TAMEGÃO
CARLOS NUNES PINTO
VII
Na brincadeira,
Tamegão dizia:
“ Fruta madura não precisa de açúcar, mulher
bonita não precisa de roupa”
− Tamegão, tu conheceste
bem o teu pai?
− Conheceu, já morreu
muito tempo mas me lembro dele.
− Conta lá, como é que ele
era?
− Assim do corpo já me
esqueci, mas do recado que me deu, nunca.
− Que recado?
− Quando morreu, passaram
cinco dias, eu fui no cemitério para matar minha saudade. Vi meu pai com os
braços abertos, como aquele Deus dos brancos, mas não tinha pau nas costas. Era
só para me abraçar. Choramos muito os dois.
Calou-se.
− Continua, Tamegão, essa
história é bonita.
− O Menino acha mesmo?
Então eu vai contar… Meu pai me pediu para não chorar mais, lhe estava a fazer
mal.
− Pai, mesmo quando eu
chorar não vai haver rio nos meus olhos.
E ele disse:
− É melhor, é melhor.
Quando eu ia embora, meu
pai me falou:
− De agora e para sempre
você não pode negar mais nos outros o sal que eu te deixei no poço.
Sal, coisa que fazia tanta
falta a tanta gente e eu recusava dar.
Para reparar suas faltas,
começou a oferecê-lo a quem passava.
Todos se admiraram.
Ora um, ora outro, foram
aparecendo os clientes, até a Luana, mulher do Saparalo.
Luana era moça bonita,
seus olhos pareciam da cor do mar, seu corpo franzino sustentava uma beleza que
ninguém conseguia descrever, viesse quem viesse.
Luana aparecia dia sim,
dia não.
− Senhor Tamegão, me dá
mais um bocado de sal.
Tamegão não recusava.
Depois todos os dias. Um
dia qualquer, de manhã e à tarde.
− Ainda de manhã levou sal
e já quer outra vez?
− Comecei a dançar no
caminho e o sal se derramou.
Noutro dia que isto se
repetiu, Tamegão, antes de ir buscar o sal, ficou calado a olhá-la fixamente.
Ela perguntou:
− Você gosta da minha cara
ou está a fazer o quê?
− Estou a rezar.
− Porquê?
− Por causa da tentação. É
a carne…
− Carne eu sabe o que é,
tentação não.
Tamegão explicou:
− Quando a gente começa a
sentir uma coisa diferente no corpo, isso é tentação.
Percebendo, Luana se
aproveitou, com maldade:
− Essa carne sou eu?
− Também pode ser você.
Luana apertou ainda mais
com ele:
− Então carne já tem, só
falta tentação.
− Luana, parece que ouvi o
teu filho chorar.
Quando cheguei da escola,
ainda Luana lá estava.
− Olá, Luana, estás muito
bonita.
− Só teus olhos vêem isso.
− E o Saparalo não vê?
− Esse não precisa de ver,
tem sempre carne…
Como não estava dentro da
conversa, assustei-me. Seria aquela a palavra que ela queria utilizar?
Luana foi-se embora,
bamboleando o seu corpo. Pensei que fazia aquilo para mim. Tamegão sabia que
não.
No dia seguinte, Luana fez
uma conversa de alto risco, que fez corar a cor negra do Tamegão:
− Hoje eu não vem pedir
sal. Só amanhã…
Tamegão revelou alguma
tristeza.
− Só amanhã porquê?
− Só amanhã, de noite,
porque Saparalo vai trabalhar no comboio que está estragado na linha, até
meia-noite.
− Meu Deus!
Tamegão se arrepiou.
Naquela noite Luana
hesitou, não porque não desejasse, e muito, ir visitar o Tamegão. Hesitou,
porque grandes relâmpagos e faíscas caíam do céu. A noite se transformava em
dia.
Mesmo assim, Luana não
desistiu. Chovia tudo o que Deus mandava. Colocou um pano grosso sobre as
costas, percorreu aquele caminho enlameado e entrou à pressa pela porta da
cubata do Tamegão e, nem sabendo porquê, abraçou-o fortemente. Tamegão fez o
mesmo. Ficaram assim até se esquecerem do tempo.
Tamegão quebrou o
silêncio.
− É este cheiro da chuva
no teu corpo moreno que é tentação. Agora já sabe, não sabe Luana?
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