AMÍCAR CABRAL
LVIII
PIDJIGUITI
Na
segunda metade do século XX, a opinião pública, interna e internacional, tornou-se
um fator importante para a propaganda dos povos que travavam guerras de guerrilha.
As notícias de massacres em regiões remotas geravam emoções no mundo inteiro. Fortaleciam
internamente a oposição aos governos que conduziam guerras impopulares e
criavam condições favoráveis ao incremento do apoio externo aos
movimentos de libertação. Aconteceu assim com as matanças de My Lai, no Vietname,
em 1968 e de Wiriyamu em Moçambique, em 1969. A Guiné-Bissau teve também um massacre
emblemático, ainda que de proporções menores. Aconteceu no porto de Pidjiguiti,
em Bissau, a 3 de agosto de 1959.
Os
estivadores reivindicavam aumentos salariais. Tinham visto as suas pretensões
satisfeitas por diversos estabelecimentos comerciais, mas a Casa Gouveia, sucursal
da CUF, então administrada pelo historiador António Carreira, cabo-verdiano da
ilha do Fogo, recusou ceder. Os estivadores responderam com a greve.
O
patrão-mor chamou os trabalhadores à capitania, para serem identificados. Três
deles foram levados pela PIDE para as oficinas navais.
Os
ânimos aqueceram e a revolta subiu de tom. Os estivadores tentaram libertar os
seus colegas detidos. A polícia encerrou os portões e pediu reforços. Um
marinheiro terá ameaçado um agente da autoridade e foi agredido por ele. Estabeleceu-se
a confusão. Os cerca de cem trabalhadores, quase todos manjacos, receberam à
pedrada os reforços policiais que se abeiravam do cais. Vieram também militares
e civis portugueses. O tiroteio começou. Ficaram muitos homens caídos no chão.
As
partes não se entenderam quanto ao número de baixas. Para o Comando Militar da
Guiné, «do lado dos grevistas, há a contar 7 mortos e cerca de 20 feridos e 20
prisioneiros». O Comando da Defesa Marítima refere «nove marítimos mortos, 16
feridos, um dos quais é o chefe da polícia, e 23 presos». Alguns dos grevistas
feridos acabaram por falecer.
O
PAIGC, no ano seguinte, acusou os portugueses de terem abatido a tiro meia centena de
trabalhadores guineenses em greve. Aristides Pereira, em carta a Lúcio Lara, fala
em 24 mortos e 35 feridos. Com maior ou menor número de vítimas, a notícia da
matança correu mundo e prejudicou a imagem internacional do governo de Lisboa.
Na greve de Pidjiguiti não havia motivações políticas. Os trabalhadores do porto
tinham razões de queixa e a questão podia e devia ter sido resolvida mediante
negociações. A situação agravou-se devido à impreparação dos agentes policiais
que recorreram desnecessariamente ao uso das armas de fogo.
No
dia do massacre, Amílcar Cabral estava em Luanda. Teve conhecimento da situação
pelos jornais no dia seguinte, durante o voo de regresso a Lisboa. Fez, como
lhe competia, o aproveitamento político do incidente, acabando por associar simbolicamente
o massacre de Pidjiguiti à fundação do PAIGC.
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