DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 29 de março de 2017




Aos leitores:

O "Tamegão" do meu amigo Carlos Nunes Pinto deveria acabar hoje. Ficou, contudo, de fora a Introdução do autor, que, quando o livro em breve for impresso, virá provavelmente a seguir ao prefácio. Sairá aqui, sexta-feira.

António Trabulo


CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO

  NOTA DO AUTOR

Vila Arriaga era ali, onde o deserto esbarrava no paredão da Chela.
Era ali, onde as grandes chuvas enfeitavam com serpentinas de cascatas o alto da Serra, torrentes de água que vinham encher nossas mulolas.
Era ali onde as faíscas se juntavam umas às outras, acordando o dia do silêncio do escuro.
Era ali, onde os troncos grossos das Acácias se enfeitavam de rubras flores, suportando o marinhar das crianças de bata branca.
Era ali, onde as cigarras cantavam louvores ao calor que o vento Leste trazia.
Era ali, onde uma ala de laranjeiras enfeitava a rua que parecia única, porque alguém se esquecia do outro lado da linha.
Era ali, onde as quitandeiras de panos garridos vendiam mangas de serra-abaixo na paragem do comboio.
Era ali, onde a chuva aumentava de repente, o tamanho da massaroca verde. Onde o tum-tum do pilão transformava em pó o sabor do milho maduro.
Era ali, onde os bailes do clube eram abrilhantados pelo gramofone de agulhas substituíveis. Bailes que acabavam com o partir da corda ou com a saída da D. Deolinda que arrastava para casa todas as miúdas. Soneira da velha ainda antes das promessas de amor que os jovens teriam gostado de fazer.
Era ali, onde na serra do mirante as crianças da escola brincavam sem incomodar os macópios saltitantes.
Era ali, onde as mulembas e os nombeiros disputavam o repasto dos pombos-verdes.
Era ali e ali está. Onde a história tudo mudou, menos o deserto, a Chela, a chuva e a poeira que o vento Leste trazia.

Evocação:

Francisco Alves Primo
Zé da Glória
João dos Santos
Adolfo de Oliveira
Basílio Pombo da Fonseca
Velho Guardado
Velho Vilares
Velho Rodrigues
Velho Tibúrcio
Velho Tamegão
António Duarte
Ramos da Cruz
Rocha Pinto
João Morais dos Santos
Américo Batista
Lauro Gonçalves
Robalo Ramos
Freitas Pinto
Cardoso Dias
Manuel Tanoeiro
Oliveira Caluca
Eduardo Bastos
João Simões
Filipe Cebolo
Ângelo
Albino Medeiros
João Carapanta
Amaro Ferreira Simões
José Bendada
José Arrais
Manuel Sebastião
Ventura Sapateiro
Domingos Américo
Adão
Rodrigues
Monteiro da Pecuária
Aníbal Pereira da Silva
João da Peça
Custódio de Almeida
       Gil do Espírito Santo
       Quintino do Espírito Santo


Que partindo, um a um, se foram juntando na Nova Vila Arriaga, com apenas duas ruas com o comboio pelo meio, rolando devagarinho, sem apitar para não os acordar do sono eterno.




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