DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

                                  
                                AMÍLCAR CABRAL

                                         LVI


            AS GUERRAS DA GUINÉ

Os romanos encerravam as portas do tempo do deus Jano quando havia paz em toda a extensão do império. Raramente aqueles portões estiveram fechados. Ora de um ponto, ora doutro, chegavam quase continuamente notícias de combates e de derramamento de sangue.   
Respeitadas as proporções, a analogia é pertinente. Todos os impérios são entendidos pelos povos dominados como forças do mal. Também nas colónias portuguesas a luta contra a ocupação alienígena passou por uma série sucessiva de revoltas. A chamada «pacificação» tardou. Em Angola, por exemplo, ocorreu apenas por volta de 1916 e durou até 1961. Na Guiné-Bissau, manteve-se entre 1935 e 1963.
Enquanto as feitorias situadas no litoral foram geralmente toleradas, a penetração no interior desencadeou a resistência das populações. As características geográficas do território, as disenterias e a endemia de malária dificultaram sempre a progressão das tropas europeias.
Embora a lista de conflitos e de ataques de variados povos da Guiné às posições portuguesas seja extensa, os confrontos armados de maior relevo deram-se a partir de 1879. Sintomaticamente, data desse ano a autonomia administrativa da Guiné em relação a Cabo Verde, com o reforço das verbas e dos efetivos militares atribuídos ao governo da colónia. Ganhava força o critério da «ocupação efetiva dos territórios» como fonte de soberania. Viria a ser oficializado em 1885 pela conferência de Berlim.
Em 1871, o governador português morreu em combate contra os grumetes. Saiu da Praia (Cabo Verde) uma expedição punitiva com duzentos homens que atacaram as tabancas revoltadas. Em 1978, os felupes capturaram um barco português e mataram a meia centena de tripulantes.
Em 1979 é criado o posto militar de Buba, guarnecido por 20 soldados cabo-verdianos chefiados por um tenente português. Foi atacado pelos fulas logo no ano seguinte.
A partir desta altura, intensificaram-se as campanhas chamadas de «pacificação».
As autoridades portuguesas esforçaram-se sempre por aliar o esforço militar à diplomacia, procurando e conseguindo acordos com os régulos mais complacentes. No entanto, o «imposto de palhota», que obrigava os agricultores a comercializarem os excedentes das suas produções, catalisava a resistência.
Durante o ano de 1882 decorreram campanhas contra os beafadas, os fulas, os nalus e os balantas. Com maior ou menor intensidade, as lutas prosseguiram durante os anos seguintes. Em 1886, as fronteiras da Guiné-Bissau foram traçadas pelas chancelarias francesa e portuguesa. Houve permuta de territórios. Casamança ficou para a França e a faixa de Cacine para Portugal. Nascia oficialmente a colónia portuguesa da Guiné.
Entre guerras e compromissos, a presença europeia foi-se afirmando no interior da nova colónia. Instalaram-se em Bissau algumas casas comerciais,  maioritariamente estrangeiras.
Entretanto, ocorriam combates com quase todas as etnias da Guiné. O ano de 1891 ficou marcado pelos confrontos com os grumetes e os papéis. Nesse ano e nos seguintes, Bissau foi atacada por diversas vezes, apesar de se ter tornado num campo fortificado.
Em 1896, as autoridades portuguesas já se achavam em condições de proibir a circulação das moedas de prata de proveniência externa, até então dominantes nas trocas comerciais no território.
O novo século começou como tinha acabado o velho. Eram organizadas campanhas militares quase todos os anos. Os povos da Guiné resistiam à ocupação colonial. Não se levantavam todos ao mesmo tempo. Umas vezes, a guerra era contra os manjacos e beafadas e outras contra os felupes e balantas.  Em 1912, as autoridades portuguesas proibiram os comerciantes de venderem armamento aos negros.
Por volta de 1913, Teixeira Pinto entra na história da Guiné. Enfrentou com sucesso os manjacos do Oio, os balantas, os papeis e os Bijagós. Juvenal Cabral, pai de Amílcar, chamou-lhe herói, num texto publicado na imprensa cabo-verdiana.
As ações de «pacificação» cessaram por volta de 1935. A paz iria durar 28 anos.

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