DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

domingo, 21 de abril de 2013


                                             AMÍLCAR CABRAL

                                                               XII

            OPERAÇÃO MAR VERDE



              O ATAQUE A CONAKRY





          Antes da 1 da manhã de 22 de Novembro de 1970, um grupo de 14 fuzileiros especiais iniciou o ataque às oito embarcações militares acostadas no porto de Conakry. Os navios foram tomados de surpresa. Os fuzileiros afundaram três vedetas e deitaram fogo a outras quatro com granadas incendiárias.
Outro pequeno grupo de combate atacou a central elétrica e deixou metade da capital guineense às escuras.
A bordo do navio chefe Orion avistou-se o clarão das explosões e o fogo de armas ligeiras do lado do porto e assistiu-se ao apagar das luzes de parte da cidade. As coisas tinham começado bem.
Não aconteceu assim com todos os objectivos programados. Logo no começo da missão, o capitão Morais, que comandava o grupo de paraquedistas encarregado de tomar o aeroporto, comunicou via rádio para o seu navio de apoio: o filho da puta do tenente Januário fugiu com vinte dos meus homens; traiu-me miseravelmente. Não foi possível destruir os MIG`s, que não estavam no aeroporto nem nos hangares. O serviço de informações falhara. Os MIG`s tinham sido transferidos dias antes para Labé, cerca de 150 quilómetros a norte da capital. 
 Sem o necessário domínio do espaço aéreo, a operação corria um risco sério de fracasso.
Um grupo de assalto atacou as instalações do PAIGC, destruindo edifícios e viaturas e abatendo vários militares. As residências dos dirigentes foram também assaltadas, mas Amílcar Cabral não se encontrava em Bissau. A “inteligência falhara outra vez.
Outro grupo, composto por fuzileiros, tomou de assalto o complexo residencial de Sekou Touré, que estava noutra parte da cidade. Foi atacado o Grupo das Milícias Populares.
Na prisão La Montaigne estavam detidos 25 militares portugueses. Contava-se entre eles o sargento aviador António Lobato, preso desde que o se T6 se despenhara, em maio de 1963. Foram libertados, depois de se abrir um rombo no muro, a tiro de bazooka.
Um grupo de 40 homens integrando comandos africanos e membros do Front e comandada por Tomás Camará e pelo alferes Ferreira, atacou a Gendarmerie, há pouco transformada em prisão política. Ouçamos o então furriel Marcelino da Mata, que integrou este grupo:

    No dia 19 de Novembro de 1970 arrancámos para Conackry com uma companhia de Comandos e um destacamento de Fuzileiros especiais guineenses, que só souberam para onde iam já dentro dos barcos – só os oficiais e eu sabíamos antes. Houve tipos que começaram a chorar, porque se contavam muitas histórias acerca de Conackry: um furriel enfermeiro, que tinha andado no PAIGC e se entregou, dizia que estava tudo eletrificado, que se tocava num arame e morríamos todos  e eu perguntei-lhe como é que eles tinham dinheiro para fazer armadilhas elétricas, se nem tinham dinheiro para comer.  O meu grupo de assalto, com quarenta homens era comandado por um alferes branco (Abílio Rodrigues Ferreira) que ia na sua primeira operação: era de Administração, com a especialidade “ranger” e nunca tinha ouvido um tiro em combate; recebeu a informação de que o seu objetivo era tomar o controlo de um quartel onde estavam apenas 30 homens; afinal era um regimento de tropas especiais (Guarda Nacional da Guiné-Conackry) que tinha sido treinado por checos.
   Fui o primeiro a entrar no quartel. Entrei sem arma. Não tinha arma, só tinha uma faca e o cantil da água, porque quando desembarquei do barco para o bote deixei cair a arma ao mar. Quando cheguei à porta de armas estavam lá 4 pessoas a conversar. Viram-me, avisaram as sentinelas e fecharam o portão. Nós tínhamos chapéus grandes, do tipo daqueles que os americanos usam para não apanhar sol, enfiei o chapéu pela cabeça, mandei uma cabeçada no vidro e entrei pela janela. Caí em cima da mesa do sargento da guarda, ele pôs-se debaixo da mesa e dei-lhe 2 punhaladas, matei-o. Depois, dei a volta e fui abrir o portão e o grupo entrou. Mal entrámos, o corneteiro começou a tocar a corneta e os gajos começaram a aparecer. O alferes, em vez de entrar, ficou ao meu lado e levou uma rajada. A partir daí dei ordem para abater tudo o que aparecesse. Ou morríamos ou matávamos. A nossa sorte foi que eles não valiam nada – éramos quarenta e ao fim de meia hora tomámos conta do quartel. Agarrámos os inimigos e pusemo-los sentados debaixo do pau da bandeira. Só tivemos um morto, que foi o alferes.

Foram libertados cerca de 600 presos e abatidos todos os militares inimigos que foram encontrados. No final da missão, o grupo apoderou-se dum jipe para transportar o corpo do alferes Ferreira.
A grande altitude, um grupo de MIG sobrevoou a flotilha portuguesa, sem atacar. Provocou ansiedade ente a nossa gente, apesar de o sargento António Lobato ter informado Calvão de que os pilotos guineenses ainda não tinham completado a formação e dificilmente seriam capazes de atingir uma força naval.
O comandante não podia arriscar mais os seus homens. Depois de recolherem todo o pessoal desembarcado, os navios formaram em losango e navegaram de regresso à ilha de Sogo. Traziam dois mortos e um ferido grave. A operação em terra durara cerca de dez horas.
Não ocorreu o esperado levantamento popular contra Sekou Touré. A centena de elementos do Front que participara na operação optou por ficar em terra. Foi vencida e liquidada pelo exército da República da Guiné.
Spínola ficou transtornado com o resultado da operação. Sonhara com o Golpe de Estado que iria destituir Sekou Touré e instalar no poder um governo favorável aos interesses portugueses.
 Alpoim Calvão afirmaria anos mais tarde que Amílcar Cabral, se fosse capturado, seria transportado para Bissau enquanto Sekou Touré seria entregue aos elementos da Front. Escreveu no seu relatório: sob o ponto de vista estritamente militar, a operação decorreu de forma muito satisfatória; o estado actual de funcionamento dos nossos serviços de informações é confrangedor.


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