DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 17 de abril de 2013


                                               

                        AMíLCAR CABRAL 

                                     VIII

                      SPÍNOLA

                   (Excerto do livro Portugal e o futuro)



O que importa reter é que a guerra subversiva é uma guerra total, à qual a população não pode, ainda que o queira, ser indiferente. Contrariamente ao que sucedia com os conflitos clássicos, em que a população era um fator poderoso mas não decisivo, aqui ela é o fulcro e o objetivo de toda a ação, só triunfando o partido que a tiver do seu lado. 
Como pode terminar uma guerra deste tipo? Analisemos em tese as diferentes possibilidades.
Poderia admitir-se que o conflito terminasse pelo aniquilamento das forças de guerrilha. Em relação a esta hipótese há porém que concluir desde já pala sua inviabilidade, pelo menos num horizonte-tempo definido.
A guerrilha, pela sua técnica de ação dispersiva, não carece de grandes efetivos para levar a cabo a sua missão de desgaste; e sendo assim, o recrutamento das forças de subversão, voluntário ou coercivo, entre a população, por mais diminuto que seja será sempre suficiente.
A natural fluidez das fronteiras limítrofes das áreas de guerrilha torna inesgotável o recurso ao recrutamento externo, sem qualquer hipótese de denúncia.
Parece, portanto, de excluir a vitória por aniquilamento físico do inimigo dada a sua possibilidade de constante renovação.
Poderia ainda aceitar-se o termo da guerra pela cessação coerciva da atividade das forças da subversão, uma vez privadas as guerrilhas do seu reabastecimento em víveres, material e munições. Em relação a este ponto a experiência tem largamente demonstrado que as forças de subversão contam com apoio externo inesgotável e este facto, conjugado com a permeabilidade das fronteiras e o apoio ideológico dos países limítrofes torna utópico o sucesso de qualquer tentativa para isolar as guerrilhas.
Poderia tentar-se a vitória conquistando a adesão da população, levando-a à colaboração ativa contra o inimigo e fazendo-a participar na perseguição à guerrilha. Mas nesse caso, em boa técnica de subversão, a ação inimiga seria desviada para a violência sobre a população, em ordem a obter, com a sua adesão ou sem ela, a cumplicidade do silêncio. A população cede sempre à violência e identifica-se com o mais forte; e em tal hipótese, ou se sobrepunha à violência das forças de subversão outra superior, que no balanço fizesse pesar para o lado das forças da ordem a moral de circunstância – o que de forma alguma pode aceitar-se – ou ter-se-ia de assegurar à população proteção eficaz, o que implicaria um volume de forças incomportável para qualquer país. Assim, pela persuasão ou pela violência, a conquista das populações resulta anulada.
Poderia alcançar-se a vitória retirando às forças de subversão a vontade de combater pela adesão da sua massa à causa da ordem estabelecida, ou levando os interesses que as apoiam a retirar o seu auxílio. Em qualquer dos casos, porém, seria uma vitória política e não militar.
Podemos assim chegar à conclusão que, em qualquer guerra deste tipo, a vitória exclusivamente militar é inviável. Às Forças Armadas apenas compete, pois, criar e conservar pelo período necessário – naturalmente não muito longo – as condições de segurança que permitirão soluções político-sociais, únicas capazes de pôr termo ao conflito.

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