DE CÁ E DELÁ

Daqui e dali, dos lugares por onde andei ou por onde gostaria de ter andado, dos mares que naveguei, dos versos que fiz, dos amigos que tive, das terras que amei, dos livros que escrevi.
Por onde me perdi, aonde me encontrei... Hei-de falar muito do que me agrada e pouco do que me desgosta.
O meu trabalho, que fui eu quase todo, ficará de fora deste projecto.
Vou tentar colar umas páginas às outras. Serão precárias, como a vida, e nunca hão-de ser livro. Não é esse o destino de tudo o que se escreve.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017





TAMEGÃO

CARLOS NUNES PINTO


XIII



“Em Moçâmedes, ninguém nos podia acorrentar, éramos feitos de areia e de mar”


− Tamegão, amanhã vou de comboio a Moçâmedes. Vamos lá passar o Natal.
− Natal!  E o que é isso, Menino?
− É o dia que o menino Jesus faz anos.
− Então ele nasceu em Moçâmedes?
− Não, foi em Belém, lá muito longe.
Tamegão quis revelar mais uma vez que tudo sabia.
− É aquele menino que tem um burro e um boi?
− Um boi não, uma vaca.
− Não reparou bem então.
− Vou-te prometer uma coisa. No ano que vem, vou passar o Natal contigo. Este ano já não posso.
− Cuidado, Menino, não deixa correr o rio nos teus olhos.
Já estava a conhecer as suas metáforas e perguntei:
− Vou chorar porquê?
− É só pouco, o pior é o esquecimento que nunca mais vai chegar.
Fiquei apreensivo.
− Menino, vai começar a chover, vai já para casa!
No dia seguinte, chegámos a Moçâmedes perto do meio-dia. Desta vez, e ao contrário do habitual, a mãe deixara a mim e aos meus irmãos a tarefa de fazermos as nossas próprias compras de Natal. Para tal, tinha-nos passado para as mãos notas novinhas de 100$00!
Às dezasseis horas, fomos direitinhos à loja do sr. Albérico, onde tudo se vendia, desde brinquedos a baterias para carros, etc.
O sr. Albérico recebeu-me com euforia.
− Então, rapaziada, o que os traz por cá?
− Queremos comprar brinquedos para o Natal – Disse eu. 
O meu irmão mais velho optou por uma camioneta de cabine vermelha e caixa de carga amarelo vivo. Só as rodas eram pretas como as demais.
O meu segundo irmão, o Leonel, optou por um casaco novo. Era, de todos nós, o mais vaidoso. Ainda hoje é.
O sr. Albérico, apercebendo-se da minha indecisão, foi buscar um pião, daqueles que eram disparados por uma pistola. Até que era bonito. Pô-lo a rodar em cima do balcão e, repetidamente, ia dizendo:
− Isto nunca mais pára, pode estar aqui todo o dia e toda a noite que não pára.
Pouco tempo depois:
− Vou ter de parar o pião para atender ali aquele senhor, senão rodava sem nunca parar.
Comprei-o.
Quando cheguei a casa, à casa do Tio Cardoso, fui a correr para ele, alegre como nunca, e disse-lhe:
− Tio, comprei um pião que nunca pára de rodar.
O meu tio disse-me:
− Quem nunca mais pára de ser burro és tu!
Saí para a rua a chorar. Gritei:
− Tamegão, se o Natal fosse feito só por nós os dois, eu não tinha precisado de chorar.

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