AMÍLCAR CABRAL
LVI
AS GUERRAS DA GUINÉ
Os
romanos encerravam as portas do tempo do deus Jano quando havia paz em toda a
extensão do império. Raramente aqueles portões estiveram fechados. Ora de um
ponto, ora doutro, chegavam quase continuamente notícias de combates e de
derramamento de sangue.
Respeitadas
as proporções, a analogia é pertinente. Todos os impérios são entendidos pelos
povos dominados como forças do mal. Também nas colónias portuguesas a luta
contra a ocupação alienígena passou por uma série sucessiva de revoltas. A
chamada «pacificação» tardou. Em Angola, por exemplo, ocorreu apenas por volta
de 1916 e durou até 1961. Na Guiné-Bissau, manteve-se entre 1935 e 1963.
Enquanto as
feitorias situadas no litoral foram geralmente toleradas, a penetração no
interior desencadeou a resistência das populações. As características
geográficas do território, as disenterias e a endemia de malária dificultaram
sempre a progressão das tropas europeias.
Embora a lista de conflitos e de ataques de
variados povos da Guiné às posições portuguesas seja extensa, os confrontos armados de maior relevo deram-se a partir de 1879. Sintomaticamente, data
desse ano a autonomia administrativa da Guiné em relação a Cabo Verde, com o
reforço das verbas e dos efetivos militares atribuídos ao governo da colónia. Ganhava
força o critério da «ocupação efetiva dos territórios» como fonte de soberania.
Viria a ser oficializado em 1885 pela conferência de Berlim.
Em 1871,
o governador português morreu em combate contra os grumetes. Saiu da Praia
(Cabo Verde) uma expedição punitiva com duzentos homens que atacaram as
tabancas revoltadas. Em 1978, os felupes capturaram um barco português e
mataram a meia centena de tripulantes.
Em 1979 é
criado o posto militar de Buba, guarnecido por 20 soldados cabo-verdianos
chefiados por um tenente português. Foi atacado pelos fulas logo no ano
seguinte.
A partir
desta altura, intensificaram-se as campanhas chamadas de «pacificação».
As
autoridades portuguesas esforçaram-se sempre por aliar o esforço militar à
diplomacia, procurando e conseguindo acordos com os régulos mais complacentes.
No entanto, o «imposto de palhota», que obrigava os agricultores a
comercializarem os excedentes das suas produções, catalisava a resistência.
Durante o
ano de 1882 decorreram campanhas contra os beafadas, os fulas, os nalus e os
balantas. Com maior ou menor intensidade, as lutas prosseguiram durante os anos
seguintes. Em 1886, as fronteiras da Guiné-Bissau foram traçadas pelas
chancelarias francesa e portuguesa. Houve permuta de territórios. Casamança
ficou para a França e a faixa de Cacine para Portugal. Nascia oficialmente a colónia
portuguesa da Guiné.
Entre
guerras e compromissos, a presença europeia foi-se afirmando no interior da
nova colónia. Instalaram-se em Bissau algumas casas comerciais, maioritariamente estrangeiras.
Entretanto,
ocorriam combates com quase todas as etnias da Guiné. O ano de 1891 ficou
marcado pelos confrontos com os grumetes e os papéis. Nesse ano e nos
seguintes, Bissau foi atacada por diversas vezes, apesar de se ter tornado num
campo fortificado.
Em 1896,
as autoridades portuguesas já se achavam em condições de proibir a circulação
das moedas de prata de proveniência externa, até então dominantes nas trocas comerciais no
território.
O novo
século começou como tinha acabado o velho. Eram organizadas campanhas militares quase
todos os anos. Os povos da Guiné resistiam à ocupação colonial. Não se
levantavam todos ao mesmo tempo. Umas vezes, a guerra era contra os manjacos e
beafadas e outras contra os felupes e balantas.
Em 1912, as autoridades portuguesas proibiram os comerciantes de
venderem armamento aos negros.
Por volta
de 1913, Teixeira Pinto entra na história da Guiné. Enfrentou com sucesso os
manjacos do Oio, os balantas, os papeis e os Bijagós. Juvenal Cabral, pai de
Amílcar, chamou-lhe herói, num texto publicado na imprensa cabo-verdiana.
As ações
de «pacificação» cessaram por volta de 1935. A paz iria durar 28 anos.
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