TAMEGÃO
CARLOS NUNES PINTO
XIII
“Em Moçâmedes, ninguém nos podia
acorrentar, éramos feitos de areia e de mar”
− Tamegão, amanhã vou de
comboio a Moçâmedes. Vamos lá passar o Natal.
− Natal! E o que é isso, Menino?
− É o dia que o menino
Jesus faz anos.
− Então ele nasceu em
Moçâmedes?
− Não, foi em Belém, lá
muito longe.
Tamegão quis revelar mais
uma vez que tudo sabia.
− É aquele menino que tem
um burro e um boi?
− Um boi não, uma vaca.
− Não reparou bem então.
− Vou-te prometer uma
coisa. No ano que vem, vou passar o Natal contigo. Este ano já não posso.
− Cuidado, Menino, não
deixa correr o rio nos teus olhos.
Já estava a conhecer as
suas metáforas e perguntei:
− Vou chorar porquê?
− É só pouco, o pior é o
esquecimento que nunca mais vai chegar.
Fiquei apreensivo.
− Menino, vai começar a
chover, vai já para casa!
No dia seguinte, chegámos
a Moçâmedes perto do meio-dia. Desta vez, e ao contrário do habitual, a mãe
deixara a mim e aos meus irmãos a tarefa de fazermos as nossas próprias compras
de Natal. Para tal, tinha-nos passado para as mãos notas novinhas de 100$00!
Às dezasseis horas, fomos
direitinhos à loja do sr. Albérico, onde tudo se vendia, desde brinquedos a
baterias para carros, etc.
O sr. Albérico recebeu-me
com euforia.
− Então, rapaziada, o que
os traz por cá?
− Queremos comprar
brinquedos para o Natal – Disse eu.
O meu irmão mais velho
optou por uma camioneta de cabine vermelha e caixa de carga amarelo vivo. Só as
rodas eram pretas como as demais.
O meu segundo irmão, o
Leonel, optou por um casaco novo. Era, de todos nós, o mais vaidoso. Ainda hoje
é.
O sr. Albérico,
apercebendo-se da minha indecisão, foi buscar um pião, daqueles que eram
disparados por uma pistola. Até que era bonito. Pô-lo a rodar em cima do balcão
e, repetidamente, ia dizendo:
− Isto nunca mais pára,
pode estar aqui todo o dia e toda a noite que não pára.
Pouco tempo depois:
− Vou ter de parar o pião
para atender ali aquele senhor, senão rodava sem nunca parar.
Comprei-o.
Quando cheguei a casa, à
casa do Tio Cardoso, fui a correr para ele, alegre como nunca, e disse-lhe:
− Tio, comprei um pião que
nunca pára de rodar.
O meu tio disse-me:
− Quem nunca mais pára de
ser burro és tu!
Saí para a rua a chorar.
Gritei:
− Tamegão, se o Natal
fosse feito só por nós os dois, eu não tinha precisado de chorar.
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