CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XIX
“ No voo o passarinho não
olha para trás. Nossos olhos é que seguem o passarinho até à eternidade “
− O Menino já se alongou
em altura para ouvir coisa que eu vou contar.
Admirei-me, afinal era
sempre eu que funcionava tipo saca-rolhas!
− Nas outras vidas que
tive…
− Nas outras vidas?!
− Se cala, senão não ouve
nem escuta. Nas outras vidas, tantas que já nem sei, me vivi sempre Tamegão.
Numa escrevi, noutra virei rei, pobre em muitas, como agora.
− Também escrevias?!
− Quando os branco hoje
pensa que eu não sabe ler, eles é que não sabe ler os próprios pensamentos. Me
lembro ainda do livro com este fim: “ Quando a abelha pica a flor, as pétalas
tremem”.
− Como se chamava o livro?
− Nessa vida, os livro não
tinha nome, só tinha fim, cada um depois escolhia o dito nome.
− Tamegão, tu nessas vidas
foste sempre negro?
− Nalgumas primeiras não.
Todos tinha mesma cor por causa do sol que não andava. Ficava sempre parado no
meio lá de cima. Nem sombras se pronunciavam. Quando o sol começou a fazer
viagem é que aconteceu o escuro da noite. Aí já começaram a aparecer os filhos
do escuro. No tempo dos todos igual até as palavras todas se entendiam, se
falava a voz dos passarinhos, mesmo os bichos. Na outra vida depois, as pessoas
começavam a falar só com pessoas. Na outra ainda, mais tarde, já nem as pessoas
entendiam as pessoas, até agora.
− Espera aí, Tamegão. Que
vida é esta que tens agora?
− Eu agora já não está
nesta vida, está na que vem.
− Por isso é que adivinhas
tudo?
− Eu até sabe uma coisa,
mas o Menino não vai contar nos outros.
− Prometo.
− Um dia, nesta vida nova,
nesse tecto aí em cima se vai abrir um buraco muito grande. Todas águas vai
cair dentro da Terra. Essas águas vai encher o mar até tapar a Terra toda. Só
vai ficar a ponta duma serra grande onde Tamegão vai abraçar Luana. Nossos
filhos, dois, um rapaz, uma menina, vão ter asas para não precisar pisar a
terra molhada. Vão brincar como os passarinhos, vão-se beijar como os
passarinhos, vão ter ninho, vão ter filhos. Os filhos desses filhos vão ter
filhos também. A Terra nunca mais vai acabar. Acaba essa, se inicia outra.
− E sempre com Luana ao pé
de ti, não é?
− E com o Menino também,
voando como um passarinho!
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