CARLOS NUNES PINTO
TAMEGÃO
XVII
Tamegão me ensinou:
“ Quando a gente sabe, não
precisa dizer. Quando a gente não sabe, também não precisa “
O Administrador pediu que
o comerciante Lauro Gonçalves, um dos mais evoluídos da Vila, se deslocasse à
Administração.
− O assunto é este, Sr.
Lauro: no próximo dia 26 temos cá a visita do Sr. Governador do Distrito.
Preciso que o senhor leia um discurso na sessão solene.
− Sr. Administrador, quem
é que escreve o discurso?
− Vou pedir ao Sr.
Secretário. Ele escreve bem e, como o que interessa é falar dos problemas da
região, com certeza que o fará com gosto. O Sr. Lauro só tem que o ler várias
vezes em casa e tudo vai correr bem.
− Sim senhor.
Outra coisa não podia
dizer o Sr. Lauro.
O Administrador mandou que
chamassem o Seculo Colomboloca José e pediu-lhe o mesmo.
Era dos poucos negros que
sabia ler. Ficou inchado.
− Sim, senhor, Sr.
Administrador.
Quando ia para casa,
lembrou-se de qualquer coisa que o fez tremer.
− Eu vai ler o quê?!
Não dormiu toda a noite.
De manhã cedo, foi ter com Tamegão, sua única safa.
Tamegão ouviu-o atentamente
e depois perguntou:
− Mas você tem de falar de
quê?
− Também não sei.
Tamegão foi a uma gaveta e
retirou vários papéis lá de dentro. Fingiu que os lia. Finalmente, disse:
− Você vai ler este.
− Obrigado, me salvou!
Na sessão solene, o
aspirante administrativo anunciou o discurso do Sr. Lauro Gonçalves
− Excelentíssimo Senhor
Governador do Distrito, Excelentíssima Esposa, meus senhores, minhas senhoras….
No final, ouviram-se
bastantes palmas.
O aspirante anunciou:
− Agora, o discurso de uma
autoridade tradicional, o Seculo Colomboloca José.
Cumprindo com o que lhe
tinham dito, Colomboloca José ofereceu o seu discurso a:
− Excelentíssima Senhora
Esposa do Sr. Governador
“Mulher”
Mulher
É como
cerveja
A gente só bebe
Quando deseja
A mulher do Administrador
mudou a posição do rabo na cadeira.
Mulher
Não
precisa ter nome
Mulher
É produto que se consome
O Administrador apertou a
mão da mulher com muita força.
Dona Bia se voltou a
agitar na cadeira − parecia ter bicho-carpinteiro.
Mulher
Não precisa de
afecto
Mulher
Para
mim é só objecto
O Administrador olhou para
o Governador para pedir desculpas, ou até mesmo para mandar retirar dali o
Colomboloca. Reparou que o Governador tinha um ligeiro sorriso nos lábios.
Mulher
Se
torce na cama
Mulher
minha
Nunca
reclama
Ouviu-se um grito no
salão.
− Ah!,grande Colomboloca !
Tinha sido o Artur, rapaz
que começava a beber muito cedo.
Camisa
passada
Comida já pronta
Doença
curada
É isso
que conta
− Estás a ouvir, Júlia?
Aprende com esta! – Disse-lhe o marido.
Mulher
inteligente
Não
tem que se mostrar
Mulher
da gente
Se
sabe comportar
− Ouviste, Maria Antónia?
Parece que até os pretos já te conhecem! – Outro marido falou
Se
mulher tem alma
Não
sei que isso é
Mulher para mim
É
aquilo que é
Todos perceberam que o
discurso tinha acabado porque Colomboloca baixou a cabeça em jeito de vénia,
como lhe disseram que tinha de fazer.
Ninguém bateu palmas. Colomboloca
se agitou. Olhou para a porta de saída e
apeteceu-lhe fugir.
A esposa do Governador,
percebendo a intenção, levantou-se com distinção, subiu os degraus do palco e
abraçou efusivamente Colomboloca.
Disse-lhe ao ouvido:
−Todos os poetas são assim.
A sua alma é diferente da nossa.
Deu-lhe um beijo na face
que o deixou a pensar:
− Foi primeira vez que
recebo beijo de mulher branca. Só você, Tamegão, sabe fazer estes feitiços.
Romperam no salão palmas
que se espalharam pela África inteira.
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