TAMEGÃO
CARLOS NUNES PINTO
VIII
“A manga tira da
árvore o cheiro a terra molhada.”
− Bom dia, Tamegão.
− Olá, Luana.
Luana trazia à cabeça uma
quimbala carregadinha de mangas pintadas de amarelo doce, apanhadas nas árvores
do caminho. Mangas de serra-a-baixo, de todos e de ninguém.
Perguntou:
−Vais vender no comboio?
Luana olhou para o Sol, acertou
o seu tempo e disse:
− Eu vai já, o comboio
está quase a chegar.
Partiu, com o seu corpo
bamboleante. As saias esvoaçavam ao vento, desenhando-lhe os contornos.
Tamegão só desviou o olhar
quando ela desapareceu para lá da primeira curva do carreiro.
Ingrato era o negócio de
Luana. Sempre, mas mesmo sempre, quando se anunciava a partida do comboio,
alguns passageiros oportunistas fingiam procurar dinheiro em todos os bolsos.
Entretanto, o comboio começava a deslizar, esmagando os carris e, com eles, as
moedas.
Caíam lágrimas daquele rosto,
sempre que a última carruagem se escondia para além da curva. Dentro dela seguiam
também as moedas guardadas em sacos de raiva e de revolta.
Depois, regressava à
realidade. Na loja, trocava as sobras da quimbala por arroz, farinha ou pão.
Os poucos angolares que
conseguia dava-os ao seu homem, que logo os transformava em vinho
Quando, à noite Saparalo voltava
a casa, já alegre, todo se convertia em abraços e beijos, dados devagarinho,
para os miúdos não acordarem.
Depois, sim o vinho que
lhe corria nas veias transformava-se em poesia.
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