CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XXIX
“Naquele tempo, a música era a preto
e branco.”
Em Vila Arriaga, só há
duas ruas, separadas pela linha do comboio.
A primeira, ao lado da
Administração, era a mais estimada. Uma fileira de laranjeiras, ao meio, a
enfeitava. O piso estava sempre impecável.
Nas entradas, duas placas:
“Avenida Manuel de Arriaga.”
Na rua do outro lado,
alguém se aproveitou do escuro da lua nova e plantou também uma: “Picada Manuel
de Arriaga.”
Por ironia do destino, era
na segunda que se desenvolvia o melhor comércio com os indígenas.
Por sorte, a Estação
ficava de frente para ela. Víamos, a qualquer momento, a hora certa no seu
enorme relógio.
A meio da tal picada vivia
aquele que, por seu meu pai, eu quero homenagear.
Foi o pioneiro em tudo: o
gramofone de agulhas substituíveis, com um prato que fazia rodar o disco de
vinil, era dele. Abrilhantava os nossos bailes. Certa noite, quando eu já ia
iniciar a terceira dança seguida com a mesma miúda, atrevi-me a dizer-lhe:
− Preciso de te falar duma
coisa…
Maliciosamente, ela
comentou, dando-me uma abertura:
− Já tinha reparado nisso,
fala à vontade.
− Quero dizer que te a…
Não acabei a frase. A
corda do gramofone partiu-se.
O frigorífico a petróleo
de torcida que era preciso, de vez em quando, acertar com uma tesoura, para
evitar a fumarada, era o único da vila.
Em dias de aniversário, em
qualquer outra família, a champanhe era refrescada nele.
O carro Ford – calças
arregaçadas – foi o primeiro que se viu circular por ali. Também era dele.
Tinha de levar sempre o ajudante para dar à manivela. A primeira operação era
abrir o estrangulador para forçar a entrada de ar e se iniciar a combustão. A
gasolina que usava era trazida pelo comboio de sexta-feira.
Quantas vezes teve de
levar doentes às urgências do Hospital do Lubango, quase sempre no melhor do
sono da madrugada…
Por culpa dessa mania, o
meu pai foi também o primeiro a ter um rádio. Era um Bosh de grande tamanho,
accionado pela bateria do carro. As válvulas tinham que aquecer, cerca de cinco
minutos.
Aos Domingos ligava o
rádio, abria todas as portas e janelas, levantava ao máximo o som, para dividir
com toda a população o privilégio que não queria só para si.
Quando aparecia por ali,
talvez de propósito, gente negra aos magotes, convidava-os, em quimbundo, a
ouvirem o rádio.
− Tchicuta Macongo!
Sentados no chão da
picada, escutavam lindas melodias.
Depois, todos batiam palmas
e, a uma só voz, diziam:
− Obrigado, Tchicuta
Macongo. Obrigado mesmo!
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