ridente
Vais cheia de vida, vais cheia de esperanças
Em teu corpo correndo a seiva da vida
Tuas carnes gritando
E teus lábios sorrindo...
Mas temo tua sorte na vida que vives,
Na vida que temos...
Amanhã terás filhos, minha preta formosa
E varizes nas pernas e dores no corpo;
Minha preta formosa já não serás Rosa,
Serás uma negra sem vida e sofrente
Serás uma negra
E eu temo a tua sorte!
Minha preta formosa não temo a tua sorte,
Que a vida que vives não tarda findar...
Minha preta formosa, amanhã terás filhos
Mas também amanhã...
... amanhã terás vida!
O
autor não renegou os poemas líricos que escreveu, mas evoluiu e amadureceu. A
revista Présence Africaine, fundada
por Alioune Diop em 1947, influenciou todos os intelectuais negros que a
puderam acompanhar. A Anthologie de la
nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, a cargo de Leopold
Shengor, com prefácio de Jean-Paul Sartre, foi editada em 1948. Os temas eram a
escravatura, o racismo, o culto dos antepassados e o homem negro.
Sartre
era, ao tempo, uma das estrelas intelectuais da Esquerda europeia. Não se
limitou a escrever um prefácio: enveredou pela teorização da negritude. A seu
ver, era necessário passar-se por um racismo anti-racista para se chegar à
eliminação do conceito de raça. Tal racismo deveria afirmar-se na luta pelas
independências. Todos os meios para as alcançar seriam justificados.
“Este livro ensinou-me muitas coisas – escreveu mais tarde Amílcar Cabral. A certeza de que o Negro estava em vias de
despertar no mundo inteiro. Tratava-se de um despertar universal, de braços
abertos a todos os homens de boa vontade.”
O poema que registo a seguir ilustra a evolução do pensamento do autor.
NÃO, POESIA
Não, Poesia:
Não te escondas nas grutas do meu ser,
Não fujas à Vida.
Quebra as grades invisíveis da minha prisão,
Abre de par em par as portas do meus ser
- sai...
Sai para a luta (a vida é luta)
Os homens lá fora chamam por ti,
E tu, Poesia, és também um Homem.
Ama as poesias de todo o Mundo,
- ama os Homens
solta teus poemas para todas as raças,
para todas as coisas.
Confunde-te comigo...
Vai, Poesia:
Toma os meus braços para abraçares o Mundo,
Dá-me os teus braços para que abrace a Vida.
A minha Poesia sou eu.
O poema que registo a seguir ilustra a evolução do pensamento do autor.
NÃO, POESIA
Não, Poesia:
Não te escondas nas grutas do meu ser,
Não fujas à Vida.
Quebra as grades invisíveis da minha prisão,
Abre de par em par as portas do meus ser
- sai...
Sai para a luta (a vida é luta)
Os homens lá fora chamam por ti,
E tu, Poesia, és também um Homem.
Ama as poesias de todo o Mundo,
- ama os Homens
solta teus poemas para todas as raças,
para todas as coisas.
Confunde-te comigo...
Vai, Poesia:
Toma os meus braços para abraçares o Mundo,
Dá-me os teus braços para que abrace a Vida.
A minha Poesia sou eu.
A partir dessas leituras, Cabral passou
a defender, como
Agostinho Neto, que o papel do poeta devia ser o de “formador de consciência”. Em
1952, escreveu: A evolução da poesia
cabo-verdiana não deverá parar. Ela deve transcender a “resignação” e a
“esperança”. A insularidade total e a seca não são suficientes para justificar
uma estagnação perpétua. As mensagens da Claridade e da Certeza devem ser
transcendidas. O sonho de evasão, o desejo de “querer partir”, não pode ser
eternizado. O sonho deve ser outro.
Apontava assim o rumo que, no seu
entender, deveria ser seguido pela literatura cabo-verdiana. Perderam os
movimentos da Claridade e da Certeza, que não tinham contribuído para a tomada
de consciência das realidades africanas por parte dos negros. Foram excluídas
de algumas antologias.
Em 1953 foi publicado o primeiro Caderno
de Poesia Negra de Expressão Portuguesa, organizado por
dois intelectuais africanos: Francisco José Tenreiro, de São Tomé e Príncipe, e
Mário de Andrade, de Angola;
A meu ver, não é certo que a subordinação da
poesia às necessidades do processo histórico a tenha enriquecido. Embora haja
existam excelentes poetas militantes, o engajamento político direciona a imaginação
e pode limitá-la. É fácil tropeçar no caminho que vai do lirismo à poesia de
combate.
Eis um poema emblemático de Amílcar
Cabral em que as caravelas são as dez ilhas de Cabo Verde:
NAUS SEM RUMO
Dispersas,
emersas,
sozinhas sobre o Oceano …
Sequiosas,
rochosas,
pedaços do Africano,
do negro continente,
as enjeitadas filhas,
nossas ilhas,
navegam tristemente …
emersas,
sozinhas sobre o Oceano …
Sequiosas,
rochosas,
pedaços do Africano,
do negro continente,
as enjeitadas filhas,
nossas ilhas,
navegam tristemente …
Qual naus da antiguidade,
qual naus
do velho Portugal,
aquelas que as entradas
do imenso mar abriram …
As naus
que as nossas descobriram.
qual naus
do velho Portugal,
aquelas que as entradas
do imenso mar abriram …
As naus
que as nossas descobriram.
Ao vento, à tempestade,
navegam
de Cabo Verde as ilhas,
as filhas
do ingente
e negro continente …
navegam
de Cabo Verde as ilhas,
as filhas
do ingente
e negro continente …
São dez as caravelas
em busca do Infinito …
São dez as caravelas,
sem velas,
em busca do Infinito …
A tempestade e ao vento,
caminham …
navegam mansamente
as ilhas,
as filhas
do negro continente …
em busca do Infinito …
São dez as caravelas,
sem velas,
em busca do Infinito …
A tempestade e ao vento,
caminham …
navegam mansamente
as ilhas,
as filhas
do negro continente …
- Onde ides naus da Fome,
da Morna,
do Sonho,
e da Desgraça? …
da Morna,
do Sonho,
e da Desgraça? …
- Onde ides? …
Sem rumo e sem ter fito,
Sozinhas,
dispersas,
emersas,
nós vamos,
sonhando,
sofrendo,
em busca do Infinito! …
Sozinhas,
dispersas,
emersas,
nós vamos,
sonhando,
sofrendo,
em busca do Infinito! …
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