CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XX
“É assim que se distinguem as raças: os
filhos dos negros não têm prendas no Natal.”
Estava a chegar o Natal.
Vinha depois do outro e antes de todos os que ainda estavam para chegar.
Na verdade, em todos eles,
eu pensava:
“ Onde é que se terá
metido o Rei-Mago-Preto que se esquece tanto dos miúdos da sua cor?”
Esta minha pergunta estava
envolta em tristeza, já quase à beira da revolta.
Por isso:
Com os troquitos que fui
amealhando comprei presentes para os filhos da Luana.
Para o menino ainda bebé,
uma chupeta azulinha.
Para o do meio, uma bola.
Para o mais velho, que já
andava da escola, um caderno de folhas lisas e uma caixa de lápis de cor.
De propósito, toda a tarde
da consoada choveu. E agora?
Olhei o Céu, impaciente e
já sem fé, revoltado.
Agorinha mesmo deixou de
chover! Fez-me bem este jeito em forma de milagre. O solo secou rápido como
sempre seca o chão africano.
As folhas pararam de
chorar e eu esgueirei-me pela porta da cozinha. Para correr mais depressa
viajei no meu arco empurrado pelo gancho de arame.
– Luana, vim trazer uns
presentes para os teus filhos.
– Segunda! Anda cá depressa. Traz os outros miúdos.
“Por que raio é que aquele
miúdo se havia de chamar Segunda?”
Luana parece que adivinhou.
– É porque aqui não pode
ter dois Saparalo. Este é mesmo o primeiro que veio.
– E tu, porque é que te
chamas Luana?
– Quando eu nasceu a Lua
ficou igual ao Sol.
“Lá tinha que vir fantasia
africana”, pensei eu.
Luana pôs a chupeta na
boquinha do bebé. Em brincadeira do acaso o menino começou logo a chupar.
A mãe, embevecida,
murmurou:
– Parece filho do branco.
Segunda começou a fazer
riscos na primeira folha do caderno, sem qualquer nexo. Estava era deslumbrado
com as cores que iam saindo. Afinal, só conhecia os riscos brancos que o lápis
de pedra fazia na lousa da escola.
Tentei por alguma ordem:
– Tens que fazer mesmo um
desenho tirado da tua cabeça!
O menino começou a
desenhar enquanto eu bebia um refresco de imbunde que Luana preparou para mim.
Fez uma casa com as
janelas junto ao telhado (Para todas as crianças são sempre inacessíveis as
janelas deste mundo grande).
Fora da casa, três
bonecos. Via-se que um era homem porque três risquinhos lhe definiam a barba. O
outro, porque não tinha barba, devia ser a mulher dele. O terceiro, tão
pequenino, parecia um bebé.
Ao lado, um animal. Porque
daquela bola maior desciam quatro riscos – talvez as patas.
Depois disse:
– Vou fazer o Sol.
Fê-lo em forma de estrela.
Afinal, era noite de
Natal.
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