CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XXIV
“ O amor é como a chuva, ganha cor
quando beija a terra”.
Tamegão foi dos poucos
negros a ser convidado para o casamento do filho do patrão.
Vestiu casaco e pôs a
gravata que o Menino lhe emprestou. Sentiu-se mascarado de branco. Pior eram os
sapatos, mordiam demais.
Dona Albertina Menezes
comentou:
− Estás bonito, Tamegão.
Estremeceu. Se o senhor
Menezes ouvisse não ia se gostar.
Um ano depois, ainda
pensava naquele elogio. Tremia sempre. Dona Albertina, essa, nunca mais se
lembrou de tal, mas ele, sim.
− Tamegão, vais ao clube
amanhã?
− Eu não sei se pode entrar.
− Põe aquela gravata,
veste o casaco e diz que eu quero que tu entres.
Tamegão não queria que o
sono tomasse conta dele naquela noite. Imaginou dona Albertina passeando
descalça por cima da erva tenra, olhando para ele com aquele sorriso que mais
outra senhora não tinha. Deu a sua mão à dela com todo o cuidado, sempre pronto
a se desculpar se a Senhora não gostasse.
Dona Albertina le disse:
− Essa mão tão macia nem
parece de gente da tua raça.
Tamegão começou a sentir
uma coisa diferente lá dentro. Quando mais ele apertava aquela mão, mais sentia
o aperto da dela, numa correspondência total.
− Isto afinal é o quê?
− Tu sabes bem, respondeu
dona Albertina. A partir de agora, não me trates mais por Dona, Tininha chega.
− Eu não pode fazer isso
por causa que o senhor Menezes não vai se gostar.
− Não tenhas medo…
Depois, pediu-lhe,
abraça-me com força.
Tamegão ainda hoje não
sabe de onde lhe vieram tantas forças. Apertou, apertou até se esquecer das
diferenças. Seus lábios grossos africanos cobriram por completo os que estavam
ali, naquela carinha branca atrevida. Baixou os braços, ele também. Lá no fundo
seus dedos se entrelaçavam.
De repente, o capataz:
− Tamegão, tens de
acordar. Vamos trabalhar, traz a enxada!
− Eu já vai, senhor
Tibúrcio.
“Me desculpa, Tininha, eu
logo vai voltar. Não larga as minhas mãos, se quer, eu levo elas comigo”.
Dona Albertina não ouviu.
Estava a servir o pequeno-almoço ao Menezes.
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