CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XXVIII
“O nosso corpo treme por causa do
sangue que ferve dentro do corpo do outro”
Chipeto empurrou com
cuidado a porta da cubata, parecia desconfiado. Tinha razão. Ficou horrorizado
com o que viu e, num grito:
− Que é que é isto,
Murilo?
O que era vulgar nestas
situações era perguntar à mulher. Murilo estremeceu no sentimento de culpa.
Tentou levantar-se, mas Domingas apertou-o com força. Murilo perdeu a atitude.
Domingas, mulher do
Chipeto, era linda. Era esquia e bamboleava em provocação.
Chipeto era bastante mais
velho. Usava mutunga na cintura e um porrinho na mão. Caminhava coxeando e
quando se zangava espumava no canto direito dos lábios.
− Murilo, me explica –
ordenou Chipeto.
Murilo nada podia
explicar. Queria era sair dali. Assustado, olhou de frente para o Chipeto. Nem
disse “seja o que Deus quiser” porque esse Deus ele não conhecia.
Chipeto, a gritar, disse:
− Sai já da minha casa!
Foi o que Murilo quis
ouvir.
Se Chipeto bateu na
mulher, se ralhou, ele não chegou a saber. Admirou-se, isso sim, do silêncio
que envolveu o dia.
Pouco tempo depois, viu-se
Chipeto passar, coxeando e a espumar, direito ao Posto Administrativo.
− Senhor Chefe, eu vem
aqui apresentar queixa.
− Diz lá…
− Eu apanhar Murilo em
cima de Domingas.
− Por quê? Caíram os dois?
− Não! Estavam só deitados
dentro da cubata.
− E agora? O que é que
queres que eu faça? Já cá vieste várias vezes pela mesma razão. Quem tem que
resolver isso és tu.
− Mas… Senhor Chefe, eu
pode apresentar queixa?
− Está bem. Eu vou mandar
chamar o Murilo.
Quando ele chegou, o Chefe
ordenou que se sentassem os dois, à sua frente, em bancos separados, como
convinha.
Chipeta mostrava-se altivo
e controlado, Murilo não.
− Então, como é que vamos
resolver a endaca? – Perguntou o Chefe de Posto ao queixoso.
−Tem que pagar!
O Chefe pensou: “já estou
farto deste gajo, golpista dum raio!”
− Então, queres que ele
pague a tua honra?
− Não, honra não… Eu quer
mesmo aqueles três porco que ele tem no curral.
Já os tinha contado… –
Pensou o Chefe.
Murilo estremeceu. Era a
única coisa de valor que tinha. O Chefe também sabia disso.
− Ouve lá, Chipeto! Um só
não chega? Afinal, a Domingas consentia…
−Por causa que estava
bêbada!
O Chefe virou-se para
Murilo e perguntou:
− Tu podes pagar os três
porcos?
− Só pode um, respondeu, a
medo, Murilo.
− Pronto! Dás um porco ao
Chipeto e fica tudo resolvido.
Quando o Murilo ia a sair,
o Chefe disse-lhe:
− Vá lá… Tiveste sorte.
Vais pagar barato…
− Um porco é muito… Senhor Chefe, por causa que Domingas
estava bêbada.
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