DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

sexta-feira, 31 de março de 2017



E pronto... Acaba aqui a saga do Tamegão. Esperemos pelo livro impresso em papel. Foi um prazer acolher o Nunes Pinto neste espaço.

António Trabulo


CARLOS NUNES PINTO




REFLEXÃO

A cada ano de saudades correspondem dez anos civis. Posso dizer, com verdade, que já estou em Portugal há quatrocentos e tal anos.
A África não estava no beirado das casas. Estava nos pingos da chuva que escorregavam do capim das cubatas, fazendo buraquinhos em auréola, assinalando pequenos territórios.
Não estava nos coleguinhas da escola, de colarinhos feitos por medida.
Estava na nudez dos troncos de homens e mulheres, na liberdade de ser essência.
Não estava nas batas, nem nas meias altas.
Estava na sola rija dos pés que pisavam sem dar pelos espinhos do caminho.
Pele dura que gretava pelo quente do sol e pelo cieiro frio da noite.
Não estava nos animais guardados em jaulas de aço.
Estava no berro de liberdade dos que pastavam tranquilos na savana, à beira do rio.
Não estava nas luzes das cidades que nos negam o sono.
Estava na luz da lua que nos ensinava os caminhos.
Não estava na brancura da neve da serra nem na brisa gelada do Norte.
Estava no calor do sol que abrasava os nossos abraços.
Não está em mim, nem em ti. Está nesta saudade que o batuque vai reclamando.


                                          

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