DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 19 de abril de 2013


                 AMÍLCAR CABRAL

                                X

      OPERAÇÃO MAR VERDE

      

        AS CIRCUNSTÂNCIAS




A Segunda Grande Guerra Mundial fragilizou de vez a velha Europa e as antigas potências coloniais deixaram de ter poderio económico e militar suficientes para conservarem os seus imensos impérios. A Europa já não era o centro do mundo. Teve de se adaptar aos novos equilíbrios de poder. Tanto os inimigos como os aliados oficiais da França, Inglaterra, Holanda, Congo Belga, Espanha e Portugal cobiçavam a liberdade de comércio nas possessões que estes países tinham conservado durante séculos.
A História de África não decorreu da maneira que é ensinada nos compêndios escolares das novas nações. Todos os países, e nós também, embelezam os seus passados de forma a incrementar a autoestima dos seus nacionais. Não fosse o apoio empenhado da União Soviética e dos Estados Unidos da América e a história das independências africanas teria levado algumas décadas mais a escrever. Alguns países de mentalidade pragmática, como o Reino Unido, mediram cedo os ventos da História e cederam prontamente perante forças que não podiam controlar. Outros, como a França e Portugal, envolveram-se em guerras inglórias.  
Por volta de 1970, quase todas as antigas colónias europeias na África e na Ásia tinham obtido o estatuto de nações independentes. O governo de Lisboa agarrava-se obstinadamente ao seu velho império. As grandes organizações internacionais condenavam a persistência da política colonialista portuguesa e até o Vaticano recebia oficialmente os líderes das nossas colónias. Se não estávamos orgulhosamente sós, como terá dito Salazar, pouca companhia tínhamos, para além da África do Sul.
Em geral, nem a vida nem a política são lineares. Numa e noutra, abundam os meandros. Curiosamente, a Operação Mar Verde foi secretamente apoiada por países da NATO, receosos de que a independência de Cabo Verde facilitasse a instalação de bases militares soviéticas naquele arquipélago, alterando o equilíbrio geoestratégico vigente.
Portugal nunca esteve em guerra com a República da Guiné. No entanto, beneficiando da conjuntura internacional, o presidente Sekou Touré acolhia fraternalmente no seu território os guerrilheiros que combatiam os portugueses. Ali tinham campos de treino e ali encontravam abrigo sempre que necessário. Era pelo território da Guiné-Conakry que entrava o armamento destinado ao PAIGC, ainda que as más-línguas dissessem que os guineenses, quando podiam, ficavam com parte das remessas. Conakry era a residência habitual de Amílcar Cabral. Funcionava na capital guineense uma escola-piloto para quadros do partido. O facto provavelmente mais grave era a existência, num país soberano oficialmente alheio ao conflito armado, de uma prisão onde eram aferrolhados os prisioneiros de guerra portugueses. Seriam razões de sobra para Portugal levar a cabo ações militares contra a República da Guiné e dos seus dirigentes, se fosse outro o panorama político internacional.
Em Janeiro de 1970, o comandante Alpoim Calvão ia nos 33 anos. Foi ele quem apresentou ao general António de Spínola, comandante militar e governador-geral da Guiné portuguesa, a proposta da operação que viria a ficar conhecida sob o nome de “Mar Verde”. Os seus objetivos podiam dividir-se em cinco alíneas:
1 – Promover um golpe de estado na República da Guiné-Conakry, de forma a substituir o regime de Sekou Touré por outro mais favorável aos interesses portugueses.
2 – Atingir as instalações do PAIGC em Conacry, provocando o maio número possível de baixas entre o inimigo.
3 – Eliminar as embarcações de guerra do PAIGC abrigadas no porto de Conakry.
4 – Capturar ou eliminar Amílcar Cabral.
5 – Libertar os militares portugueses detidos na prisão do partido.
Spínola deu o seu aval ao ataque a Conacry. Ao serem informados do projeto, tanto o ministro do Ultramar, Silva Cunha, como o ministro da Defesa, Sá Viana Rebelo se opuseram a ele. Temiam as repercussões internacionais do ataque a Conakry. Foi o próprio Alpoim Calvão quem se deslocou a Lisboa para entregar pessoalmente ao primeiro-ministro português Marcello Caetano uma carta do general Spínola. Caetano autorizou o desencadear da operação.
Alpoim Calvão é uma figura incontornável da guerra da independência da Guiné. Apesar da sua juventude, foram-lhe confiadas a preparação e o comando da operação. Chegou a exercer diplomacia paralela. Deslocou-se várias vezes a Genebra e a Paris, acompanhado de um graduado da DGS (PIDE) para contactar individualidades do “Front” que se opunha a Sekou Touré. Tratava-se de estabelecer alianças para o futuro e de conseguir informações que facilitassem a expedição naval a Conakry.
Nenhum aspecto da preparação foi descurado. Três elementos do "Front" mudaram-se para Bissau onde elaboraram uma lista das individualidades que iriam integrar o governo de Conakry após o afastamento de Touré. Chegaram a ser escritas as primeiras declarações a serem emitidas pela rádio em casa de vitória do golpe.

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