DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

                                                               
                                                   AMÍLCAR CABRAL

                                                             LVIII 
                                     
                A MORTE DOS GUERREIROS


    O Acordo do Alvor obrigou as forças armadas portuguesas a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo. A maioria desses combatentes ficou na Guiné após a independência. Previa-se a sua reintegração na vida civil. As boas intenções ficaram no papel.
    O PAIGC publicou em 1973 a sua lei de justiça militar. O artigo 86º dizia, entre outras coisas: o crime de traição tem lugar quando, sendo originário da Guiné ou Cabo Verde, o acusado pegue voluntariamente em armas contra as forças nacionalistas.
    Logo após o cessar-fogo, o PAIGC começou a capturar soldados portugueses africanos. Nunca mais se soube deles.
   Segundo uma fonte, foram executados, sem julgamento, 7.447 antigos militares negros que tinham lutado ao lado das tropas coloniais. Incluíam soldados, comandos e elementos das milícias. Foram também fuzilados alguns civis. A maioria das execuções foi levada a cabo meses após a independência. Muitas ocorreram por ocasião da tentativa de golpe de estado em Portugal a 11 de março de 1975. Os matadores estariam à espera de um pretexto.
     O PAIGC teria prometido a Carlos Fabião, último governador português da Guiné, nada lhes fazer. Promessas dessas não são para cumprir. Na véspera do embarque definitivo para Portugal, Marcelino da Mata já estava em Lisboa. Fabião reuniu todos os comandantes negros e convidou-os a acompanharem-no. Recusaram. A terra deles era ali. Ficaram.
    A oferta foi dirigida unicamente aos oficiais. O governo português receava eventuais convulsões sociais decorrentes da entrada em Portugal dos milhares de combatentes negros que tinham lutado pela bandeira das quinas. Abandonou-os ao seu destino.
É difícil aceitar contas tão exatas como as referidas acima. Ocorreram seguramente milhares de execuções.  Conhecem-se alguns casos concretos. Em 1976 decorreu o fuzilamento público de dois régulos e de Didi Ferreira, ex-comando, acusados de colaborarem com os colonialistas. No final de 1978, foram fuziladas centenas de militares guineenses que tinham servido na tropa colonial. A execução foi ordenada por António Buscardini, chefe da polícia política, com o apoio de outros dirigentes do PAIGC. Os corpos foram enterrados em valas comuns na mata em lugares tão diversos como Cumeré, Portogole, Cuntima, Farim, Bafatá, Cacheu, Canchungo, Pirada, Bambadinca, Biombo e Bissorá. É difícil entender estas execuções (ou assassinatos) quatro anos após a independência. Consta que Manhe Sanhé, ex-comando ao serviço de Portugal, poderia estar a preparar um golpe de estado contra o governo da Guiné.
Não foram mortos todos os antigos soldados africanos portugueses, que seriam mais de 15.000. Só os membros das milícias eram cerca de 9.000. Uns poucos conseguiram vir para Lisboa e muitos fugiram para o Senegal. Mesmo lá, foram perseguidos. Outros ficaram nas suas terras com o medo por companhia. 
Os conflitos com as forças senegalesas, em 1998, terão ajudado a sarar as feridas velhas. Militares que tinham lutado sob bandeiras diferentes na guerra da independência, bateram-se nessa altura, lado a lado.

Nota: Este livro aproxima-se do final. Encontra-se em fase de reorganização e aperfeiçoamento. As 130 páginas actuais irão converter-se em cerca de 180, mas os textos revistos não serão republicados no blogue. Continuarão a sair os últimos capítulos novos.
                                                                                         A.T.


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