AMÍLCAR CABRAL
XI
OPERAÇÃO MAR VERDE
(PREPARAÇÃO)
Para preparar em segredo a operação, foi improvisado um aquartelamento na ilha isolada e despovoada de Sogo, no
arquipélago dos Bijagós. Foram ali treinados os opositores ao regime de Sekou
Touré que iriam participar naquela aventura. Os cuidados com a preparação foram
levados ao ponto de conduzir para lá umas tantas prostitutas de Bissau. Quem
entrava na ilha não saía, até ao final da operação.
Conta Marcelino
da Mata, lendário comando africano de exército português, que ajudou a preparar
os opositores de Sekou Touré:
Um dia apareceu-me em Farim, o comandante Alpoim Calvão e disse que
precisava que eu fosse para Cabo Verde dar recruta aos cabo-verdianos, de quem
eu não gostava. Uma semana depois, estava no mato, veio um helicóptero
buscar-me; também fui de helicóptero de Bissau para a ilha de Sogo. No dia
seguinte, encostou lá uma lancha de desembarque militar, com uns gajos pretos e
a falar uma língua que eu não conhecia.
No terceiro dia apareceu o Calvão, que me disse para eu os
preparar. Eles falavam francês, mas eu não percebia nada de francês e
perguntei-lhe: “Como é que eu vou preparar estes gajos se não percebo a língua
deles?”. Ele então arranjou-me um intérprete, um guineense que vivia no Senegal
e falava crioulo e francês. Eram homens da Guiné-Conackry. A princípio eram uns
30.
Depois apareceu o Rebordão de Brito e
perguntou-me o que é que nós estávamos ali a fazer. Disse-lhe para ter calma,
porque eu também não sabia de nada. Foram vindo mais grupos de homens da
Guiné-Conackry, até que se juntaram 400; eu e o Rebordão éramos os únicos
portugueses e dávamos-lhes instrução. Passámos sete meses nisto, ninguém mais
sabia de nada a não ser o Calvão e Lisboa.
Um
fuzileiro naval que desertara e que, arrependido, se voltara a apresentar às
nossas forças, deu um contributo precioso para o planeamento do ataque. Ajudou
e explicar a carta da cidade e serviu de guia após o desembarque.
Alguns
dos oficiais portugueses chamados a participar na operação manifestaram frontalmente discordância. Houve quem
argumentasse que o ataque à capital de um país com o qual Portugal não estava
em guerra poderia acarretar consequências deletérias para o interesse nacional.
Spínola e Calvão mantiveram-se firmes. Alguns descontentes foram ameaçados com
sanções disciplinares e o major Leal de Almeida recebeu mesmo voz de prisão.
Acabaria por participar na ação militar, apesar do desagrado de Alpoim Calvão.
Não era imaginável
deixar em Conakry vestígios diretos da presença de militares portugueses. Amadú
Bailo Djaló, outro comando africano do exército português descreveu nestes termos
os últimos preparativos para a invasão de Conakry:
O
comandante falou sobre a forma como devíamos agir. Primeiro, não levávamos as
nossas fardas, nem as nossas armas. Levávamos Kalashs e íamos vestidos com
roupa do PAIGC, equipamentos, chapéus, tudo de cor castanha. Segundo, que havia
um capitão do Exército da Guiné-Conakry que comandava uma companhia que ia
connosco. E terceiro que todos nós levávamos um braçal, de cor verde, no ombro
esquerdo que serviria de sinal da operação “Mar Verde”. E que qualquer pessoa
que, em Conacry, nos mostrasse um pano, grande ou pequeno, desde que fosse de
cor verde, era dos nossos. Tínhamos, em Conakry, gente à nossa espera, mesmo
militares que apoiavam a nossa ação.
Os navios que faziam
parte da flotilha foram pintados de cores diferentes das habituais na Marinha
portuguesa e as inscrições identificadoras foram apagadas. Os militares
portugueses brancos pintaram o corpo de preto.
Voltemos
ao relatório do 1º cabo Djaló, referente ao início da operação:
Por volta das 10.00, avistámos um
barco muito velho a navegar na nossa direção. Trazia o general Spínola,
corremos para a formatura. Quando chegou, o capitão João Bacar mandou
apresentar armas, o general correspondeu à continência e depois iniciou um
pequeno discurso.
Que se não fosse governador ia
connosco. Mas que nós iríamos participar com o espírito dele e que havíamos
todos de regressar, se Deus quisesse. Gritámos o nosso grito “Comandos ao
ataque”, três vezes. Depois desse grito, já não podíamos voltar atrás, era o
nosso juramento.
A flotilha zarpou, de luzes apagadas, no
começo da noite do dia 20. Uma força do Exército tinha sido colocada de
prevenção em Buruntuma, próximo da fronteira da República da Guiné. Os aviões
FIAT G91 estavam prontos a descolar. De pouco serviriam, se os velozes MIG da
República na Guiné não fossem previamente neutralizados no solo.
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