AMÍLCAR CABRAL
IV
O ASSASSINATO
Sobre a morte do líder histórico do
PAIGC sabe-se quase tudo e quase nada.
O crime aconteceu em Conakry. As
circunstâncias foram relatadas pelo jornalista moçambicano Aquino de Bragança e
coincidem com a versão oficial dos factos.
Passava das vinte e duas horas da noite
de 20 de janeiro de 1973. Amílcar Cabral, acompanhado da esposa Ana Maria,
tinha saído de uma receção na Embaixada da Polónia. Segundo uma versão, o casal
teria seguido no carro do embaixador russo. De acordo com outros, Cabral teria
preferido conduzir o seu Volkswagen. Quando o casal abandonou o automóvel, já
perto de casa, um grupo de militantes do seu partido barrou-lhe o caminho.
Cabral foi atingido a tiro a curta distância. Apesar da falta de iluminação,
Ana Maria Cabral foi capaz de identificar alguns dos assassinos. Conhecia-os
bem.
À hora do atentado, a maioria dos
dirigentes do PAIGV estava a assistir a uma palestra de Joaquim Chissano nas
instalações da escola-piloto do Partido.
Fotografado com o assassino
Amílcar Cabral na União Soviética.
O marinheiro da direita é Inocêncio Cani.
O marinheiro da direita é Inocêncio Cani.
Os
assassinos (Inocêncio Cani, Momo Touré, Bacar Cani, Aristides Barbosa e outros)
eram membros guineenses do PAIGC. Pretenderiam afastar da direção do partido os
cabo-verdianos e “brumedjos” (mulatos guineenses).
Quase simultaneamente, outro grupo de
conspiradores sequestrou Aristides Pereira, secretário-geral adjunto do PAIGC e
conduziu-o ao porto de Conakry onde o fez embarcar numa vedeta que zarpou, juntamente
com outras duas, alegadamente em direção a Bissau. Segundo algumas fontes, a
intenção dos conjurados não era eliminar fisicamente os dirigentes
cabo-verdianos do Partido, mas sim entregá-los às autoridades portuguesas. Há
também quem sugira que estava planeado conduzi-los até o interior da
Guiné-Bissau, a uma zona controlada pelos guerrilheiros, para aí serem
“julgados”. Amílcar Cabral estaria armado, o que não é de surpreender. Terá
oferecido resistência aos atacantes.
Logo após a morte de Cabral e o
sequestro de Aristides Pereira, os revoltosos prenderam vários quadros do PAIGC
que saíam da reunião que atrás referimos com a comitiva moçambicana.
Tratou-se de uma conspiração anunciada. Os
segredos em Conakry eram difíceis de guardar e havia muita gente que sabia que
estava a ser preparado um atentado. Amílcar Cabral recebeu vários avisos. Foi
informado por elementos duma delegação da FRELIMO, que se encontrava de visita
à capital guineense. A informação terá sido confirmada por dois diplomatas da
Embaixada da Checoslováquia em Conakry e por enviados do próprio Sekou Touré.
Cabral subvalorizou o perigo que corria.
Ainda nessa noite, uma comitiva de
conjurados, encabeçada por Mamou Touré, foi acolhida no palácio presidencial.
Contaria aparentemente com o pragmatismo de Sekou Touré, que poderia estar
disposto a aceitar as mudanças no PAIGC. À reunião, além de todos os membros do
governo guineense, compareceram os embaixadores de Cuba e da Argélia e ainda Samora
Machel, presidente da FRELIMO. Os conspiradores terão admitido a autoria da
morte de Cabral.
No final dessa reunião, Sekou Touré
terá ordenado o resgate de Aristides Pereira. Na versão oficial dos
acontecimentos, a operação foi levada a cabo por militares guineenses. Na
realidade, foi efetuada pelo contratorpedeiro russo “Experiente” que patrulhava
as costas da Guiné-Conakry a pedido das autoridades guineenses que procurariam
evitar ataques navais portugueses do tipo da operação Mar Verde, lançada pelos fuzileiros especiais em Outubro de 1970.
Sékou Touré ouviu os revoltosos. No
final da reunião, mandou-os prender.
Jean-Paul Alatas, um francês preso
desde 1970 por cumplicidade na operação Mar
Verde testemunhou a entrada dos revoltosos na prisão e descreveu-a, anos
mais tarde. Eram três dezenas de pessoas,
descalças e vestidas com camuflados, com a cabeça erguida, parecendo muito
orgulhosos do que tinham feito. Esperavam que o presidente da Guiné- Conakry
acabasse por apoiar o golpe.
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