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DISSENSÕES E LUTAS INTERNAS
ZIGUINCHOR
Entre 1967 e 1969, a estratégia implementada por
António de Spínola e o desgaste que a guerra prolongada foi produzindo nos
combatentes anticoloniais conduziram a um certo equilíbrio na situação militar.
No interior do PAIGC multiplicavam-se as expressões de desagrado. Abriram-se
cisões e a liderança era contestada.
Em Novembro de 1967 desencadeou-se um projeto
fracionista. Nasceu a ideia de fundar, a partir do PAIGC, o Partido Democrático
Orgânico da Guiné (PDONG). Teria sido projetada a eliminação de Amílcar Cabral.
Os dois cabecilhas do PDONG foram descobertos e fuzilados. Ocorreram ainda
algumas prisões.
O secretário-geral estava a par das dissensões
ainda que, oficialmente, as atribuísse sempre a manobras do inimigo. Reagiu
procurando centralizar no secretariado toda a correspondência interna do
partido.
Em 1968, a PIDE tomou conhecimento de nova tentativa de cisão. Desta vez, teve origem em combatentes da etnia mandinga. Foi fundada
uma Junta Militar de Patriotas da Guiné-Bissau (JMPGB) que acusava Cabral do
impasse na guerra de libertação. A Junta pretendia demitir Amílcar Cabral e
afastar-se do PAIGC para se juntar à FLING. Era outra vez o anticaboverdianismo
a mostrar os dentes.
Em Junho de 1969, foi a própria FLING que tomou a
iniciativa de propor a certo número de guerrilheiros do PAIGC um encontro no
Senegal para o planeamento de ações comuns. Um dos pressupostos era a expulsão
dos cabo-verdianos das estruturas dirigentes do partido independentista. A
FLING pretendia mesmo ocupar algumas bases do PAIGC no norte do país, unificar
todos os movimentos da Guiné e constituir em Farim um governo provisório. O presidente da FLING foi aprisionado numa
área controlada pelo partido de Cabral e fuzilado.
Os guerrilheiros estavam desmoralizados. A
independência que os dirigentes prometiam para breve nunca mais chegava. À
fadiga de anos sucessivos de guerra, juntava-se o efeito da alimentação
deficiente e do paludismo, inevitável para quem vivia dia e noite em florestas infestadas por mosquitos. A fértil região de Quitafine, a sul, chegara a ser
considerada o “celeiro” do PAIGC. Era bombardeada sistematicamente pela aviação
portuguesa que incendiava as culturas.
Sempre que a insatisfação dos combatentes
aumentava, despertava o antagonismo aos cabo-verdianos. Dispondo de uma
escolaridade superior, eram escolhidos para os lugares de chefia, enquanto os
guineenses permaneciam na mata, de armas na mão.
As deserções tornaram-se comuns. A partir de 1968,
o PAIGC teve de recorrer ao recrutamento compulsivo. Os guerrilheiros entravam
nas tabancas e arrebanhavam os jovens em idade militar.
O baixo moral afetava a
combatividade. Entre 1968 e 1969, o número de ataques desferidos contra as
forças portuguesas decaiu significativamente.
As queixas contra Cabral repetiam-se e subiam de
tom. Para além de privilegiar os cabo-verdianos no acesso aos lugares na
direção do PAIGC, passaria demasiado tempo no estrangeiro, acabando por dirigir
a luta armada com alguma displicência.
Amílcar Cabral não era um líder incontestado. A
guerra de libertação passou por fases muito difíceis. O seu inegável carisma
não bastava para suprir todas as dificuldades de organização. Eram noticiados,
com alguma frequência, atentados contra ele. Uns terão sido reais e outros
inventados.
A PIDE noticiou alguns. Três deles terão ocorrido
na região de Ziguinchor, no Senegal. Terão sido levados a cabo, em ocasiões
sucessivas, por um desconhecido, um manjaco e um balanta.
Os boatos repetiam-se. Falou-se em tentativas de
rapto. Em 1969, contudo, foi preparado um atentado real. Um grupo de
combatentes planeou uma emboscada contra o secretário-geral. É o próprio Cabral
quem confirma o episódio, num relatório escrito em 1970. Um número importante
de agentes do inimigo, cujo objetivo era o assassinato de dirigentes do
partido, fora capturado no ano anterior.
A PIDE tentou, por mais do que uma vez, aliciar
dissidentes do PAIGC para eliminar Amílcar Cabral. Falhou sempre.
Em março 1972, num documento de doze páginas, o
secretário-geral denunciava um plano “diabólico” para o eliminar. Estariam em
causa militantes descontentes, em conluio com as autoridades portuguesas. A
publicação do secretário-geral não bastou para pôr fim imediato à intentona.
Terão sido presos cerca de 40 elementos do PAIGC, mas apenas três meses depois.
O nome de Inocêncio Cani veio pela primeira vez à baila. Falava-se com
insistência de desentendimentos entre Amílcar Cabral e “Nino” Vieira.
Inocêncio Cani era manjaco. Teria boas relações com
Osvaldo Vieira. Foi um prestigiado comandante da guerrilha do PAIGC na frente
norte (Morés). Juntou-se aos protestos contra o favorecimento dos quadros
cabo-verdianos na hierarquia do partido. Cabral chamou-o a Conakry. Para o
distanciar, enviou-o para a URSS onde se dedicou à formação em marinha de
guerra. Não terá modificado os seus pontos de vista. Em 1971 foi preso, depois
de julgado num tribunal militar, acusado de corrupção. Não ficaria muito tempo na cadeia. O líder do
PAIGC era avesso a detenções prolongadas.
De Amílcar Cabral, García Márquez poderia dizer
também que teve a morte anunciada.
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