AMÍLCAR CABRAL
XLIX
ORGANIZAÇÃO NAS ZONAS LIBERTADAS
O amendoim era praticamente o único produto que se
podia trocar por mercadorias. A sua área de cultura crescia de ano para ano. No entanto, havia pouco para trocar. A guerra
expulsara os comerciantes portugueses das áreas de conflito e até os “djilas”
(vendedores ambulantes) passaram a ver o seu trabalho dificultado quando a
moeda deixou de circular nas zonas libertadas. O PAIGC procurou que tanto a
população como os guerrilheiros aumentassem os campos de cultivo e
diversificassem a produção. Pretendia-se colher não apenas arroz, mas também milho,
mandioca, batatas e legumes. O partido incentivou o uso de outros produtos,
como o amendoim, a cola, o óleo de palma e as peles de crocodilo como moedsa de
troca. Serviriam para adquirir bens essenciais como o sal, o sabão, as sandálias
e o vestuário.
A aviação portuguesa procurava destruir os campos
de cultura para retirar o sustento aos guerrilheiros e às populações que os
apoiavam.
A guerra arrasou a economia e impôs o recurso à
ajuda externa. Foi esse apoio que permitiu a criação de “armazéns do povo” nas áreas
libertadas. O seu número foi sempre insuficiente e as suas prateleiras estavam
muitas vezes desguarnecidas. Em resposta aos apelos de Cabral, países como a
União Soviética, a China, a Bulgária e Cuba ofereceram uma ajuda alimentar
importante que consistia em produtos que resistiam ao transporte e se podiam
armazenar. Era o caso do açúcar, da margarina, das conservas de peixe e do
leite condensado.
A transformação pretendida na sociedade passava pela
melhoria do nível cultural da população, maioritariamente analfabeta. O PAIGC
começou por abrir escolas ligadas às bases de guerrilha onde tanto a população
como os combatentes pudessem ser ensinados.
Entre 1964 e 1965, funcionaram nas regiões libertadas
50 escolas frequentadas por perto de 4 mil alunos. Nos anos seguintes, foi
crescendo o número de alunos, de escolas e de professores. Em 1972 teriam sido
construídas cerca de 200 escolas em que duas centenas e meia de professores
ensinavam mais de 14 mil alunos. As escolas funcionavam graças à cooperação de
países do norte da Europa (Suécia, Finlândia e Noruega), e do bloco
socialista.
Foram criados, tanto no interior como no exterior
do território da Guiné-Bissau postos sanitários e hospitais que pudessem tratar
militares e civis. Na República da Guiné, o PAIGC dispunha do Hospital de
Solidariedade, situado em Boké, e de uma clínica ortopédica em Conakry. Em
Ziguinchor (Senegal), tinha outro hospital. Em 1971 estavam a funcionar, dentro
das fronteiras da Guiné-Bissau, 120 postos sanitários e 13 hospitais regionais
ou setoriais, com um número total de 500 camas.
Amílcar Cabral preocupou-se sempre com o
desenvolvimento da preparação ideológica do povo da Guiné-Bissau. Não deixava,
contudo, de ser pragmático. Dizia: “Lembre-se sempre de que o povo não luta por
ideias, por coisas que estão na cabeça dos homens. O povo luta e aceita os
sacrifícios exigidos pela luta, mas para obter vantagens materiais, para poder
viver em paz e melhor, para ver a sua vida progredir e para garantir o futuro
dos filhos”.
A dada altura, o PAIGC considerou ter chegado o
momento de oficializar a constituição dum Estado nas zonas libertadas. Multiplicaram-se
as reuniões preparatórias. Foi decidido eleger conselheiros regionais que
escolheriam depois os deputados que iriam integrar a Assembleia Nacional Popular.
“A nossa primeira Assembleia ia ser constituída, na sua maior parte, por
eleitos saídos do seio do povo trabalhador e combatente, para que ela pudesse
exprimir as suas aspirações mais profundas. As candidaturas eram apresentadas
pelos responsáveis ou pelos próprios interessados. Um a um, o povo ia
eliminando os que não interessavam, acabando por escolher o seu candidato. Uma
lista única era submetida às populações que deviam dizer se – SIM ou NÃO –
estavam de acordo com ela. Os boletins correspondentes às duas respostas possíveis,
de cores diferentes, eram distribuídos aos eleitores, depois de estes se
identificarem e serem inscritos na lista eleitoral cujo controlo era exercido
pela própria gente do local, que conhecia bem os seus concidadãos. A urna
estava atrás de um biombo feito de esteiras”.
“Cento e vinte conselheiros foram selecionados entre as figuras de maior
prestígio entre o povo e os combatentes, para formarem o órgão legislativo
constituinte supremo da nossa terra. Eram os primeiros deputados da nossa história
e cabia-lhes uma tarefa que não mais se ia repetir: a proclamação do nosso
estado da Guiné e a aprovação da sua Lei Fundamental”.
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