DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

                                      
                               AMÍLCAR CABRAL  
                                        L

     ENCONTRO DE SPÍNOLA COM SENGHOR

                              


Fragoso Alas era agente da PIDE. Possuía um talento invulgar para a espionagem. Tinha estado dois anos na embaixada portuguesa de Kinshasa, sob a capa de adido comercial. Conhecia bem Mobutu e era ouvido por ele. Foi Fragoso quem conseguiu pôr Léopold Senghor, Presidente do Senegal, em contacto com o general Spínola.
Foi agendado um encontro no território República do Senegal. O tema da reunião era do conhecimento de Marcello Caetano. Tratava-se de estudar as hipóteses de estabelecer conversações tendo em vista alcançar uma solução negociada para o problema da Guiné-Bissau.
A reunião teve lugar a 18 de Maio de 1972. A equipa de que o comandante-em-chefe e governador-geral da Guiné se fez acompanhar na sua deslocação a um complexo turístico de Casamance (Clube Mediterranée), situado próximo da fronteira, era pequena. Constituíam-na Carlos Fabião, Fragoso Alas e o capitão Nunes Barata.  
A segurança imediata incluía dois helicópteros. Os jatos da Força Aérea Portuguesa sobrevoavam o lugar e um batalhão de paraquedistas estava de prevenção. As circunstâncias eram inéditas e havia de ter em conta a possibilidade de traição, quer da parte do PAIGC, que sabia do que se passava, quer do lado das forças senegalesas.
Entraram na sala de reuniões o general Spínola, o capitão Nunes Barata e Fragoso Alas. Carlos Fabião permaneceu junto aos helicópteros. Era o responsável pela segurança do general. Cabia-lhe a responsabilidade de comandar o ataque, se as coisas corressem mal. O plano de emergência consistia em bombardear de imediato a zona e fazer depois avançar os paraquedistas para liquidarem qualquer possível resistência e recolherem os vivos e os corpos dos nossos mortos.
Léopold Senghor fez jogo limpo. Verificou-se a coincidência de muitos pontos de vista do presidente da República do Senegal e do comandante das forças portuguesas na Guiné e foi possível traçar um plano de atuação, a submeter ao governo de Lisboa e aos movimentos independentistas. Projectava-se declarar, assim que possível, o cessar-fogo e organizar uma conferência sem condições prévias. Os representantes do governo português negociariam diretamente com os movimentos de libertação da Guiné-Bissau: o PAIGC e a FLING. A inclusão deste movimento, com pouca expressão no terreno, denunciava a vontade de Senghor continuar a proteger os interesses do Senegal no quadro duma futura independência. Tratava-se de um projeto a médio prazo. Durante um período de dez anos, enquanto se preparavam os quadros necessários para garantir a administração, o poder, na Guiné e em Cabo Verde, seria entregue a uma administração mista, constituída por elementos nomeados pelos movimentos independentistas e pelo governo português.  Seria então dada a palavra aos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, que decidiriam os termos do seu relacionamento futuro com Portugal: independência total, federação de estados ou inclusão numa comunidade afro-luso-brasileira. Curiosamente, o projeto estava em conformidade com as ideias defendidas por Caetano anos atrás. Por outro lado, dificilmente teria sido formulado sem o consentimento tácito de Amílcar Cabral, um homem que o destino pusera à frente de um movimento armado mas a quem o feitio predispunha às negociações.
Era a solução política que Spínola perseguia.
Ficou marcado um segundo encontro. 
António de Spínola deslocou-se a Lisboa e expôs ao primeiro-ministro português os resultados da reunião. Caetano tivera tempo para refletir e para tomar o pulso ao equilíbrio de forças em que assentava o poder. Considerava que, no quadro global da guerra em três territórios, a derrota militar na Guiné era preferível à negociações. O governo central não estava realmente disposto a modificar a sua política colonial, isto apesar do pretenso apoio e incentivo que deu a Spínola nas suas diligências, de que estava, obviamente, a par.  Marcello Caetano exigiu o fim imediato dos contactos com Senghor. Portugal poderia ser vencido na Guiné, mas não negociaria. 
   Ao general Spínola não restava outra solução que não fosse a de continuar a guerra. Como achava que a continuação da política do governo português ia contra os interesses do país, começou a conspirar. 
Fica por saber se o PAIGC, seguro do seu poder militar, com as forças armadas portuguesas na defensiva, iria aceitar uma moratória de dez anos para o seu projecto de independência. Provavelmente, não o faria. De qualquer modo seria preferível começar a negociar, numa altura em que a luta armada se encontrava em fase de relativo equilíbrio.


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