DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

terça-feira, 23 de abril de 2013



                             XIII
                               

             AS ETNIAS DA GUINÉ





A variedade considerável das etnias que habitam o pequeno território da Guiné-Bissau traduz a sua situação geográfica e resulta das migrações que se foram fazendo ao longo dos séculos. Existem dois grupos étnicos fundamentais. Os povos negróides são essencialmente animistas. Entre eles, os Balantas e os Papéis ocupam as regiões costeiras do sul, enquanto os Bijagós preferem as ilhas e Manjacos e Mancanhas predominam no centro e nas regiões costeiras do norte. Os povos islamizados (Fulas e Mandingas) habitam o interior norte e o nordeste do país, a zona da mancarra (amendoim). A sua religião comporta também traços animistas.
Na Guiné, os colonos portugueses nunca foram muitos e a terra foi sempre pertença dos indígenas.
 Muitos guineenses falam uma das línguas africanas e têm o crioulo como segunda língua.
Note-se que Sekou Touré, dirigente histórico do país vizinho era mandinga e que tanto “Nino” Vieira Como Marcelino da Mata eram papéis.
Amílcar Cabral compreendeu cedo que as estruturas tribais tanto podiam facilitar como dificultar a participação dos seus membros na guerra de libertação. Numa sociedade descentralizada, como a balanta, um jovem podia decidir pela sua própria cabeça. Em grupos hierarquizados, como o dos fulas e dos mandingas, o empenhamento na luta armada dependia da aprovação dos chefes (“homens grandes”) que tinham em vista os interesses do conjunto.
De um modo geral, os fulas apoiaram os portugueses na ocupação da Guiné e colheram algum benefício do sistema colonial. Foi deste grupo étnico que saiu a maior parte dos combatentes africanos que lutaram, ao lado de Portugal, contra a guerrilha. Os mandingas eram o povo dominante no território quando chegaram os portugueses. Foram quem mais perdeu com o colonialismo. Para mais, detestavam os fulas por razões históricas. Foi fácil ao PAIGC recrutar guerrilheiros nessa etnia.
Sobre as peculiaridades de comportamento das várias raças da Guiné e a abordagem política de cada uma, ouçamos o que diz Amílcar Cabral. 

No mato é conforme: se for na nossa sociedade balanta, não há problema. A sociedade balanta é uma sociedade chamada horizontal, quer dizer, não tem classes, por cima uma das outras. Os balantas não têm chefes grandes, os tugas é que lhes arranjaram chefes. No balanta, cada família, cada morança, tem a sua autonomia e, se há algum problema, é o conselho dos velhos que o resolve, mas não há um Estado, não há nenhuma autoridade que manda em toda a gente. Se havia, no nosso tempo, porque vocês são jovens, é porque o tuga o pôs lá. Há mandingas chefes de balantas, antigos sipaios que põem como chefes. Mas eles não podem resistir, que é que hão de fazer, aceitam-nas, estão-se marimbando para o chefe. Cada um manda na sua casa, e entendem-se bem, juntam-se para lavrar, etc., e não há muita conversa. A sociedade balanta é assim: Quanto mais terra tu lavras, mais rico tu és, mas a riqueza não é para guardar, é para gastar, porque um não pode ser muito mais que o outro. Esse é que é o princípio da sociedade balanta, como doutras sociedades da nossa terra. 
Os fulas, os manjacos, etc., têm chefes, mas chefe não porque o tuga o pôs lá, é a própria evolução da sua história. Claro que temos que dizer aos camaradas que, na Guiné, os fulas e os mandingas, pelo menos, são gente que veio de fora. A maioria dos fulas e dos mandingas da nossa terra, era gente antiga da terra, que se tornou fula ou mandinga. É bom saberem bem isso, para poderem compreender certas coisas. Porque se compararmos as regras da vida dos fulas da nossa terra com as dos fulas de verdade noutras áreas de África, há já um bocado de diferença, mesmo no Futa Djalon já é diferente. Na nossa terra muitos se tornaram fulas: os mandingas antigos viraram fulas.
Os mandingas mesmo que vieram, conquistaram até a região de Mansoa e mandinguisaram as pessoas, transformaram-nas em mandingas. Os balantas recusaram-se e muita gente diz que a própria palavra balanta significa aqueles que recusam. O Balanta é aquele que não se convence, que nega. Mas não recusou tanto porque existe balanta-mane ou mansoanca. Sempre apareceram alguns que aceitaram e foram aumentando aos poucos, aceitar ser muçulmanos. Balantas, papel, mancanhas, etc., era tudo gente do interior de África que os mandingas empurraram para junto do mar. Os Sussus da República da Guiné, por exemplo, vêm do Futa - Djalon, os mandingas e os fulas é que os tiraram de lá. Os mandingas tiraram e depois vieram os fulas que tiraram também mandingas. Como dissemos, a sociedade de fulas, já é uma sociedade que tem gente (classes) de baixo para cima. Na balanta não, quem levantar muito a cabeça já não presta, já quer virar branco, etc. Por exemplo, se por acaso lavrar muito arroz, é preciso fazer uma grande festa, para gastar. 
Os fulas e os manjacos têm outras regras, uns mais do que os outros. Quer dizer, as sociedades manjaca e fula são chamadas verticais. Em cima há o chefe, a seguir os religiosos, a gente grande da religião que com os chefes forma uma classe, a seguir vêm os outros de profissões diversas (sapateiros, ferreiros, ourives) que, em qualquer sociedade não têm direitos iguais aos de cima. No costume antigo, quem é ourives, tem mesmo vergonha. Portanto, uma série de profissões, em escala, mas umas abaixo de outra. O ferreiro não é a mesma coisa que o sapateiro e o sapateiro não é a mesma coisa que o ourives, etc., cada um tem a sua profissão, claro. Depois então vem a grande massa da gente que lavra o chão. Lavra o chão para os chefes, como é costume. Esta é a sociedade fula e a sociedade manjaca. Com todas as teorias necessárias, teorias como: um dado chefe está ligado com Deus. No manjaco, por exemplo, se alguém é lavrador, ele não pode lavrar o chão sem ordem do chefe, porque o chefe é que tem a palavra de Deus para lhe dar. Cada um é livre de acreditar no que quiser. Mas todo um ciclo criado para quê? Para os que estão por cima garantirem a certeza de que os que estão por baixo não se levantam contra eles. Mas na nossa terra aconteceu várias vezes entre os fulas, por exemplo, que gentes de baixo, levantaram-se e lutaram contra os de cima. Houve revoltas de camponeses em grande, várias vezes. Temos, por exemplo, o caso de Mussa Molo, que deitou abaixo e tomou conta do lugar. Mas acabou de tomar conta do lugar, adaptou a mesma lei antiga, porque essa é que era boa, tudo continuou na mesma, porque assim é que está bem. E esqueceu-se logo donde tinha saído. Isso é o que muita gente quer infelizmente. Nesta sociedade do mato, grande número de balantas pegou na luta e não é por acaso, não é porque os balantas são melhores que os outros. É por causa do tipo de sociedade que eles têm, sociedade horizontal (rasa) mas, de homens livres que querem ser livres, que não têm nenhuma opressão em cima, a não ser a opressão dos tugas. O balanta é ele e o tuga por cima dele, porque o chefe que lá está, o Mamadu, ele sabe que não é nada seu chefe, foi o tuga que o pôs lá. Portanto, mais interesse ele tem em acabar com isso para ficar com a sua liberdade absoluta. E é por isso também que quando qualquer elemento do Partido comete um erro com os balantas, eles não gostam e zangam-se depressa, mais depressa do que qualquer outro grupo.
Entre fulas e manjacos não é assim. A grande massa que sofre de facto é a de baixo, os trabalhadores da terra (camponeses). Mas entre eles e os tugas há muita gente. Já se habituou a sofrer, a sofrer com a sua própria gente, sob a opressão da sua própria gente. E que quem lavra a terra, tem que trabalhar para todos os chefes, muitos chefes, além de chefes de posto. Então verificou-se o seguinte: quando compreenderam de facto, grande parte dos camponeses pegou na luta, salvo um grupo ou outro no qual não trabalhamos bem. Nos que estão acima deles (os profissionais) alguns pegaram e outros não, mas muito interesseiros, trabalham muito para eles mesmo (artesãos) e entre os religiosos e os chefes, raros foram os que pegaram no Partido, porque têm medo de perder os seus privilégios, a favor da luta. Nessas sociedades de classes, há um grupo que desempenha um papel especial: os que levam mercadorias dum lado para outro, para vender ou para trocar (dentro ou fora da terra). Trocam mercadorias, emprestam dinheiro aos chefes, etc. São os «Djilas». É um grupo especial, no quadro da nossa sociedade. Essas são as sociedades que têm classes: classe dirigente, classe de artesãos, classe de camponeses. Era preciso fazer unidade, o máximo possível, das forças de diferentes classes, de diferentes elementos da sociedade para fazermos a luta na nossa terra. Não é preciso unir toda a gente, como já disse, mas é preciso ter um certo grau de unidade. Na nossa sociedade há vários grupos étnicos, quer dizer, grupos com culturas e costumes diferentes e que, segundo a sua própria convicção, vieram de grupos diferentes, de origens diferentes: fulas, mandingas, papéis, balantas, manjacos, mancanhas, etc., incluindo também descendentes de cabo-verdianos, na Guiné.





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