DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sábado, 20 de abril de 2013





                                         AMÍLCAR CABRAL

                                                              XI

                  OPERAÇÃO MAR VERDE

                      (PREPARAÇÃO)



Para preparar em segredo a operação, foi improvisado um aquartelamento na ilha isolada e despovoada de Sogo, no arquipélago dos Bijagós. Foram ali treinados os opositores ao regime de Sekou Touré que iriam participar naquela aventura. Os cuidados com a preparação foram levados ao ponto de conduzir para lá umas tantas prostitutas de Bissau. Quem entrava na ilha não saía, até ao final da operação.
Conta Marcelino da Mata, lendário comando africano de exército português, que ajudou a preparar os opositores de Sekou Touré:

Um dia apareceu-me em Farim, o comandante Alpoim Calvão e disse que precisava que eu fosse para Cabo Verde dar recruta aos cabo-verdianos, de quem eu não gostava. Uma semana depois, estava no mato, veio um helicóptero buscar-me; também fui de helicóptero de Bissau para a ilha de Sogo. No dia seguinte, encostou lá uma lancha de desembarque militar, com uns gajos pretos e a falar uma língua que eu não conhecia.
No terceiro dia apareceu o Calvão, que me disse para eu os preparar. Eles falavam francês, mas eu não percebia nada de francês e perguntei-lhe: “Como é que eu vou preparar estes gajos se não percebo a língua deles?”. Ele então arranjou-me um intérprete, um guineense que vivia no Senegal e falava crioulo e francês. Eram homens da Guiné-Conackry. A princípio eram uns 30.
 Depois apareceu o Rebordão de Brito e perguntou-me o que é que nós estávamos ali a fazer. Disse-lhe para ter calma, porque eu também não sabia de nada. Foram vindo mais grupos de homens da Guiné-Conackry, até que se juntaram 400; eu e o Rebordão éramos os únicos portugueses e dávamos-lhes instrução. Passámos sete meses nisto, ninguém mais sabia de nada a não ser o Calvão e Lisboa.

Um fuzileiro naval que desertara e que, arrependido, se voltara a apresentar às nossas forças, deu um contributo precioso para o planeamento do ataque. Ajudou e explicar a carta da cidade e serviu de guia após o desembarque.
Alguns dos oficiais portugueses chamados a participar na operação manifestaram  frontalmente discordância. Houve quem argumentasse que o ataque à capital de um país com o qual Portugal não estava em guerra poderia acarretar consequências deletérias para o interesse nacional. Spínola e Calvão mantiveram-se firmes. Alguns descontentes foram ameaçados com sanções disciplinares e o major Leal de Almeida recebeu mesmo voz de prisão. Acabaria por participar na ação militar, apesar do desagrado de Alpoim Calvão.
Não era imaginável deixar em Conakry vestígios diretos da presença de militares portugueses. Amadú Bailo Djaló, outro comando africano do exército português descreveu nestes termos os últimos preparativos para a invasão de Conakry:

O comandante falou sobre a forma como devíamos agir. Primeiro, não levávamos as nossas fardas, nem as nossas armas. Levávamos Kalashs e íamos vestidos com roupa do PAIGC, equipamentos, chapéus, tudo de cor castanha. Segundo, que havia um capitão do Exército da Guiné-Conakry que comandava uma companhia que ia connosco. E terceiro que todos nós levávamos um braçal, de cor verde, no ombro esquerdo que serviria de sinal da operação “Mar Verde”. E que qualquer pessoa que, em Conacry, nos mostrasse um pano, grande ou pequeno, desde que fosse de cor verde, era dos nossos. Tínhamos, em Conakry, gente à nossa espera, mesmo militares que apoiavam a nossa ação.


Os navios que faziam parte da flotilha foram pintados de cores diferentes das habituais na Marinha portuguesa e as inscrições identificadoras foram apagadas. Os militares portugueses brancos pintaram o corpo de preto.
Voltemos ao relatório do 1º cabo Djaló, referente ao início da operação:
Por volta das 10.00, avistámos um barco muito velho a navegar na nossa direção. Trazia o general Spínola, corremos para a formatura. Quando chegou, o capitão João Bacar mandou apresentar armas, o general correspondeu à continência e depois iniciou um pequeno discurso.
Que se não fosse governador ia connosco. Mas que nós iríamos participar com o espírito dele e que havíamos todos de regressar, se Deus quisesse. Gritámos o nosso grito “Comandos ao ataque”, três vezes. Depois desse grito, já não podíamos voltar atrás, era o nosso juramento.



 A flotilha zarpou, de luzes apagadas, no começo da noite do dia 20. Uma força do Exército tinha sido colocada de prevenção em Buruntuma, próximo da fronteira da República da Guiné. Os aviões FIAT G91 estavam prontos a descolar. De pouco serviriam, se os velozes MIG da República na Guiné não fossem previamente neutralizados no solo. 



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