AMÍLCAR CABRAL
XII
OPERAÇÃO MAR VERDE
O ATAQUE A CONAKRY
Antes da 1 da manhã de 22
de Novembro de 1970, um grupo de 14 fuzileiros especiais iniciou o ataque às
oito embarcações militares acostadas no porto de Conakry. Os navios foram
tomados de surpresa. Os fuzileiros afundaram três vedetas e deitaram fogo a
outras quatro com granadas incendiárias.
Outro pequeno grupo de
combate atacou a central elétrica e deixou metade da capital guineense às
escuras.
A bordo do navio chefe Orion avistou-se o clarão das explosões
e o fogo de armas ligeiras do lado do porto e assistiu-se ao apagar das luzes
de parte da cidade. As coisas tinham começado bem.
Não aconteceu assim com todos os objectivos programados. Logo no começo da missão, o capitão Morais, que comandava o grupo de paraquedistas encarregado de tomar o aeroporto, comunicou via rádio para o seu navio de apoio: o filho da puta do tenente Januário fugiu com vinte dos meus homens; traiu-me miseravelmente. Não foi possível destruir os MIG`s, que não estavam no aeroporto nem nos hangares. O serviço de informações falhara. Os MIG`s tinham sido transferidos dias antes para Labé, cerca de 150 quilómetros a norte da capital.
Sem o necessário domínio do espaço aéreo, a
operação corria um risco sério de fracasso.
Um grupo de assalto atacou
as instalações do PAIGC, destruindo edifícios e viaturas e abatendo vários
militares. As residências dos dirigentes foram também assaltadas, mas Amílcar
Cabral não se encontrava em Bissau. A “inteligência falhara outra vez.
Outro grupo, composto por
fuzileiros, tomou de assalto o complexo residencial de Sekou Touré, que estava
noutra parte da cidade. Foi atacado o Grupo das Milícias Populares.
Na prisão La Montaigne estavam detidos 25
militares portugueses. Contava-se entre eles o sargento aviador António Lobato,
preso desde que o se T6 se despenhara, em maio de 1963. Foram libertados,
depois de se abrir um rombo no muro, a tiro de bazooka.
Um grupo de 40 homens
integrando comandos africanos e membros do Front
e comandada por Tomás Camará e pelo alferes Ferreira, atacou a Gendarmerie, há pouco transformada em
prisão política. Ouçamos o então furriel Marcelino da Mata, que integrou este grupo:
No dia 19 de Novembro de 1970 arrancámos para
Conackry com uma companhia de Comandos e um destacamento de Fuzileiros
especiais guineenses, que só souberam para onde iam já dentro dos barcos – só
os oficiais e eu sabíamos antes. Houve tipos que começaram a chorar, porque se
contavam muitas histórias acerca de Conackry: um furriel enfermeiro, que tinha
andado no PAIGC e se entregou, dizia que estava tudo eletrificado, que se
tocava num arame e morríamos todos e eu
perguntei-lhe como é que eles tinham dinheiro para fazer armadilhas elétricas,
se nem tinham dinheiro para comer. O meu
grupo de assalto, com quarenta homens era comandado por um alferes branco (Abílio
Rodrigues Ferreira) que ia na sua primeira operação: era de Administração,
com a especialidade “ranger” e nunca tinha ouvido um tiro em combate; recebeu a
informação de que o seu objetivo era tomar o controlo de um quartel onde
estavam apenas 30 homens; afinal era um regimento de tropas especiais (Guarda
Nacional da Guiné-Conackry) que tinha sido treinado por checos.
Fui o primeiro a
entrar no quartel. Entrei sem arma. Não tinha arma, só tinha uma faca e o
cantil da água, porque quando desembarquei do barco para o bote deixei cair a
arma ao mar. Quando cheguei à porta de armas estavam lá 4 pessoas a conversar.
Viram-me, avisaram as sentinelas e fecharam o portão. Nós tínhamos chapéus
grandes, do tipo daqueles que os americanos usam para não apanhar sol, enfiei o
chapéu pela cabeça, mandei uma cabeçada no vidro e entrei pela janela. Caí em
cima da mesa do sargento da guarda, ele pôs-se debaixo da mesa e dei-lhe 2
punhaladas, matei-o. Depois, dei a volta e fui abrir o portão e o grupo entrou.
Mal entrámos, o corneteiro começou a tocar a corneta e os gajos começaram a aparecer.
O alferes, em vez de entrar, ficou ao meu lado e levou uma rajada. A partir daí
dei ordem para abater tudo o que aparecesse. Ou morríamos ou matávamos. A nossa
sorte foi que eles não valiam nada – éramos quarenta e ao fim de meia hora
tomámos conta do quartel. Agarrámos os inimigos e pusemo-los sentados debaixo
do pau da bandeira. Só tivemos um morto, que foi o alferes.
Foram libertados cerca de
600 presos e abatidos todos os militares inimigos que foram encontrados. No
final da missão, o grupo apoderou-se dum jipe para transportar o corpo do
alferes Ferreira.
A grande altitude, um
grupo de MIG sobrevoou a flotilha portuguesa, sem atacar. Provocou ansiedade
ente a nossa gente, apesar de o sargento António Lobato ter informado Calvão de
que os pilotos guineenses ainda não tinham completado a formação e dificilmente
seriam capazes de atingir uma força naval.
O comandante não podia
arriscar mais os seus homens. Depois de recolherem todo o pessoal desembarcado,
os navios formaram em losango e navegaram de regresso à ilha de Sogo. Traziam
dois mortos e um ferido grave. A operação em terra durara cerca de dez horas.
Não ocorreu o esperado
levantamento popular contra Sekou Touré. A centena de elementos do Front que participara na operação optou
por ficar em terra. Foi vencida e liquidada pelo exército da República da
Guiné.
Spínola ficou transtornado
com o resultado da operação. Sonhara com o Golpe de Estado que iria destituir
Sekou Touré e instalar no poder um governo favorável aos interesses
portugueses.
Alpoim Calvão afirmaria anos mais tarde que Amílcar Cabral, se fosse capturado, seria transportado para Bissau enquanto Sekou Touré seria entregue aos elementos da Front. Escreveu no seu relatório: sob o ponto de vista estritamente militar, a operação decorreu de forma muito satisfatória; o estado actual de funcionamento dos nossos serviços de informações é confrangedor.
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