AMÍLCAR CABRAL
LVIII
A MORTE DOS GUERREIROS
O Acordo do Alvor obrigou as forças armadas portuguesas a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo. A maioria desses combatentes ficou na Guiné após a independência. Previa-se a sua reintegração na vida civil. As boas intenções ficaram no papel.
O
PAIGC publicou em 1973 a sua lei de justiça militar. O artigo 86º dizia, entre
outras coisas: o crime de traição tem lugar quando, sendo originário da Guiné
ou Cabo Verde, o acusado pegue voluntariamente em armas contra as forças
nacionalistas.
Logo
após o cessar-fogo, o PAIGC começou a capturar soldados portugueses africanos. Nunca
mais se soube deles.
Segundo
uma fonte, foram executados, sem julgamento, 7.447
antigos militares negros que tinham lutado ao lado das tropas coloniais. Incluíam
soldados, comandos e elementos das milícias. Foram também fuzilados alguns
civis. A maioria das execuções foi levada a cabo meses após a independência. Muitas
ocorreram por ocasião da tentativa de golpe de estado em Portugal a 11 de março
de 1975. Os matadores estariam à espera de um pretexto.
O PAIGC teria prometido a Carlos Fabião, último governador português da
Guiné, nada lhes fazer. Promessas dessas não são para cumprir. Na véspera do
embarque definitivo para Portugal, Marcelino da Mata já estava em Lisboa. Fabião
reuniu todos os comandantes negros e convidou-os a acompanharem-no.
Recusaram. A terra deles era ali. Ficaram.
A oferta foi dirigida unicamente aos oficiais. O governo português
receava eventuais convulsões sociais decorrentes da entrada em Portugal dos
milhares de combatentes negros que tinham lutado pela bandeira das quinas. Abandonou-os
ao seu destino.
É difícil aceitar contas
tão exatas como as referidas acima. Ocorreram seguramente milhares de execuções. Conhecem-se alguns casos concretos. Em
1976 decorreu o fuzilamento público de dois régulos e de Didi Ferreira,
ex-comando, acusados de colaborarem com os colonialistas. No final de 1978,
foram fuziladas centenas de militares guineenses que tinham servido na tropa
colonial. A execução foi ordenada por António Buscardini, chefe da polícia
política, com o apoio de outros dirigentes do PAIGC. Os corpos foram enterrados
em valas comuns na mata em lugares tão diversos como Cumeré, Portogole,
Cuntima, Farim, Bafatá, Cacheu, Canchungo, Pirada, Bambadinca, Biombo e
Bissorá. É difícil entender estas execuções (ou assassinatos) quatro anos após
a independência. Consta que Manhe Sanhé, ex-comando ao serviço de Portugal,
poderia estar a preparar um golpe de estado contra o governo da Guiné.
Não foram mortos todos os
antigos soldados africanos portugueses, que seriam mais de 15.000. Só os membros das milícias eram cerca de 9.000. Uns poucos
conseguiram vir para Lisboa e muitos fugiram para o Senegal. Mesmo lá, foram
perseguidos. Outros ficaram nas suas terras com o medo por companhia.
Os
conflitos com as forças senegalesas, em 1998, terão ajudado a sarar as feridas
velhas. Militares que tinham lutado sob bandeiras diferentes na guerra da
independência, bateram-se nessa altura, lado a lado.
Nota: Este livro aproxima-se do final. Encontra-se em fase de reorganização e aperfeiçoamento. As 130 páginas actuais irão converter-se em cerca de 180, mas os textos revistos não serão republicados no blogue. Continuarão a sair os últimos capítulos novos.
A.T.
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